Acórdão nº 444/22 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Assunção Raimundo
Data da Resolução09 de Junho de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 444/2022

Processo n.º 1133/21

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Assunção Raimundo

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, A., inconformada com a decisão de primeira instância que absolveu o Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, E.P.E., ora recorrido, no âmbito de ação emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, por si intentada, destinada a obter o pagamento do valor de € 16.288,84, a título de diferenciais remuneratórios vencidos entre 01/01/2013 e 06/03/2019, acrescidos de juros de mora ou, em caso de improceder aquele pedido, do valor de € 8.067,08, a título de diferenciais remuneratórios vencidos entre 01/12/2015 e 06/03/2019, acrescidos de juros de mora, dela interpôs recurso de apelação, que foi julgada improcedente por acórdão daquele Tribunal, datado de 29 de setembro de 2021.

2. Notificada do teor desse acórdão, vem deduzir recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, doravante «LTC»), indicando ter por objeto a norma «do art.º 13.º do Decreto-Lei n.º 247/2009, de 22 de setembro, na interpretação e aplicação que dela foi feita», por «violar o princípio da igualdade, tal como consagrado no art.º 13.º, e com refração no art.º 59.º, n.º 1, a), da Constituição.» (cf. fls. 180-181).

3. Admitido o recurso no tribunal a quo (cf. fls. 182), foi proferido despacho, ao abrigo do artigo 75.º-A, n.º 6, da LTC, convidando a recorrente a enunciar, de modo preciso, a dimensão normativa reportada à norma sindicada que pretende submeter a apreciação deste Tribunal, por forma a concretizar o objeto (material) do recurso de constitucionalidade (cf. fls. 187).

4. Em resposta ao convite ao aperfeiçoamento, veio a recorrente dizer o seguinte (cf. fls. 189):

«1-Oobjeto do presente recurso é a inconstitucionalidade material do artº 13º do Decreto - Lei nº 247/2009, de 22 de setembro, por colisão direta com o princípio fundamental da igualdade (estabelecido em geral no artº 13º da CRP) e reafirmado, no que respeita aos direitos dos trabalhadores, no artº 59º, nº 1, a), da CRP (princípio de que para trabalho igual salário igual), enquanto aquela norma foi interpretada e aplicada como legitimando um regime menos favorável em matéria retributiva dos trabalhadores enfermeiros das entidades públicas empresariais do sector da saúde relativamente aos trabalhadores enfermeiros das outras pessoas coletivas publicas igualmente integradas na rede de prestação de cuidados de saúde do Serviço Nacional de Saúde.

2 - A inconstitucionalidade material do artº 13º do Decreto-Lei nº 247/2009, de 22 de setembro, foi substanciada nas alegações do recurso jurisdicional para o Tribunal da Relação de Lisboa (nºs 1 a 18 das alegações) e levada às conclusões (nºs 2, 2.1, 2.2, 2.3 e 2.4 das conclusões).

3- O douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que está na base do presente recurso de constitucionalidade, indicou claramente como questão que importava solucionar: "A interpretação perfilhada pela sentença recorrida do artº 13º do Decreto-Lei nº 247/2009, de 22 de setembro é inconstitucional? "

4 - E fecha o seu discurso jurídico fundamentador:

“Atentas as especificidades do estatuto jurídico dos enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas em contraposição com o estatuto dos enfermeiros com contrato individual de trabalho, entendemos que o artº 13º do D.L. nº 274/2009 não está ferido de inconstitucionalidade.

Em síntese: Não ocorreu violação do princípio da igualdade, designadamente em matéria salarial, porque, não obstante a tendência para a harmonização de ambos os regimes, estamos perante situações diversas e com origem diversa”.

5 - Sendo assim, e com todo o respeito, resulta claro que no recurso jurisdicional a questão da inconstitucionalidade material do artº 13º do Decreto-Lei nº 247/2009, de 22 de setembro, foi suscitada perante o Tribunal da Relação de Lisboa de modo processualmente adequado e foi expressamente conhecida no douto acórdão recorrido. [...]».

5. Nessa sequência, foi a recorrente notificada apresentar alegações, o que fez formulando as seguintes conclusões (cf. fls. 195-211):

«[…]

1- O acórdão recorrido não tem o respaldo do acórdão do Tribunal Constitucional nº 133/2018, de 13 de Março: este expressa, em termos claros e não cumulativos, os motivos determinantes do insucesso dos ali Recorrentes e no caso dos autos verifica-se o preenchimento positivo do exigido no citado acórdão nº 133/2018, de 13 de Março, para o sucesso da pretensão.

2- Por um lado: está provado que a ora Recorrente, no exercício da sua atividade profissional de enfermeira prestava trabalho de igual qualidade, natureza e quantidade aos dos seus pares vinculados em regime de contrato de trabalho em funções públicas.

