Acórdão nº 304/22 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Abril de 2022

Data27 Abril 2022
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 304/2022

Processo n.º 1246/21

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

*

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Sindicato dos Médicos da Zona Centro apresentou reclamação ao abrigo do disposto no artigo 643.º do Código de Processo Civil para o Tribunal da Relação de Coimbra (fls. 1-17) da decisão do Tribunal do juízo local cível de Coimbra (Juiz 1) que, com fundamento em intempestividade, não admitiu o recurso antes interposto pelo reclamante para aquele Tribunal.

Por decisão singular de 06.06.2021 (fls. 131-137), o Tribunal da Relação de Coimbra negou procedência à reclamação, confirmando a inadmissibilidade do recurso.

O recorrente reclamou então para a Conferência da decisão singular nos termos constantes de fls. 142-150, que, por acórdão de 08.07.2021, indeferiu a reclamação e confirmou a decisão reclamada (fls. 159-171).

O reclamante pediu ainda a reforma do acórdão, com fundamento em nulidade por lapsus calami de Direito e por omissão de pronúncia (fls. 177-180), a que foi também negada procedência por acórdão de 09.11.2021 (fls. 192-199).

2. Sindicato dos Médicos da Zona Centro recorreu depois para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82 de 15.11 (LTC).

Pela decisão sumária n.º 59/2022, este Tribunal decidiu não conhecer do mérito do recurso por falta de suscitação prévia da questão de fiscalização constitucional.

Os fundamentos foram os seguintes, para o que ora importa:

“(…) o único texto que se encontra na reclamação para a Conferência que envolve questões de constitucionalidade é o seguinte (artigos 22.º-23.º e conclusões p) e q)) :

Ademais, a decisão objecto da presente (...) também não levou em conta os princípios constitucionais da segurança jurídica e da proporcionalidade ínsitos no princípio do Estado de Direito e nos direitos do acesso ao direito, a um processo justo e equitativo e à tutela jurisdicional efectiva, previstos nos artigos 2.º, 18.º e 20.º, numéros 1, 4 e 5 da Constituição.

Com efeito, em vista dos preceitos dos números 1 e 5, alínea d) do artigo 6.ºB da Lei n.º 1-A/2020 de 19 de Março a esta aditado pelo artigo 2.º da Lei n.º 4-B/2021 de 01 de Fevereiro e do art. 4.º deste mesmo diploma e (...) perante os preceitos dos artigos 138.º, números 2 e 3 e 248.º, número 1, do Código de Processo Civil, imbuídos de equivocidade e falta de clareza, terão os mesmos que ser intepretados como se tem vindo a explanar em sentido diverso ao do despacho reclamado e da decisão objecto da presente reclamação para a conferência, em obedência aos referidos princípios e direitos constitucionais e sob pena de violação dos mesmos, pois de outra forma, como a vertida no despacho reclamado em violação de tais disposições constitucionais, se estão a criar inadmissíveis gravames, ónus e preclusões de faculdades processuais, em completa ausência de segurança jurídica e proporcionalidade”

É este o excerto que, pretende o recorrente, tenha vinculado o Tribunal recorrido a fiscalizar as interpretações normativas cuja sindicância se peticiona nesta sede.

Ora, como bem se vê (...) a alegação pretendeu persuadir o Tribunal acerca da melhor forma de interpretar as normas legais que aborda e, em abono do sentido interpretativo por que propugna e a título de argumento hermenêutico, o recorrente faz apelo aos princípios de due process of law, de segurança jurídica e de tutela jurisdicional efetiva, entendidos também como dimanação do arquétipo de Estado de Direito com cobertura constitucional (artigos 20.º e 2.º, da Constituição da República).

A questão integrada no thema decidenduum perante o Tribunal da Relação de Coimbra, sendo assim, respeitava a um debate sobre a melhor forma de interpretar o disposto nos artigos 138.º, n.ºs 2 e 3 e 248.º, n.º 1, ambos do CPC, de uma parte, e, de outra, no artigo 6.º-B, n.ºs 1 e 5, alínea d), da Lei n.º 1-A/2020 de 19.03, no que o recorrente chamou à colação o poder enformativo dos citados princípios constitucionais sobre a disciplina legal dos processos jurisdicionais como forma de suportar a sua pretensão a que fosse revisto o fundamento jurídico do despacho que rejeitou o recurso interposto, sucessivamente reiterado pelo Tribunal da Relação nestes autos.

