Acórdão nº 364/14.9TAPDL.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelMAIA COSTA
Data da Resolução29 de Maio de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório Por sentença de 5.12.2017 do Juízo Local Criminal de ..., da Comarca dos ..., foram os arguidos AA e BB absolvidos de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 204, nº 1, a), do Código Penal e de um crime de dano, p. e p. pelo art. 212º, nº 1, do mesmo diploma, e do pedido de indemnização civil formulado pelo assistente Clube Naval de ....

Dessa sentença recorreu o assistente para o Tribunal da Relação de Lisboa, pedindo a revogação da decisão e a condenação dos arguidos pelos crimes mencionados e no pedido cível.

Por acórdão de 17.5.2018, a Relação, invocando a faculdade concedida pelo art. 425º, nº 5, do Código de Processo Penal (CPP)[1], aderiu à fundamentação da sentença recorrida e assim negou provimento ao recurso.

Veio então o assistente arguir a nulidade do acórdão, por violação do disposto no ar. 379º, nº 1, a) e c), do CPP (requerimento de fls. 648-653).

A Relação, por acórdão de 29.11.2018, indeferiu a arguição de nulidade, por manifesta falta de fundamento, e condenou o assistente, ao abrigo dos arts. 521º do CPP, 531º do Código de Processo Civil (CPC), e 10º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), na taxa sancionatória excecional de 8 UC.

Deste acórdão recorreu o assistente para o Supremo Tribunal de Justiça, alegando: I. DO OBJECTO DO RECURSO: O ora Recorrente interpôs recurso da douta Sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância a 17/01/2018, impugnando a decisão proferida sobre a matéria de facto.

Em Acórdão elaborado a 18 de Maio de 2018 os Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa negaram provimento ao recurso, remetendo para os fundamentos da decisão proferida em Primeira Instância, aplicando o artigo 425.°, n.°5 do CPP, decisão relativamente à qual o ora Recorrente apresentou reclamação, arguindo a nulidade daquele Acórdão.

Sucede que, o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 29/11/2018, e de que ora se recorre, decidiu: a) Indeferir a arguição de nulidade por manifesta falta de fundamento; e, adicionalmente, b) Condenar o Recorrente no pagamento de uma taxa sancionatória excepcional de 8 (oito) unidades de conta, ao abrigo do disposto nos artigos 531.° do Código de Processo Civil (CPC) ex vi 521.° do Código de Processo Penal (CPP) e artigo 10.° do Regulamento das Custas Processuais; Termos em que o presente Recurso tem por objecto a aplicação da taxa sancionatória excepcional ao ora Recorrente, salvaguardando-se no disposto no artigo 27.° n.° 6 do Regulamento das Custas Processuais, disposição especial que prevê que cabe sempre recurso de decisões que apliquem multas, penalidades e taxas sancionatórias excepcionais.

Assim sendo: II. DA MOTIVAÇÃO DO RECURSO: Salvo o devido respeito, que é muito, não pode o Recorrente concordar com a aplicação da taxa sancionatória excepcional pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, assente na manifesta falta de fundamento da reclamação apresentada.

Os pressupostos para a aplicação da taxa sancionatória excepcional não se verificam no presente caso, mais precisamente: a) a sua aplicação deve ser feita em casos excepcionais; b) falta o requisito da manifesta improcedência da reclamação apresentada; e, sobretudo, c) não se demonstrou que o Recorrente não tivesse actuado com a prudência ou diligência devidas, razão pela qual deve ser revogado o excerto do Acórdão que condenou o Recorrente no pagamento desta taxa.

Vejamos: III. DA FUNDAMENTAÇÃO: O Venerando Tribunal da Relação considerou que a nulidade arguida em sede de reclamação pelo Recorrente era manifestamente infundada, condenando-o por isso no pagamento de oito unidades de conta.

Ora, dispõe o artigo 531.° do CPC (ex vi artigo 521.° do CPP) que "por decisão fundamentada do juiz, pode ser excepcionalmente aplicada uma taxa sancionatória quando a ação, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida".

O que pressupõe dois requisitos cumulativos e uma verificação excepcional.

