A garantia da fé republicana, 1

AutorArnaldo Ourique
Cargo do AutorLicenciado, Pós-Graduado e Mestre em Direito, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Páginas43-44
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A GARANTIA DA FÉ REPUBLICANA, 1 (
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Curiosa ideia que a natureza nos transmite: parece que tudo está em pólos, ora em baixo
ou em cima, ora atrás ou à frente, ora mais ou menos, ora bom ou mau, ora grande ou
pequeno, uma infinitude de adjectivos que relançam o nosso pensamento, aliás
histórico, de que depois da tempestade vem a bonança. De certo modo isso
corresponde à realidade, mas esquecemos com frequência que a vida nem sempre está
nestes pólos e que afinal poderá estar nas linhas condutoras destes início e fim. Aquele
sentimento é perigoso: porque quem vive à espera do pólo, seja ele qual for, pode nunca
viver – porque o espaço duma vida tem muito pouco que ver com o espaço dum
momento mundial. O ponto nevrálgico no entanto está noutro ponto: a ideia de que é
apenas com fé que o homem consegue a felicidade ou o bem-estar.
Curioso verificar que é maioria das vezes o homem da igreja – não dizemos da religião
propositadamente que é outro patamar de excelência – que se roga em defender que
uma crise de valores e que é na fé que o homem encontra o seu caminho. Ouvindo este
homem ele dirá «que o homem está desencontrado consigo mesmo porque não tem fé, e
vive em permanente desagregação social»; outro que «o homem necessita de fé para
possuir uma vida de paz e harmonia», e conclui «que até deixa pena ver tantas almas
perdidas sem rumo». O outro homem fica surpreendido: «não sou este homem de quem
faleis, sou feliz, não tenho quaisquer confusões de valores e respeito os outros; de quem
falais?»; e outro ainda, «porquê a sua fé ou a daquele outro?, quando olho o universo e
vejo a grandeza da unicidade do homem que do se fez homem e do homem se faz
outra vez pó?, que grandeza o homem criado do nada como todas as coisas – mas que se
fez homem?».
A fé, em rigor, é um tipo de conhecimento; o conhecimento é o único alimento
espiritual do homem (gostar de olhar ou comer é um recurso cognitivo...). Usando a
terminologia popperiana de verdade objectiva e verdade subjectiva, dir-se-á que a fé é
da área cognitiva da segunda: quando o que se acredita apenas tem confirmação nos
nossos pensamentos ou até sentimentos. É naturalmente um conhecimento que tem o
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) Publicado em 08-08-2010.

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