Criança republicana

AutorArnaldo Ourique
Cargo do AutorLicenciado, Pós-Graduado e Mestre em Direito, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Páginas31-32
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CRIANÇA REPUBLICANA (
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)
O Direito sempre esteve fora das portas da família. Um exemplo académico mostra que
a família é uma ilha na sociedade e que o Direito apenas a circunda entrando aqui e ali
num ou noutro promontório. E para a criança, membro da família, ainda mais distante o
Direito se manteve. O Direito Civil, com o nascimento da sua codificação (obra política
de N
APOLEÃO
) introduz, talvez pela primeira vez na história do homem, normas sobre a
família, sobre o dever que impende aos pais de cuidar dos filhos. Mas esse dever era-o
num sentido rudimentar do termo: não um dever específico de segurança da criança,
mas um dever genérico de propriedade da família. A criança nesse mundo era uma
componente da propriedade do pai que encimava todas as relações dessa família com a
sociedade. E nesse sentido civilista de criança (cuja palavra aliás seria sempre e só
“filho” porque inclusivamente a palavra “criança” não tinha sido descoberta, isto é, a
palavra detinha uma conotação de alguém com estatuto de capacidade menor) se
manteve até à implementação da República democrática de 1976.
As primeiras Constituições portuguesas, as monárquicas, de 1822, 1826 e 1838, e a
primeira república de 1911 nem sequer da família tratam: estava em causa o cidadão
apenas. Na segunda republicana, de 1933, é inserida a família, mas embora utilize a
palavra dever de instruir os filhos a frase de S
ALAZAR
«Não discutimos a Família e a
sua Moral» é elucidativa dessa matriz cultural. Ou seja, a criança como criança não
existe; a família concentra os seus elementos num modelo abstracto de cidadão – cuja
titularidade aliás apenas se atinge aos 18 anos de idade. E não só. Mesmo essa matriz, e
isso é significativo, além de não possuir natureza constitucional – constituição formal –
faz parte do chamado direito constitucional material porque está inscrita no Direito
Civil. Ou seja, essa propriedade do pai de família é civil e não constitucional; ou seja,
ainda, em síntese, era o Código Civil que tratava dos valores da família e portanto da
criança – e assim sendo num âmbito civilista de propriedade e poder.
Seria a Constituição de 1976 que, pela primeira vez, portanto na terceira república,
ganhou estatuto próprio. Aliás é sintomático que num cartaz ao tempo aparecia uma
(
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) Publicado em 06-06-2010.

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