Acórdão nº 490/23 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Julho de 2023

Magistrado ResponsávelCons. António José da Ascensão Ramos
Data da Resolução07 de Julho de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 490/2023

Processo n.º 375/23

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

*

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. A., SA (doravante também abreviadamente designada por A., SA) interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82 de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, adiante designada por LTC), do acórdão proferido por Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), pedindo a fiscalização do disposto no artigo 64.º, n.ºs 2 e 3, alínea b), do Código do IRC (CIRC), quando interpretado no sentido de «valor patrimonial tributário definitivo» corresponder a «preço constante do ato ou do contrato e que serviu de base à liquidação de IMT»”, com fundamento em violação do princípio da legalidade fiscal (artigo 103.º n.ºs 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa).

2. A., SA requereu perante o CAAD a constituição de Tribunal arbitral em matéria tributária, pedindo a anulação do ato de liquidação de imposto de IRC referente ao exercício de 2018 e inerente ressarcimento em juros indemnizatórios.

O pedido foi julgado parcialmente procedente, decaindo a impugnante, porém, e para além do mais, no que tange o apuramento de resultados tendo por base o valor do custo de aquisição de imóveis transmitidos no exercício (alínea b) do dispositivo).

3. Apresentar requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional deste acórdão, como acima relatámos, pela decisão sumária n.º 249/2023, o relator decidiu não conhecer do mérito do recurso com fundamento em falta de arguição prévia de questão de constitucionalidade. Os fundamentos foram os seguintes, para o que ora importa:

“(…) no caso sub iudicio, é a própria recorrente que reconhece que a primeira vez que suscitou o problema de constitucionalidade objeto do presente recurso foi nas alegações apresentadas ao abrigo do artigo 120.º, n.º 1, do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime jurídico da Arbitragem em matéria Tributária – RJAT). Sucede, porém, que nos termos do artigo 10.º, n.º 2, alínea c), do RJAT, é pela peça em que formule o pedido de constituição de tribunal arbitral que o demandante procede à “identificação do pedido de pronúncia arbitral, constituindo fundamentos deste pedido os previstos no artigo 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário” e à “exposição das questões de facto e de direito objecto do referido pedido de pronúncia arbitral”, assim definindo a temática do processo e vinculando o Tribunal à respetiva pronúncia, ex vi artigos 24.º, n.ºs 1 e 3, do RJAT, 124.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT, e 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC) (artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), ambos do RJAT).

A peça de alegações escritas prevista no artigo 120.º, n.º 1, do CPPT, está bom de ver, não concede a oportunidade ao demandante (ou demandado) de proceder à alteração da instância na vertente objetiva, introduzindo novas questões materiais a apreciar (cfr. artigos 260.º do CPC e 20.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT; de notar, também, que não existe a possibilidade de contraditório, já que o prazo para alegar é simultâneo para todas as partes – cfr. artigo 120.º, n.º 1, penúltima parte, do CPPT), antes, nos antípodas, tem por único âmbito o debate sobre as questões compreendidas no thema decidendum, tal como definido em articulados pelos sujeitos processuais:

“A indicação do pedido ou pedidos e dos factos em que se fundamentam, bem como a indicação dos vícios que o impugnante imputa ao ato impugnado deve ser feita na petição, não podendo, posteriormente, em regra, formular-se novos pedidos ou invocados novos factos ou imputados outros vícios, designadamente nas alegações previstas no art. 120º deste Código.

Este entendimento, que tem vindo a ser adotado quase generalizadamente pelo STA, baseia-se no princípio da estabilidade da instância (art. 268º do CPC) e no ónus imposto ao impugnante de expor na petição de impugnação os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido (nº 1 deste art. 108º).

Por outro lado, os vícios geradores de mera anulabilidade, só podem ser arguidos no prazo previsto na lei (art. 136º, nº 2, do CPA), pelo que se não forem imputados ao ato nesse prazo, o interessado perderá o direito de os arguir.

Assim, só em casos excecionais, quando se esteja perante questões de conhecimento oficioso ou quando factos subjetivamente supervenientes para o impugnante lhe proporcionem a tomada de conhecimento de vícios de que não podia ter conhecimento no momento da apresentação da petição, será permitido ao impugnante invocar novos factos ou imputar novos vícios ao ato impugnado, o que está em sintonia com o preceituado no art. 506º do CPC, sobre a admissibilidade de articulados supervenientes, que deve ser subsidiariamente aplicável, com adaptações, ao processo de impugnação judicial, por força do disposto na alínea e) do art. 2º do CPPT.”