2.1- A prova, firmada na sentença da 1a instância e acolhida no acórdão recorrido, assenta em “acordo das partes sendo, por isso, particularmente significativa e relevante a postura do ora Recorrido.

2.2- O princípio da igualdade, consagrado no artº 13º, com refração no artº 59º, nº 1, a), da Constituição, não necessita, para a sua aplicação, de mediação legislativa concretizadora - e, por isso, é aplicável sem lei, contra a lei ou contra determinada interpretação da lei.

2.3 - Assim, na interpretação e aplicação que dele foi feita, o artº 13º do Decreto-Lei nº 247/2009, de 22 de setembro, é materialmente inconstitucional.

3- Por outro lado: a prova fixada nos autos, e atenta a qualificação e a vinculação legal do ora recorrido na gestão da pessoa coletiva pública integrada na rede de prestação de cuidados de saúde do Serviço Nacional de Saúde, mostra que a atividade profissional de enfermeiro do aqui Recorrente é materialmente igual à dos enfermeiros em regime de contrato de trabalho em funções públicas, ou seja, o regime de contratação não tem qualquer interferência na atividade profissional prestada.

4- Acresce que: compaginando o Decreto-Lei nº 247/2009, de 22 de Setembro, com o Decreto-Lei nº 248/2009, de 22 de Setembro (seja na versão originária seja na resultante do Decreto-Lei nº 71/2019, de 27 de Maio), apura-se que os dois são substancialmente iguais ou idênticos quanto: a) à estruturação categorial nas carreiras; b) à natureza do nível habilitacional, à qualificação de enfermagem e à utilização do título; c) às condições de admissão; d) às áreas de exercício profissional; e) aos deveres funcionais; f) ao reconhecimento do titulo e de categorias.

4.1- O que, com todo o respeito, mostra que na pessoa coletiva pública integrada na rede de prestação de cuidados de saúde do Serviço Nacional de Saúde a dualidade de regimes laborais adotada pelo legislador não assenta em fundamentos razoáveis, percetíveis ou inteligíveis, não se descortinando qualquer fim constitucional que o legislador queira prosseguir com a diferença de regimes laborais que instituiu.

4.2- No regime da carreira especial de enfermagem a data marcante do reposicionamento, na modalidade de ajustamento remuneratório, é 1 de Janeiro de 2013 [artº 5º, nº 2, c), do Decreto-Lei nº 122/2010, de 11 de Novembro] sendo, por isso, o convocável para o caso dos autos.

4.3- Acontece que a partir precisamente de 1 de Janeiro de 2013 foram tamponados os níveis retributivos, incluindo os suplementos remuneratórios, dos trabalhadores com contrato de trabalho no âmbito dos estabelecimentos ou serviços do SNS com a natureza de entidade pública empresarial ("não podem ser superiores aos dos correspondentes trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas ") e a tabela do artº 2, nº 1, do Decreto-Lei nº 62/79, de 30 de Março, foi igualizada na sua aplicação a todos os profissionais de saúde no âmbito do SNS, independentemente da natureza jurídica da relação de emprego [Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, artºs 72º e 74º]. O que,

4.4- Foi sucessivamente mantido nas Leis do Orçamento [v.s., Lei nº 83-C/2013, artºs 70º e 72º, da Lei nº 82-B/2014, de 31 de Dezembro, artºs 71º e 73º, da Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março, artº 54º, Lei nº 75-B/2020, de 31 de Dezembro, artº 48º].

4.5- Assim, o instrumento de regulamentação coletiva de trabalho previsto no artº 13º de Decreto-Lei nº 247/2009, de 22 de Setembro, ficou circunscrito às posições remuneratórias e às remunerações, imperativamente tamponadas nos termos mostrados. O que,

4.6- Mostra bem que a dualidade de regimes laborais foi criada e mantida artificialmente pelo legislador, pois as situações não são objetivamente desiguais, e, por isso, a desigualdade não é imposta pela diversidade das circunstâncias ou pela natureza das coisas.

4.7- Nos estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde, na "figura" ou "modelo organizativo, de entidade pública empresarial o contrato de trabalho é distinto do contrato individual de trabalho de regime comum, seja quanto à formação seja quanto ao regime substantivo (como substanciado na parte estritamente alegatória).

4.8- As entidades públicas empresariais do sector da saúde (como é o caso do Recorrido) estão integradas na rede de prestação de cuidados de saúde do Serviço Nacional de Saúde, o qual é garantia institucional de realização do direito à proteção da saúde - e, por isso, os trabalhadores ao seu serviço no regime de contrato de trabalho desempenham uma função instrumental em relação aos fins que aquelas prosseguem.

4.9- Assim, os trabalhadores das entidades públicas empresariais do sector da saúde, em regime de contrato de trabalho distinto do contrato individual de trabalho do regime comum, estão incluídos no âmbito normativo do artº 269º...

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