Das interdições e inabilitações
Autor | Helder Martins Leitão |
Cargo do Autor | Advogado |
Páginas | 79-94 |
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ANOTAÇÕES
* o principal desvio a registar relativamente à tramitação do processo comum consiste na apreciação liminar pelo juiz dos articulados, em ordem a determinar a afixação de editais, atenta a particular delicadeza das situações que estão na base destes processos e os danos que podem decorrer da extemporânea publicidade da acção.
** outra inovação a assinalar - pós decreto-lei, n.º 329-A/95, de 12/12, alterando o C.P.C. - consiste na eliminação da intervenção do conselho de família, quer no decretamento, quer no levantamento da providência. Ponderou-se, por um lado, a normal passividade dos vogais do conselho de família (por vezes, obrigados a deslocações por residirem fora da área da comarca) cuja intervenção se limita ao mero cumprimento de uma formalidade legal e, por outro lado, o eventual conflito de interesses que possa existir, designadamente, quando os vogais sejam virtuais herdeiros do requerido.
A dispensa de intervenção do conselho de família é compensada com o reforço dos poderes de indagação oficiosa do juiz, que poderá efectuar as diligências que entender necessárias, para além daquelas que são tipificadas na lei: interrogatório do arguido e exame pericial. arts. 944.º a 958.º C.P.C.. arts. 138.º a 156.º C.C..
REMISSÕES
arts. 944.º a 958.º C.P.C..
arts. 138.º a 156.º C.C..
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DESTAQUE
na petição inicial da acção em que requeira a interdição ou inabilitação, deve o autor, depois de reduzida a sua legitimidade, mencionar os factos reveladores dos fundamentos invocados e do grau de incapacidade do interditando ou inabilitando e indicar as pessoas que, segundo os critério da lei, devam compor o conselho de família e exercer a tutela ou curatela.
BIBLIOGRAFIA
Alberto dos Reis, in «Processos Especiais», I vol., pág. 112.
Castro Mendes, in «Direito Processual Civil», I vol., pág. 249.
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Excelentíssimo Delegado do Procurador da República junto do Tribunal Judicial da Comarca de Resende
- Otília d'Anunciação Vasques Barracuda, casada, analista, residente no Beco da Cerejeira, n.º 29, em Resende,
vem, por este meio, requerer a V. Ex.ª se digne requerer a
de
- Ester Cunha Barracuda, solteira, maior, sem profissão, moradora na Rua dos Mártires, n.º 3, em Resende,
para tanto, dizendo o seguinte:
A requerente é tia da requerida (vide doc. n.º 1).
Tendo esta 28 anos de idade (vide doc. n.º 2).
Os pais da requerida faleceram há cerca de dois anos a esta parte, num acidente ferroviário.
Como herdeira universal sobreveio-lhe apenas a Ester.
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Que, provavelmente pelo choque emocional sofrido, começou a tomar, em doses proibitivas, bebidas alcoólicas.
Chegando vezes sem conta a atingir estados de visível embriaguês.
Nos intervalos, é uma pessoa perfeitamente normal, mas quando se encontra etilizada, para além de tomar atitudes pouco conducentes à sua condição de licenciada em biologia e dotada de elevado grau de educação e sensibilidade, gasta, desmesuradamente, o seu património.
Que lhe adveio do acervo hereditário por óbito de seus pais e constituído por dinheiro, uma enorme gama de móveis (alguns de grande valia) e inúmeros imóveis (urbanos e rústicos) - vide doc. n.º 3.
Oportunistas da pior espécie, provocam-lhe o estado de etilização para, logo em seguida, lhe extorquirem avultadas quantias, quer em «cash», quer em cheque e até conseguindo que a requerida aceite letras!
Debalde tem a aqui requerente aconselhado a requerida a ter outro modo de vida, angariando emprego e até, caso o desejasse, vir viver para cada da tia.
A requerida promete fazê-lo, mas os companhias «de copo», transtornaram-na e volta a embriagar-se e a gastar a rodos.
Conhecedores do facto, já chegam a Resende para a espoliar, indivíduos da noite, provindos do Porto.
No mais, pelo menos para já, a requerida vai governando a sua pessoa.
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Pelo que, o abuso de bebidas alcoólicas justifica o presente requerimento para inabilitação da Ester, a qual se mostra incapaz de reger, convenientemente, o seu avultado património (cfr. art. 152.º C.C.).
Como promessa do atrás relatado, o parentesco da aqui exponente com a Ester não lhe confere legitimidade para, directamente, requerer inabilitação da mesma (cfr. arts. 141.º, n.º 1, ex vi, art. 156.º C.P.C.).
Certo sendo que a Ester Cunha Barracuda, não é casada, nem tem qualquer parente sucessível.
Sendo assim, requer-se a V. Ex.ª se digne, por força dos dispositivos supra citados e ao abrigo do disposto no art. 944.º do C.P.C., promover a inabilitação de Ester Cunha Barracuda para a prática de qualquer acto que implique administração ou alienação do seu património.
Espera deferimento
A Requerente,
-
Otília d'Anunciação Vasques Barracuda
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Meritíssimo Juiz de Direito do Tribunal Judicial da Comarca de Resende
O Procurador da República junto desta Comarca de Resende,
vem, ao abrigo do disposto no art. 944.º do C.P.C., requerer
de
- Ester Cunha Barracuda, solteira, sem profissão, moradora na Rua dos Mártires, n.º 3, em Resende,
com base no seguinte:
A requerida é solteira, vivendo só na casa em que habita, após a morte de seus pais.
Tendo destes herdado uma apreciável fortuna.
Que vem desbaratando há, pelo menos, um ano a esta parte, concretamente, desde que se entregou ao vício do álcool.
Fazendo gastos desproporcionais e emprestando dinheiro a quantos lhe pedem, do qual não é reembolsada.
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Atento o facto de ter apenas 28 anos de idade e não prestar qualquer actividade remunerada, corre o sério risco de, em breve, esbanjando o seu património, não poder fazer face à sua própria subsistência.
Tanto mais que de acordo com...
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