Acórdão nº 7848/20.8T8LSB.L1-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 27 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelALBERTINA PEREIRA
Data da Resolução27 de Abril de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa 1. Relatório 1. 1. AAA, BBB,CCC,DDD, EEE, FFF, GGG, HHH, III, JJJ, KKK, e LLL, intentaram a presente ação declarativa de condenação emergente de contrato de trabalho, com processo comum, contra XXX pedindo ao tribunal que julgue procedente a ação, reconhecendo a existência de violação pela Ré do princípio da igualdade, nos termos elencados, no que se refere à natureza quantitativa do trabalho realizado pelos Autores comparativamente aos enfermeiros em RCTFP, condenando-se a Ré a pagar a todos os Autores as diferenças salarias verificadas e as horas trabalhadas a mais (5 horas por semana) no período compreendido até julho de 2018.

Regularmente citada a Ré, e após ter sido realizada audiência de partes, sem conciliação, contestou aquela, pugnando pela sua absolvição.

Proferida sentença, nela se finalizou com o seguinte dispositivo: “Face ao exposto, julgo a ação improcedente e, em consequência, absolvo o Réu dos pedidos”.

1.2.

Inconformados com esta decisão dela recorrem os Autores, formulando as seguintes conclusões: (…) 1.3.

A Ré contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida e não provimento do recurso.

1.4.

A Recorrida contra-alegou, com vista ao não provimentos do recurso e manutenção da sentença.

1.5.

Foi ordenada vista, tendo a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitido parecer no sentido da confirmação do decidido.

1.6.

Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.

Cumpre apreciar e decidir 2. Objeto do recurso O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1, 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado.

Assim, a questão que se coloca à apreciação deste tribunal consiste em aquilatar se ocorre violação do princípio “de trabalho igual salário igual”, o que passa por apurar se ocorre discriminação salarial dos Autores - enquanto enfermeiros a prestar trabalho para a Ré mediante contratos individuais de trabalho -, relativamente aos seus colegas enfermeiros a exercer funções na Ré ao abrigo de contratos de trabalho em funções públicas que auferem retribuição superior, tendo os mesmos Autores direito às correspondentes diferenças salariais.

3. Fundamentação de facto Encontram-se provados os seguintes factos: 1. O Enfermeiro AAA, ora A., prestou serviço para a XXX., ora R., desde 6 de Agosto de 2006 até 04 de Maio de 2019.

2. O A. cessou funções, naquele XXX, no dia 05 de Maio de 2019. 3. Os ora AA. têm a categoria de Enfermeiros, e na presente data, desempenham funções no XXX., com exceção do A., AAA.

4. Os AA. celebraram com a R., Contrato Individual de Trabalho (CIT), a termo certo, no âmbito do qual se determina 40 horas de trabalho semanal, que ao fim de um ano passou a tempo indeterminado, mantendo-se assim até à presente data.

5. Os contratos de trabalho tiveram o seu com início, respetivamente, nas seguintes datas: - BBB, em 02 de Setembro de 2009; - CCC, em 14 de Março de 2011; - DDD, em 09 de Setembro de 2009; - EEE, em 02 de Novembro de 2006; - FFF, em 21 de Setembro de 2009; - GGG, em 16 de Agosto de 2006; - HHH, em 27 de Março de 2006; - III, em 11 de Maio 2009; - JJJ, em 18 de Junho de 2007; - KKK, em 02 de Junho 2008; - LLL, em 08 de Janeiro de 2007. 5. Os AA. desempenham as funções de Enfermeiro, sob a autoridade e direcção da R. 6. O local de trabalho dos AA. é nas instalações do XXX., na … em Lisboa. 7. Os AA. em Janeiro de 2013, auferiam, de remuneração base, a quantia de 1.165,79€. 8. Em Outubro de 2015, os AA passaram a auferir, de remuneração base, a quantia de 1.201,48€. 9. Não obstante, a Entidade Patronal, ora R., não alterou os contratos individuais de Trabalho dos trabalhadores, dos AA., das 40 horas semanais para 35 horas semanais. 10. Situação que se manteve até Julho de 2018. 11. Ao longos dos anos, a R. celebrou contratos de trabalho com tipologias diferentes, por exemplo: - C.I.T (contrato individual de trabalho) – 40horas; - C.I.T (contrato individual de trabalho) – 35horas; - C.T.F.P (Contrato de Trabalho em Funções Públicas) - 35 horas. 12. O R. é uma pessoa coletiva de direito público, com natureza de entidade pública empresarial, criada pelo D.L. n.º 27/2009, de 27 de Janeiro e submetida aos estatutos, constantes do Anexo II do D.L. n.º 233/2005, de 29 de Dezembro. 13. Enquanto E.P.E, o R. tem enfermeiros que laboram em regime de contrato individual de trabalho (CIT) e enfermeiros a laborar em regime de contrato de trabalho em funções públicas (RCTFP).

