Acórdão nº 687/22 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. António José da Ascensão Ramos
Data da Resolução20 de Outubro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 687/2022

Processo n.º 589/22

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

*

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. A., SA interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82 de 15.11 (LTC) da decisão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de março de 2022, que não admitiu o recurso de revista excecional (artigo 672.º do Código de Processo Civil [CPC]) por aquele interposto, por não estarem reunidos os respetivos pressupostos processuais (artigo 671.º, n.º 1 e 2, a contrario, do CPC).

O recorrente pediu a fiscalização da constitucionalidade “das normas dos arts. 41.º, 48.º e 577.º, al. h) CPC conjugados com os arts. 92.º e 99.º EOA e 4.º CPC segundo a qual o patrocínio de uma parte por um advogado que representou a parte contrária tem apenas consequências disciplinares ou, no limite, uma mera irregularidade sanável por ratificação do cliente actual do advogado impedido”, arguindo violação do “princípio da igualdade, direito de acesso ao direito e aos tribunais e direito ao patrocínio por advogado, nos termos dos arts. 13.º, 20.º e 208.º”, todos da Constituição da República Portuguesa.

2. B. propôs ação especial para impugnação da regularidade e licitude do despedimento contra A., SA e, em articulado de motivação do despedimento, a empregadora suscitou exceção dilatória, visando obter por essa via a absolvição da instância. Como fundamento e nesse âmbito, alegou que a mandatária do demandante, sociedade de advogados, a representara entre os anos de 2010 e 2018, exercendo mandato que abrangia processos disciplinares e que importou a aquisição de conhecimentos sobre a sua vida societária, caracterizando conflito de interesses que, a seu ver, imporia a irregularidade do ato constitutivo da instância.

3. Julgada a ação parcialmente procedente pela 1.ª instância, A., SA recorreu da sentença final e, bem assim, dos despachos de 8 de julho de 2020 e de 8 de setembro de 2020 (despacho saneador), na parte que apreciou a exceção a propósito de «conflito de interesses» da mandatária forense do Autor.

O Tribunal da Relação de Guimarães negou provimento ao recurso, adotando o entendimento perfilhado pelo Tribunal do Trabalho, ora que a instância se deveria entender regularizada pela constituição de nova mandatária e subsequente ratificação do processado.

No mais dos recursos interpostos, o Tribunal da Relação de Guimarães igualmente negou-lhes provimento, confirmando todo o julgado.

4. A recorrente interpôs então recurso de revista excecional (artigo 672.º do CPC) para o Supremo Tribunal de Justiça quanto à defesa por exceção dilatória (irregularidade do mandato/conflito de interesses) que, pelo acórdão recorrido, rejeitou o seu impulso impugnatório com fundamento em irrecorribilidade da decisão, já que o recurso não compreendia a apreciação de questões de mérito em conformidade com o disposto no artigo 671.º, n.º 1, do CPC.

5. Ainda inconformada, a recorrente interpôs recurso para este Tribunal Constitucional, nos termos supra relatados.

Pela decisão sumária n.º 417/2022, decidiu-se não conhecer do mérito do recurso. Os fundamentos foram os seguintes, para o que ora nos importa:

“(…) Em primeiro lugar, é de assinalar que o pedido de fiscalização do disposto nos artigos 41.º, 48.º e 577.º, alínea h), todos do CPC, conjugados com os artigos 92.º e 99.º do Estatuto da Ordem dos Advogados e 4.º do CPC (na interpretação segundo a qual o patrocínio de uma parte por um advogado que representou a parte contrária tem apenas consequências disciplinares ou, no limite, uma mera irregularidade sanável por ratificação do cliente actual do advogado impedido) é irregular, já que se trata de um programa normativo totalmente alheio à decisão recorrida.

É entendimento uniforme entre doutrina e jurisprudência constitucional que o recurso de fiscalização concreta só será admissível se a norma ou interpretação normativa objecto do recurso tiverem sido determinantes para a decisão, conformando a sua base essencial de suporte jurídico (cfr. artigo 79.º-C, 1.ª parte, da LTC (…). Caso a norma sindicada seja lateral à situação sub iudicio, o que será o caso quando a decisão tenha mobilizado outro corpus jurídico, autónomo face ao colocado, ou outra fonte de Direito como fundamento material, a questão de inconstitucionalidade (ilegalidade ou inconvencionalidade) resultará deslocada do objecto do processo a que instância jurisdicional respeita e, como tal, o seu julgamento estará desprovido de alcance prático. Nessas situações, o juízo sobre o recurso pelo Tribunal Constitucional não estará devidamente enquadrado com a temática processual subjacente e não será apto a interferir com os fundamentos normativos da decisão e, por inerência, não possuirá impacto no desfecho da causa, resultando globalmente inútil. (…)