(v. J. LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 5.ª Ed., Vol. I, p. 783; questão francamente consensual, v. também, na jurisprudência, acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25 de setembro de 2013 no Proc. 0895/13 e acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 29 de maio de 2014, no Proc. 07573/14 e de 30 de setembro de 2019, no Proc. 1383/06.4BESNT)

Dito de outra forma, se a notificação para alegações conferiu à recorrente a prerrogativa de, em reforço do expendido na petição, apresentar um percurso argumentativo tendo em vista persuadir o colégio de árbitros da bondade da sua pretensão impugnatória, não lhe ficava oferecida a oportunidade para ampliar o objeto do processo, obrigando o Tribunal a pronúncia sobre novas questões materiais. Aqui se compreende o acionamento, inovatório face à temática definida na petição, do sistema difuso de controlo da conformidade constitucional das normas dos artigos 64.º, n.ºs 2 e 3, alínea b), do CIRC, na interpretação normativa sindicada pela recorrente: esta questão persistiu externa ao leque de questões substantivas que integravam o objeto da instância e cuja não-apreciação conduziria à nulidade do acórdão arbitral por vício de omissão de pronúncia (cfr. artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC).

Concluímos, portanto, que a atividade processual da recorrente não importou a vinculação do Tribunal “a quo” a proceder à fiscalização concreta da norma-objeto do presente recurso, o que, resulta do acima exposto, preclude a sinalização do pressuposto processual constante do artigo 72.º, n.º 2, da LTC e inquina a regularidade da instância de recurso, por falta legitimidade processual ativa da recorrente:

«Daqui [redação conferida ao artigo 72.º, n.º 2, da LGT, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, atualmente em vigor] decorre que a parte que pretenda assegurar o recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo desta alínea b), tem necessariamente – com a intervenção processual em que suscita a questão de constitucionalidade – de criar um específico dever de pronúncia do tribunal sobre a matéria a que essa questão se reporta: ou seja, caber ao tribunal que é confrontado com a questão de constitucionalidade um particular dever de sobre ela se pronunciar (sob pena de cometimento de nulidade por omissão de pronúncia) o qual transcende o genérico poder-dever de recusar (mesmo oficiosamente) a aplicação das normas reputadas de inconstitucionais.»

(C. LOPES DO REGO, op. cit., p. 96)

Contra esta conclusão não milita o argumento, constante do requerimento de interposição, que, de todo o modo, o Tribunal acabou por apreciar a questão de constitucionalidade, pelo que se deve entender o recurso interposto viável. Na verdade, consubstanciando um requisito constitutivo da legitimidade ativa do recurso de constitucionalidade, o artigo 72.º, n.º 2, da LTC, é perentório em impor à recorrente um ónus de vinculação do Tribunal “a quo” a proceder à fiscalização da norma-objeto (“em termos de estar obrigado a dela conhecer”), não se bastando – como sucedia antes da alteração ao preceito operada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro – com qualquer forma de suscitação da questão na pendência do processo, desde que em condições de oferecer a oportunidade ao julgador para dela tomar conhecimento na decisão final da causa.

O agravamento do ónus de suscitação prévia pela sobredita alteração legislativa denota plena intencionalidade e não comporta outra forma de interpretação:

«Não basta, pois, que a intervenção processual da recorrente seja adequada para despoletar o exercício pelo tribunal do genérico poder-dever de não aplicar normas inconstitucionais, ao alertá-lo para uma possível inconstitucional de normas convocáveis e aplicáveis à dirimição do caso sub iudicio – sendo indispensável que, atentos o momento e forma de tal intervenção processual, dela decorra um particular e específico dever de pronúncia, cuja omissão integrará nulidade da sentença (…) cabendo também aqui, naturalmente ao Tribunal Constitucional, já que se trata de matéria de que depende a admissibilidade do próprio recurso de constitucionalidade – a última palavr4a sobre a interpretação das regras do «processo-base» que dispõem sobre tal dever de pronúncia, condicionando-a ao cumprimento de certos requisitos, temporais ou formais, pela recorrente.»

(C. LOPES DO REGO, op. cit., pp. 96-97; Acórdãos do TC n.ºs 222/02, 114/00, 269/04, 305/05, 196/06, 347/06, 506/06, 308/07 e 376/07; mais recentemente, v. Acórdãos do TC n.ºs 687/2022, 304/2022, 492/2022 e 742/2022)

Face ao exposto e porque nenhum pedido de fiscalização concreta da constitucionalidade foi apresentado perante o Tribunal arbitral pelo demandante de modo a que o colégio ficasse obrigado a dela conhecer,...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT