Acórdão nº 131/18 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução13 de Março de 2018
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 131/2018

Processo n.º 700/2017

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. A. e 117 outros (sendo todos Autores e, neste contexto, Recorrentes) intentaram, na (então designada) 2.ª Secção do Trabalho (Maia) – Instância Central – Tribunal Judicial da Comarca do Porto, uma ação declarativa comum (7802/15.1T8MAI) contra o Centro Hospitalar Médio Ave, E.P.E. (entidade Ré na ação e, no contexto do presente recurso, Recorrida), pedindo: (i) a condenação da Ré no pagamento a cada um dos Autores – todos eles enfermeiros prestando serviço à Ré – de certas quantias a título de retroativos, diferença de retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal; (ii) a fixação do horário de parte dos Autores em trinta e cinco horas semanais, ou, em alternativa, a condenação da Ré no pagamento do valor de cinco horas semanais remanescentes a cada um deles; e (iii) a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de €1.000,00 a cada um dos Autores.

Alegaram os Autores, em síntese, que os respetivos vencimentos deviam ter sido aumentados para o valor de €1.201,48 desde janeiro de 2013, por força do Decreto-Lei n.º 122/2010, de 11 de novembro, decorrente da vontade do legislador em estabelecer um percurso comum de progressão profissional para todos os enfermeiros independentemente do vínculo contratual, o que resulta dos princípios constitucionais da igualdade e paridade retributiva. Mais invocaram que não existe qualquer fundamento válido para, entre enfermeiros com contrato de trabalho, ocorrer um pagamento de salário igual retribuindo trabalho em horários diferentes, entendendo que todos deveriam trabalhar 35 horas semanais. Por fim, alegam que a conduta discriminatória da Ré causou revolta, fazendo os Autores sentirem-se humilhados, vexados e angustiados, danos em que assentou a formulação de um pedido indemnizatório.

1.1. A Ré contestou tal ação afirmando, em suma, que a diferença de regimes contratuais justificaria as diferenças apontadas pelos Autores. O processo prosseguiu os seus termos no tribunal de primeira instância, aí culminando com a prolação de sentença, datada de 21/06/2016, na qual se decidiu julgar a ação parcialmente procedente e: (i) condenar a Ré no pagamento a cada um dos Autores das quantias por estes pedidas a título de retroativos, diferença de retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal; (ii) fixar em trinta e cinco horas semanais o horário dos Autores que o pediram; e (iii) condenar a Ré no pagamento a cada um dos autores a quantia de €750,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.

1.2. A Ré interpôs recurso desta sentença para o Tribunal da Relação do Porto, pugnando pela sua absolvição dos pedidos. Com as alegações, juntou parecer jurídico.

1.2.1. Os Autores contra-alegaram, visando a confirmação da decisão recorrida, referindo, designadamente, o seguinte:

“[…]

Julgamos ser materialmente inconstitucional, por violação do princípio da paridade retributiva, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da CRP, a interpretação dos artigos 1.º, 2.º, 4.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 122/2010, de 11 de novembro, segundo a qual as suas normas apenas se aplicam à carreira especial de enfermagem gizada pelo Decreto-Lei n.º 248/2009, de 22 de setembro.

Encontra-se igualmente ferida de inconstitucionalidade material a norma do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 247/2009, de 22 de setembro, por prever o estabelecimento de um regime remuneratório privativo dos enfermeiros em regime de contrato individual de trabalho tout court.

[…]

[A] atividade legislativa do Governo, ao editar as supracitadas normas do regime da carreira dos enfermeiros do Serviço Nacional de Saúde, está afetada do vício de inconstitucionalidade orgânica, por preterição do regime dos artigos 17.º, 165.º, n.º 1, alínea b), e 198.º, n.º 1, alínea b), da CRP.

[…]

As normas dos artigos 1.º, 2.º, 4.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 122/2010, de 11 de novembro, bem como o preceito do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 247/2009, de 22 de setembro, são material e organicamente inconstitucionais, na interpretação segundo a qual o regime remuneratório contido no primeiro diploma se aplica subjetivamente apenas aos enfermeiros em contrato de trabalho em funções públicas, permitindo-se a introdução de diferenças remuneratórias entre enfermeiros que exerçam funções em instituições do Serviço Nacional de Saúde apenas com base na natureza jurídica da relação de emprego.

[…]” (sublinhado acrescentado).