É neste contexto que o recorrente se insurge contra a decisão reclamada (“a decisão objecto da presente (...) também não levou em conta os princípios constitucionais”), expendendo grande esforço na demonstração de que esta violou o programa legal aplicável e é no mesmo sentido que sustenta impôr-se o sentido interpretativo dos preceitos que perfilha, adversativo ao que atacava pelo incidente (“com efeito, em vista dos preceitos dos números 1 e 5, alínea d) do artigo 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020 de 19 de Março e (...) perante os preceitos dos artigos 138.º, números 2 e 3 e 248.º, número 1, do Código de Processo Civil (...) terão os mesmos que ser intepretados como se tem vindo a explanar”). Trata-se de um esforço conjunto e unitário dirigido a demonstrar da existência de erro no julgamento de Direito, tudo na tentativa de obter do Tribunal uma inversão do entendimento jurídico adotado pela decisão reclamada das normas infraconstitucionais chamadas a dirimir a controvérsia.

Temos, portanto, que o excerto citado é qualificado como alegação de Direito, não como pedido de fiscalização concreta de normas ou de interpretações normativas: o Tribunal da Relação de Coimbra foi colocado na obrigação de levar em conta os argumentos do recorrente sobre a forma correta de interpretar o Direito de Processo Civil aplicável, não de fiscalizar a compatibilidade de dada interpretação normativa dos preceitos regulamentadores para com a Constituição da República. Veja-se que o recorrente não chegou sequer a enunciar perante o Tribunal “a quo” qualquer uma das interpretações normativas dos artigos 138.º, n.ºs 2 e 3 e 248.º, n.º 1, ambos do CPC e do artigo 6.º-B, n.ºs 1 e 5, alínea d), da Lei n.º 1-A/2020 de 19.03 cujo controlo de constitucionalidade, agora, pretende realizado em sede de recurso, desobrigando a 2.ª instância do processo de fiscalização concreta que se impunha como vestíbulo da presente instância (v., connosco, decisões sumárias do Tribunal Constitucional n.ºs 312/2017 e 222/2021).

Em face de todo o exposto, resta concluir que o recorrente omitiu o pedido de suscitação prévia da fiscalização concreta da constitucionalidade junto da jurisdição comum quanto às duas questões colocadas, que, como acima fizemos ver, é pressuposto processual típico de que depende a admissibilidade do recurso junto do Tribunal Constitucional, o que sinaliza vício da instância preclusivo da apreciação do objeto do recurso (cfr. artigos 70.º, n.º 1, alínea b), 2.ª parte da LTC).

3. O recorrente reclamou para a conferência desta decisão, ora nos seguintes termos:

“(…) vem, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 78.º-A, n.º 3, da LTC, de tal decisão apresentar reclamação para a conferência, o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:

1. A Decisão Sumária de que se reclama julgou pela inadmissibilidade legal do recurso e dele (e seu objeto) não tomar conhecimento, porque, alegadamente, «o recorrente omitiu o pedido de suscitação prévia da fiscalização concreta da constitucionalidade junto da jurisdição comum quanto à duas questões colocadas, que, como acima fizemos ver, é pressuposto típico de que depende a admissibilidade do recurso junto do Tribunal Constitucional, o que sinaliza vício da instância preclusivo da apreciação do objeto do recurso (cfr. artigos 70.º, n.º l, alínea b), 2.ª parte da LTC)»,

2. Diz-se ainda na Decisão Sumária que «Temos, portanto, que o excerto citado é qualificado como alegação de Direito, não como pedido de fiscalização concreta de normas ou de interpretações normativas: o Tribunal da Relação de Coimbra foi colocado na obrigação de levar em consta os argumentos do recorrente sobre a forma correta de interpretar o Direito Processual Civil aplicável, não de fiscalizar a compatibilidade de dada interpretação normativa dos preceitos regulamentadores para com a Constituição da República. Veja-se que o recorrente não chegou sequer a enunciar perante o Tribunal "a quo qualquer uma das interpretações normativas dos...

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