Acórdão nº 5/12.9ACPRT-B.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 16 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA MARGARIDA BACELAR
Data da Resolução16 de Dezembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACÓRDÃO Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: No Processo n.º 5/12.9ACPRT.E1 do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal Juízo Local Criminal de Santiago do Cacém - Juiz 2, o Recorrente (...), por não se conformar com o despacho de 05-04-2021, dele interpôs o presente recurso, extraindo da concernente motivação as seguintes conclusões: « § 1. O presente recurso tem por objecto o despacho proferido pelo Tribunal a quo em 05.04.2021, com a ref. CITIUS n.º 92163003, que rejeitou liminarmente apreciar o requerimento apresentado pelo Arguido ora Recorrente em 15.09.2020, com a ref. CITIUS n.º 36472282, e o condenou numa taxa sancionatória especial de 12 (doze) unidades de conta.

Admissibilidade de conhecimento e valoração de factos supervenientes em processo penal (antes do trânsito em julgado) § 2. É incorrecto o entendimento do Tribunal a quo no sentido de que o requeri-mento apresentado pelo Arguido ora Recorrente em 15.09.2020, com a ref. CITIUS n.º 36472282, deveria ser indeferido por falta de cabimento legal.

§ 3. Foram conhecidos factos novos e supervenientes tanto quanto à decisão final condenatória, quanto à decisão proferida por este Tribunal —, portanto, enquanto o processo estava pendente no Tribunal Constitucional —, e tais factos deveriam e devem ser apreciados pelo Tribunal de 1.ª instância.

§ 4. Tais factos poderiam, no limite, servir de fundamento para a interposição de recurso de revisão, nos termos e para os efeitos do artigo 449.º, n.º 1, alínea d), do CPP, por serem factos susceptíveis de gerar graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

§ 5. Causando estes factos novos dúvidas sérias sobre a justiça da condenação, a pena concreta aplicada ao Arguido, tornou-se, por via desses novos factos, grosseiramente desproporcional.

§ 6. Se são passíveis de conhecimento factos novos depois do trânsito em julgado de uma decisão, então, utilizando um argumento de identidade (ou até de maioria) de razão, tem de ser facultada ao Arguido a possibilidade de esses mesmos factos serem conhecidos antes do seu trânsito em julgado e deles extraídas todas as competentes consequências legais (possibilidade aliás reconhecida no parecer de 05.11.2019 apresentado junto deste Tribunal e que subjaz ao espírito do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 124/2013).

§ 7. A circunstância de inexistir norma expressa habilitante para requerimento apresentado pelo Arguido ora Recorrente em 15.09.2020, com a ref. CITIUS n.º 36472282, não contraria, per se, aquela possibilidade, sendo aliás possível convocar lugares paralelos que a caucionam e impõem, como seja o caso do já referido recurso de revisão ou da possibilidade de reabertura da audiência para determinação da sanção, na renovação da prova.

§ 8. Em qualquer caso, as normas resultantes dos artigos 61.º, n.º 1, alínea j), 428.º e 431.º, n.º 1, do CPP, e ainda artigos 412.º, n.º 2, e 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 4.º do CPP, se interpretadas e aplicadas no sentido de não ser admissível a alegação pelo arguido nem o conhecimento pelo tribunal competente de factos supervenientes potencialmente relevantes para a boa decisão da causa, produzidos e conhecidos apenas depois da condenação, mas sem esta ter ainda transitado em julgado, são, nessa interpretação, materialmente inconstitucionais, por violação, designadamente, dos artigos 18.º, n.º 2, 20.º, 32.º, n.º 1, e 52.º da Constituição.

Relevância e impacto dos factos supervenientes alegados § 9. O Recorrente, em devido tempo, trouxe ao conhecimento deste Tribunal da Relação a possibilidade de vir a ser expulso da Ordem dos Despachantes Oficiais e o projecto de decisão da Autoridade Tributária e Aduaneira em que concretamente se propunha a suspensão da autorização de garantia global de trânsito (autorização n.º ATGG2009PT004909) e, naturalmente, os efeitos nefastos que esses factos teriam na sua esfera jurídica, tendo este Tribunal entendido que não poderia relevá-los uma vez que se tratavam então de uma mera possibilidade e não de factos materializados.

§ 10. Através do requerimento sobre o qual incidiu a decisão recorrida, datado de 15.09.2020 e com a ref. CITIUS n.º 36472282, o Arguido ora Recorrente levou ao conhecimento do Tribunal de 1.ª instância que foi efectivamente suspensa a autorização de garantia global de que gozava a Sociedade de que o Arguido era sócio-gerente. Trata-se de um facto novo, já concreto e perfeitamente materializado.