1.2.2. No Tribunal da Relação do Porto, foi proferido acórdão, datado de 24/04/2017 – trata-se da decisão objeto do presente recurso de constitucionalidade –, julgando procedente o recurso e, consequentemente, revogando a decisão de primeira instância, absolvendo a Ré dos pedidos. Da respetiva fundamentação consta, designadamente, o seguinte (advertindo-se que a longa transcrição que se segue justifica-se pelo modelo de compreensão do problema subjacente ao recurso que o encadeamento expositivo constante da decisão ora recorrida nos fornece):

“[…]

5. – Do mérito da ação

5.1. – A interpretação e aplicação do disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 122/2010, de 11 de setembro, à situação profissional dos autores

Sobre esta mesma questão já se pronunciou esta Secção Social em dois acórdãos proferidos nos processos n.º 496/14.1TTVFR.P1 e n.º 497/14.1TTVFR.P1, ambos no mesmo sentido, e cuja fundamentação acompanharemos de perto.

5.2. – Do reposicionamento remuneratório dos autores/recorrentes

5.2.1. – Estatuto jurídico da Ré

A Ré é uma pessoa coletiva de direito público, com a natureza de entidade pública empresarial, criada pelo Decreto-Lei n.º 27/2009, de 27 de janeiro, e submetida aos estatutos, constantes do anexo II do Decreto-Lei n.º 233/2005, de 29 de dezembro, com as especificidades estatutárias que constam do anexo ao Decreto-Lei n.º 27/2009, bem como ao regime jurídico da gestão hospitalar, aprovado pela Lei n.º 27/2002, de 8 de novembro.

Conforme as disposições conjugadas dos artigos 3.º, n.º 5, e 2.º, n.º 2, da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, que estabeleceu os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas, não é este diploma aplicável às entidades públicas empresariais, com exceção dos trabalhadores que à data da sua publicação tivessem a qualidade de funcionário ou agente. Também a Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), atualmente em vigor, exclui do seu âmbito de aplicação as entidades públicas empresariais.

5.2.2. – Estatuto jurídico dos autores

Como é sabido, a relação jurídica de emprego público é distinta da relação de trabalho de direito privado.

No que concerne ao regime da função pública, ou seja, ao contrato de trabalho em funções públicas, a respetiva carreira especial de enfermagem, enquanto carreira especial da Administração Pública, é regulada pelo Decreto-Lei n.º 248/2009, de 22 de setembro, sendo que tal regime é, essencialmente, caracterizado pela atribuição ao trabalhador de uma situação estatutária e regulamentar, uniformemente aplicável a todos os que pertençam a um mesmo grupo de pessoal e integrem a mesma categoria.

Na sequência do disposto nos artigos 14.º e 15.º desse diploma, segundo os quais os níveis remuneratórios correspondentes às posições remuneratórias das categorias que integram a carreira especial de enfermagem no sector público – enfermeiro e enfermeiro principal – são identificados por diploma próprio, o Decreto-Lei n.º 122/2010, de 11 de setembro, em conformidade com os princípios e regras consagrados na Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, veio estabelecer, por categoria, o número de posições remuneratórias da carreira especial de enfermagem, bem como identificar os correspondentes níveis salariais.

Por seu lado, o Decreto-Lei n.º 247/2009, de 22 de setembro, estabeleceu o regime legal da carreira aplicável aos enfermeiros vinculados em regime de contrato individual de trabalho, nos termos do Código do Trabalho, nas entidades públicas empresariais e nas parcerias em saúde, em regime de gestão e financiamento privados, integradas no Serviço Nacional de Saúde, bem como os respetivos requisitos de habilitação profissional e percurso de progressão profissional e de diferenciação técnica.

No que reporta aos autores, é pacífico, nos presentes autos, que todos se encontram submetidos ao regime do contrato de trabalho, não se mostrando qualquer deles vinculado à ré através de um contrato de trabalho em funções públicas.

Diga-se, aliás, em abono da verdade, que é nos contratos de trabalho, que todos celebraram com a ré, que fundamentam a pretensão que formulam na apelação de reposicionamento remuneratório e que corresponde aos pedidos formulados na petição inicial, de que se reconheça que têm direito ‘ao reposicionamento remuneratório, previsto no n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 122/2010, de 11 de novembro, por via da indexação dos seus contratos de trabalho aos dos enfermeiros integrados no Sistema Nacional de Saúde’ e de ser a ré condenada a pagar aos autores a ‘diferença remuneratória correspondente a pelo menos €181,42 mensais (€1.201,48-€1.020,06), desde 1 de Janeiro de 2013 até à presente data’.

Para tal, os autores alegam que os contratos de trabalho celebrados com a ré remetem, no que respeita à retribuição e progressão na carreira, para o regime aplicável aos enfermeiros com contrato de trabalho com funções públicas integrados no Serviço Nacional de Saúde, regime previsto no Decreto-Lei n.º 122/2010, de 11 de novembro.

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