14. Em 01 de Janeiro de 2013 houve lugar a um reposicionamento remuneratório dos enfermeiros que culminou com a colocação dos enfermeiros em RCTFP anteriormente posicionados nos escalões 1 e 2 da categoria de enfermeiro na primeira posição remuneratória da nova categoria, que, correspondendo ao nível 15 da tabela remuneratória única, se traduz numa remuneração de 1.201,48 €.

15. Durante o período de 01/10/2013 a 30/06/2016 todos os Enfermeiros, quer em regime de CTFP, quer em regime de CIT, estiveram a laborar num horário de 40 horas semanais por imperativos legais derivados à conjuntura económica vivida.

16. Em 01/07/2016 todos os enfermeiros em RCTFP passaram a laborar num horário de 35 horas semanais, no entanto, os enfermeiros a laborar em Regime de CIT apenas em 01/07/2018 passaram a laborar a 35 horas semanais.

4. Fundamentação de Direito Da violação do princípio de trabalho igual salário igual 4.1. Pretendem os Autores, que se encontram vinculados à Ré mediante contrato individual de trabalho, ocorrer violação do princípio de trabalho igual salário igual em virtude dos seus colegas a exercer (idênticas) funções a coberto de contrato de trabalho em funções públicas auferirem retribuição superior.

A sentença recorrida, estribando-se na diferente natureza dos vínculos de uns e de outros trabalhadores, concluiu pela não violação do indicado princípio de trabalho igual salário igual.

Analisemos 4.2.

O princípio da igualdade está consagrado no art.º 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), constituindo a sua razão de ser a dignidade da pessoa humana.

Aí se estabelece que: “1.

Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.

2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”.

4.3. Por seu turno, o art.º 59.º do nosso diploma fundamental consagra um conjunto de direitos fundamentais dos trabalhadores, classificados como direitos económicos, sociais e culturais, assumindo alguns deles natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias. Assim sucede com o direito à retribuição dos trabalhadores previsto no n.º 1, que é por isso diretamente aplicável nas relações entre privados (art.º 18.º, da CRP).

O dito princípio de “trabalho igual salário igual “está ancorado no princípio, mais amplo, da igualdade, consignado no art.º 13.º da mesma Constituição e, dada a sua natureza, não obstante a respetiva inserção no Título III, postula não só uma natureza negativa (no sentido de proibição da respetiva violação), como ainda uma aplicabilidade direta em moldes similares aos direitos, liberdades e garantias incluídos nos Títulos I e II da sua Parte I, impondo-se a sua aplicação e vinculatividade às entidades públicas e privadas, como comanda o n.º 1 do art.º 18.º” (Vd.

Ac. do STJ de 21-10-2009, proc. 838/05.2TTCBR.C1.S1, www.dgsi.pt).

Determina o referido art.º 59.º, n.º 1, o seguinte: “1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito: À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna; (…)”.

4.4. A propósito deste normativo referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Vol. I, Coimbra Editora 2007, pág. 770, que o mesmo “estabelece os princípios fundamentais a que deve obedecer o direito a uma justa retribuição do trabalho: (a) ela deve ser conforme à quantidade de trabalho (i. é, à sua duração e intensidade), à natureza do trabalho (i. é, tendo em conta a sua dificuldade, penosidade ou perigosidade) e à qualidade do trabalho (i. é, de acordo com as exigências em conhecimentos, prática e capacidade); (b) a trabalho igual em quantidade, natureza e qualidade deve corresponder salário igual, proibindo-se, desde logo, as discriminações entre trabalhadores; (c) a retribuição deve garantir uma existência condigna, ou seja, deve assegurar não apenas o mínimo vital; mas, também condições de vida, individuais e familiares, compatíveis com o nível de vida exigível em cada etapa do desenvolvimento económico e social (…).” Realçam ainda os referidos autores que “a igualdade de retribuição como determinante constitucional positiva (e não apenas como princípio negativo de proibição de discriminação) impõe a existência de critérios objetivos para a descrição de tarefas e avaliação de funções necessárias à caracterização de trabalho igual (trabalho prestado à mesma entidade quando são iguais ou de natureza objetivamente igual as tarefas desempenhadas) e trabalho de valor igual (trabalho com diversidade de natureza das tarefas, mas equivalentes de acordo com os critérios objetivos fixados)”.

4.5. Segundo Monteiro Fernandes, in “Direito do Trabalho”, Almedina, 16.ª Edição, pág. 387, consagra-se no referido dispositivo constitucional, para além do princípio da suficiência da retribuição, o da “equidade” da retribuição, por via do qual não pode por nenhuma das vias possíveis (contrato individual...

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