Vejamos que este normativo visa a necessidade de sancionar o mau cumprimento do dever de cooperação e diligência das partes, penalizando um uso indevido e reprovável do processo com expedientes meramente dilatórios, inúteis e até, sem qualquer fundamento, o que não sucede no presente caso.

No recurso que interpôs, o Recorrente suscitou várias questões, visando a reapreciação da prova produzida e fê-lo de forma sustentada, argumentando que: a) O Tribunal de Primeira Instância laborou em erro na apreciação da prova por haver factos que se encontravam devidamente comprovados e que consubstanciavam a prática do crime de furto qualificado, pelo que os arguidos deveriam ter sido condenados; b) Não deveria ter sido aplicado o princípio in dúbio pro reo, atenta a solidez da prova produzida; c) As declarações dos arguidos foram repetidamente desmentidas em sede de Audiência de Discussão e Julgamento pelos depoimentos das testemunhas que foram qualificados, na sua generalidade, como isentos pelo Tribunal a quo; e ainda que, d) A inexistência de um inventário não inviabilizava a prova da acusação, considerando o depoimento das testemunhas.

Consequentemente, o Recorrente expôs detalhada e minuciosamente os mais proeminentes depoimentos testemunhais ocorridos ao longo da Audiência de Julgamento.

Assim, com a interposição daquele Recurso o Recorrente pretendia afectar parte substancial da Decisão de Primeira Instância quanto à matéria de facto, pedindo ao Tribunal da Relação que reapreciasse os depoimentos testemunhais e demais prova produzida, o que ia muito além da existência/inexistência de inventário, sendo que a ocorrência ou não do crime de dano nada tem que ver com o inventário, resultando antes a prova da sua consumação dos outros meios probatórios.

Neste sentido, veio o Recorrente reclamar apenas da utilização do expediente vertido no artigo 425.° n.° 5 do CPP, por se afigurar que o Venerando Tribunal apoiou exclusivamente a sua fundamentação na inexistência de um inventário, citando a resposta apresentada pelo Ministério Público.

Ou seja, não resulta do Acórdão reclamado e da sua fundamentação as razões que determinaram o Venerando Tribunal da Relação a não considerar credíveis os depoimentos transcritos pelo Recorrente ou, por exemplo, o motivo pelo qual também não se convenceu da consumação do crime de dano imputável aos arguidos.

Por isso é que o Recorrente argumentou, sem nunca pretender faltar ao respeito do Venerando Tribunal, que este havia omitido o dever de se pronunciar sobre todas as questões alegadas em sede de Recurso, até porque - a título de exemplo - não fez qualquer referência às conclusões formuladas pelo Recorrente, que rebatem a motivação apresentada na Sentença e carecem, por isso, de um novo juízo, distinto ou pelo menos mais vasto que o primeiro, que justifique, no âmbito do dever de fundamentação, porque é que uma das teses deve prevalecer sobre a outra, no confronto entre a Sentença e o Recurso interposto.

Por força destas circunstâncias é que o Recorrente arguiu (fundamentando) a referida nulidade, não obstante o disposto no artigo 425.°, n.°5 do CPP.

Razão pela qual não se pode concordar com o Venerando Tribunal da Relação quando aplicou um instituto que é de natureza sancionatória, como ainda excepcional, sendo certo que, por a reclamação apresentada ser manifestamente infundada - segundo o juízo do Venerando Tribunal - a consequência foi a do seu indeferimento, sendo excessiva/indevida a aplicação da referida sanção.

A pretensão deduzida pelo Recorrente era legal, foi tempestiva, fundamentada e observou todos os formalismos legais.

Assim, o fim do Recorrente sempre foi o de conseguir um objetivo legítimo, mais concretamente, o da apreciação da totalidade do objecto do recurso interposto, só desta forma beneficiando do duplo grau de jurisdição previsto na lei processual, bem como do direito a recorrer aos Tribunais para aceder à Justiça, conforme artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa.

A aplicação da taxa sancionatória excepcional parte de uma conceção do processo que, sem exceder os limites do razoável, nem permitir que se faça dele o que bem se...

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