§ 11. Nessa medida, e utilizando como bitola o entendimento deste mesmo Tribu-nal da Relação em momento anterior, estando perante um facto estabilizado na ordem jurídica, então esse mesmo facto poderia (e deveria) ser relevado judicialmente no contexto dos presentes autos, para mais tendo tal facto consequências negativas muito substanciais para a referida Sociedade — que vê a possibilidade de actuar no mercado significativamente limitada — e que se projectam, naturalmente, na pessoa do Arguido, ora Recorrente, que em virtude da apontada circunstância se viu forçado a renunciar ao cargo de gerente da Sociedade (o que ainda assim não foi suficiente para que a decisão fosse revertida pela Autoridade Tributária e Aduaneira).

§ 12. As consequências advenientes do referido facto configuram-se, pois, como uma verdadeira sanção, projectando a sua danosidade desde logo na esfera profissional do Arguido, tratando-se de uma sanção com conexão evidente com os presentes autos e com o que neles se foi decidindo.

§ 13. A aplicação dessa sanção em sentido material deverá, pois, ser relevada para efeitos da sanção penal nesta sede aplicada, uma vez que também ela penaliza o Arguido com uma sanção, conquanto de natureza não penal.

§ 14. O Tribunal de 1.ª instância aplicou uma pena superior àquela que seria ex-pectável foram pretensas razões de prevenção geral e especial e de um grau de culpa pretensamente situado num ponto superior ao médio, atendendo à sua maior responsabilidade social tendo em conta a sua inserção profissional.

Independentemente da correcção da decisão nesse ponto, e da propriedade com que foram ou não convocados os critérios aplicáveis, a superveniência do facto acima descrito torna pena (ainda mais) ostensivamente desproporcional.

§ 15. Nesta conformidade, as consequências extracriminais, óbvia e severamente penalizantes para a vida pessoal e profissional do Arguido, não poderão ser desconsideradas no momento de determinação da medida concreta da pena, sob pena de se permitir que o Arguido seja sancionado muito para além do seu grau de culpa e das exigências de prevenção geral e especial, globalmente consideradas no momento mais próximo ⸺ como deve sempre suceder ⸺ da efectivação da sanção.

§ 16. Feita essa ponderação cabal e actualizada, a pena de prisão aplicada ao Ar-guido ora Recorrente, mesmo que suspensa na sua execução, deve ser substituída por pena de multa, por inexistirem, à luz desse quadro factual completo e actualizado, razões preventivas especiais atendíveis (ou quaisquer outras) que justifiquem a aplicação de uma pena de três anos de prisão tendo por base uma moldura penal que vai de um a cinco anos, sobretudo em face das consequências resultantes do facto superveniente acima descrito.

Quanto à aplicação de taxa sancionatória especial aplicada § 17. Foi aplicada ao Recorrente uma taxa sancionatória excepcional fixada no va-lor de 12 (doze) unidades de conta com fundamento na apresentação do requerimento objecto da decisão sob recurso, datado de 15.09.2020 e com a ref. CITIUS n.º 36472282.

§ 18. O Arguido ora Recorrente não foi ouvido pelo Tribunal a quo antes da apli-cação da taxa sancionatória especial que é parte integrante do despacho recorrido.

§ 19. A norma contida no artigo 531.º do CPC e, bem assim, a norma contida no artigo 521.º do CPP, na interpretação segundo a qual a decisão que condene uma parte em taxa sancionatória excepcional não tem de ser precedida da audição da parte interessada, é, nessa interpretação, materialmente inconstitucional por violação, entre o mais, do princípio ínsito ao artigo 20.º, n.º 4, da Constituição.

§ 20. Além da invocada inconstitucionalidade, a falta de audição prévia do Ar-guido ora Recorrente configura nulidade processual, nos termos do artigo 195.º do CPC (aplicável ex vi artigo 4.º do CPP), devendo ordenar-se a remessa dos autos ao Tribunal a quo para que possa ser dado cumprimento ao disposto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC (apenas se este Tribunal da Relação entender não ter — como se crê que tem — bases suficientes para revogar de imediato a decisão recorrida nesse segmento).

§ 21. Além de não ter sido dada a possibilidade de o Recorrente exercer o contra-ditório, e de a decisão ser nula por essa razão, não estão reunidos os pressupostos para a aplicação de uma taxa sancionatória excepcional.

§ 22. Não basta a mera contradição com um acórdão previamente proferido — como aquele que foi invocado na decisão recorrida — para justificar, per se, a aplicação de uma taxa sancionatória excepcional, sendo necessária a contradição com jurisprudência constante e reiterada.

§ 23. É jurisprudência dos Tribunais superiores, inclusivamente do Supremo Tri-bunal de Justiça, que a aplicação da taxa sancionatória excepcional no âmbito processual penal ter de ser feita com especial cautela, sob pena de serem coarctados os direitos de defesa do arguido. É o que faz (ou procurou fazer) a decisão recorrida, que também por isso, e nessa parte, deve ser revogada.

Termos em que, e nos mais de Direito: A. deve a decisão proferida em 1.ª instância ser integralmente revogada, sendo a mesma substituída por outra que proceda à apreciação dos factos novos supervenientes levados ao conhecimento do Tribunal e, consequentemente...

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