Levando em conta o exposto e porque a recorrente inequivocamente recorreu da decisão singular do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de março de 2022 (embora a apelide de “acórdão”, lapso irrelevante), que se limitou a julgar inadmissível o recurso interposto para esse foro (“ notificada do douto acórdão de 22.03.22 vem (...) dele interpor recurso para o Tribunal Constitucional, o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos ”), não pode passar despercebido a ninguém que a interpretação normativa cuja sindicância se pretende em nada respeita a essa decisão e não conforma seu fundamento, essencial ou secundário: a decisão singular cingiu-se a aplicar o quadro legal de que depende a admissibilidade da revista excecional (artigos 671.º, n.ºs 1 e 2 e 672.º, n.º 1, corpo do texto, ambos do CPC) e é absolutamente estranha às condições em que exerceu mandato forense a representante do demandante inicialmente envolvida na propusitura da ação.

Assim, desde já concluímos que estamos perante vício da instância de recurso constituída por falta de verificação de pressuposto processual típico e próprio do meio de processo em causa (recurso para o Tribunal Constitucional) de sindicância oficiosa e que obsta à apreciação de mérito do recurso (cfr. artigos 280.º, n.º 1, alínea b) da Constituição da República Portuguesa e artigos 70.º, n.º 1, alínea b) e 79.º-C, ambos da LTC (…)

Em segundo lugar, cabe relembrar que o modelo legal de recurso para o Tribunal Constitucional do Direito português em sede de fiscalização concreta recenseado no artigo 280.º da Constituição da República e nos artigos 69.º-85.º da LTC depende que a questão cuja sindicância se pretende tenha sido colocada no processo a que respeita de modo a ser apreciada na decisão recorrida (cfr. artigos 70.º, n.º 1, alíneas b), 2.ª parte e f), 2.ª parte, da LTC). Para além disso, terá ainda de ter sido colocada pelo próprio sujeito que recorre para o Tribunal Constitucional, como condição da sua legitimidade processual ativa (cfr. artigo 72.º, n.º 2 da LTC) (…).

O exposto equivale a dizer que conforma condição da regularidade da presente instância recursiva que o recorrente tenha colocado o problema de constitucionalidade que pretende apreciado nesta sede ao Tribunal “a quo”, adotando a forma legalmente tabelada para o efeito, em prazo e em fase do processo oportuna, estabelecendo por essa via a vinculação temática do foro a sobre ela decidir ao abrigo do princípio de obrigatoriedade de pronúncia jurisdicional (cfr. artigos 608.º, n.º 2 e 615.º, n.º 1, alínea d), ambos do CPC). (…)

Ora, a primeira vez que a questão de constitucionalidade se pode entender suscitada pela recorrente no processo de modo a ficar compreendida no objeto temático de uma instância foi no recurso de revista extraordinária interposto para o Supremo Tribunal de Justiça (cfr. conclusões ix.)) e é, de resto, essa a indicação constante do requerimento de interposição apresentado (em cumprimento do artigo 75.º-A, n.º 2, parte final, da LTC). Deixamos impresso, porém, que também o objeto do recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães definido pela recorrente não compreendeu um pedido de fiscalização concreta quanto a essa matéria (cfr. conclusões i.) e ii.)).

No entanto e como vimos, o recurso de revista extraordinária não era admissível (por não incidir sobre o mérito da ação, mas meramente sobre questões relativas à regularidade da instância) e foi rejeitado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça recorrido, que por isso se absteve de se pronunciar sobre o respetivo objeto. Nesse pressuposto, concluímos que a recorrente não suscitou a “questão de constitucionalidade em termos de vincular o tribunal à respetiva apreciação” (C. LOPES DO REGO, op. cit., p. 181), antes introduzindo o pedido de fiscalização concreta prévio num ato irregular que, como tal, não teve por efeito obrigar o órgão jurisdicional ao respetivo julgamento.

Assim sendo, impõe-se concluir que está também omisso in casu o pressuposto processual previsto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da LTC e no artigo 280.º, alínea b), 2.ª parte da Constituição da República Portuguesa e de que depende a regularidade da presente instância recursiva, sinalizando-se vício processual preclusivo da apreciação do respetivo objeto.

6. A recorrente, inconformado com a decisão sumária, reclamou para a conferência tendo em vista obter a prolação de acórdão (artigo 78.º-A, n.º 3 da LTC) nos seguintes termos:

“(…) vem, com a devida e merecida vénia, dela reclamar para a conferência, requerendo que seja proferido acórdão sobre a matéria.

Para tanto, sempre com a devida vénia, vem a recorrente dizer:

1.º

Entendeu-se, conforme...

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