Âmbito da Jurisdição Administrativa

AutorIsabel Celeste M. Fonseca
Páginas53-66

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Reserva relativa de Jurisdição: art 212.&Ordm;, nº. 3 Crp e Art. 1º. e 4º. do ETAF

Vejamos esquematicamente como procuramos tratar este tema:

  1. Quais são as matérias atribuídas à jurisdição administrativa?

    a. Em princípio, todas as matérias que respeitem a litígios emergentes das «relações jurídico administrativas» = cláusula geral de definição de competência.

    i. O que é uma relação jurídica administrativa?

    b. E, designadamente, as matérias enumeradas nas alíneas do n.º 1 do art. 4.º do ETAF

    c. Há, contudo, questões referentes a uma relação jurídico administrativa subtraídas da jurisdição administrativa:

    i. Designadamente, as matérias previstas no n.º 2 e n.º 3 do art. 4.º do ETAF

    ii. Designadamente, as matérias atribuídas a outras categorias de tribunais por legislação especial

  2. Não obstante, o legislador ordinário pode também atribuir à jurisdição administrativa competência para julgar litígios que não digam respeito a «conflitos emergentes de uma relação jurídico administrativa»

    No que a este tema concerne, cumpre, em primeiro lugar, invocar o quadro legal aplicável. Assim, nos termos do art. 212.º, n.º 3 CRP e art. 1.º do ETAF, «Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais», e, nos termos do artigo 4.º, n.º 1 do ETAF, compete aos tribunais administrativos conhecer, designadamente, as matérias previstas nas alíneas a), b), c), d), e), f), g), h), i), j), l), m), n), sendo certo que nos termos do n.º 2 e n.º 3 do artigo 4.º do ETAF, é, designadamente, excluída da jurisdição administrativa a apreciação de litígios que digam respeito às matérias nesses números previstas.

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Como definir o âmbito da jurisdição administrativa?

A justiça administrativa compreende a resolução das questões jurídico-administrativas, que sejam atribuídas à ordem judicial dos tribunais administrativos. Resulta da leitura do art. 212.º, n.º 3 da Lei Fundamental que o legislador constituinte quis que os tribunais administrativos fossem os «tribunais comuns», a «jurisdição própria», a «jurisdição ordinária», ou a «jurisdição natural» em matéria administrativa, parecendo estabelecer neste preceito uma reserva relativa de competência dos tribunais administrativos para «dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas». Contudo, porque se trata de uma reserva relativa de competência, tanto há matérias referentes a esses litígios que não cabem na jurisdição administrativa como existem outras que não dizem respeito a tais relações jurídico administrativas e ainda assim são entregues aos tribunais administrativos.

O que pode entender-se por «relação jurídica administrativa» para este efeito?

O conceito deve corresponder à generalidade das relações jurídicas externas ou inter-subjectivas de carácter administrativo, sejam as que se estabelecem entre particulares e os entes públicos, sejam as que ocorram entre sujeitos administrativos. Dada a dificuldade em concretizar o conceito de «relação jurídica administrativa», apontam-se três critérios de apuramento: subjectivo, objectivo e funcional. Haverá uma relação jurídica administrativa quando pelo menos uma das partes for uma autoridade administrativa, um ente público, revestido de estatuto especial. Quando a Administração integra a relação jurídica, há um indício de se estar perante uma relação jurídica administrativa. De acordo com um outro critério, a relação jurídica administrativa será aquela que é regulada pelo direito administrativo, por normas jurídicas caracterizadas tanto por entregarem especiais poderes e deveres à Administração como por assegurarem garantias de defesa aos particulares perante a Administração. De acordo com um outro critério, a relação jurídica administrativa é aquela que acontece quando uma das suas partes desempenha uma actividade administrativa, exerce um poder administrativo ou actua no exercício da função administrativa. Em síntese, como ensina VIEIRA DE ANDRADE, a relação jurídica administrativa é considerada, para este efeito, como uma relação social entre dois ou mais sujeitos, disciplinada por normas jurídicas administrativas, das quais decorrem posições jurídicas, activas e passivas, que constituem o respectivo conteúdo17.

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Cumpre sublinhar que na actualidade as relações jurídicas administrativas são cada vez menos de natureza simples ou bipolar, constituídas por dois sujeitos ou dois pólos de interesse oposto. Com efeito, na actualidade são cada vez mais frequentes, principalmente nos domínios ambientais, urbanísticos e de ordenamento do território, as relações complexas ou multipolares, quer dissimétricas, quer poligonais, de tal modo que os particulares e a Administração aparecem em ambos os lados opostos, manifestando interesses públicos e privados contrapostos e conflituantes. Hoje em dia, até o acto administrativo é cada vez mais um acto produtor de efeitos em relação a terceiros.

Em síntese, como devemos entender o preceito constitucional e o conceito de reserva relativa?

Assim, primo, o legislador constituinte pode afastar da jurisdição administrativa certas questões: E designadamente afasta as questões eleitorais (v.g. impugnação de actos administrativos praticados pela Comissão Nacional de Eleições), entregando-as à jurisdição constitucional, as questões de legalidade financeira da Administração Pública, entregando-as ao Tribunal de Contas.

E, secundo, o legislador ordinário, na sequência daquele preceito da lei Fundamental tanto pode, de modo especial e pontual, atribuir a outras ordens de jurisdição a competência para dirimir certos litígios emergentes das relações jurídico administrativas18, como pode atribuir a competência à jurisdição administrativa para resolver questões que não sejam próprias de uma relação jurídica de direito administrativo, maxime questões emergentes de uma relação jurídico-privada da Administração. Assim acontece em matéria contratual e de responsabilidade, onde há alargamento da jurisdição administrativa a tais questões.

Tertio: porque o indirizzo constitucional aponta para que os tribunais administrativos sejam os tribunais comuns em matéria administrativa, o ETAF concretiza esta ideia-regra no art. 1.º do ETAF (cláusula geral de definição) e enumera, de forma exemplificativa e positiva, quais são as matérias da competência dos tribunais administrativos - artigo 4.º, n.º 1 -, sendo que, com a excepção das alíneas b), e), g) e h) (sobre contratos e responsabilidadePage 56 civil extracontratual da Administração, em que há alargamento a contratos privados da Administração e a outros domínios de responsabilidade), todas elas dizem respeito a «litígios emergentes de uma relação jurídico-administrativa». E enumera, também de forma exemplificativa e negativa - artigo 4.º, n.º 2 e n.º 3 - quais as matérias que estão excluídas da jurisdição administrativa, entre as quais se encontram a relativa a contra-ordenações (art. 4.º, n.º 1, l), in fine)19, indemnização por expropriação e requisição por utilidade pública20 e litígios emergentes de contratos individuais de trabalho.

Órgãos permanentes da jurisdição administrativa

Os órgãos permanentes da jurisdição administrativa são: o Supremo Tribunal Administrativo (= STA), o Tribunal Central Administrativo Norte (= TCA-N) e o Tribunal Central Administrativo Sul (= TCA-S) e os Tribunais Administrativos de Círculo (= TAC's), que quando...

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