Acórdão nº 08A1279 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Maio de 2008

Magistrado ResponsávelURBANO DIAS
Data da Resolução06 de Maio de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - Relatório AA instaurou, no Tribunal Judicial da comarca de S. Tirso, acção ordinária contra Companhia de Seguros BB S. A., com vista a obter o pagamento total de 22.290,35 € em virtude de danos sofridos em consequência de acidente cuja culpa única e exclusiva imputou à condutora de veículo seguro na R..

Esta contestou, pugnando pela improcedência da acção.

Após julgamento, foi a acção julgada parcialmente procedente e, em consequência, a R. condenada a pagar ao A. o total de 8.242,16 €, correspondente à reparação do veículo e à sua desvalorização, tendo em conta o grau de culpa (60%) do próprio A. na produção do acidente.

Mais decidiu o Juiz de 1ª instância: "Não se provou qualquer prejuízo do autor com a circunstância de estar privado do veículo desde o dia do sinistro... Tal resultado determina a improcedência do pedido na parte em que reclama indemnização pela privação da viatura, ...".

Não se conformou o A. que apelou para o Tribunal da Relação do Porto na ânsia de obter êxito total do pedido.

Subordinadamente, apelou a R., pretendendo obter a consagração de repartição de culpas na produção do acidente na ordem dos 75% para o A. e 25% para a sua segurada.

O Tribunal da Relação do Porto acabou por confirmar na quase totalidade o julgado, apenas o alterando no que tange à indemnização devida ao A. respeitante à privação do uso de veículo.

Continuando inconformado, o A. pede, ora, revista do aresto proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, a coberto das seguintes conclusões: 1 - A razão de interposição do presente recurso decorre de o recorrente entender que o acórdão não soube qualificar devidamente os factos relativos ao grau de culpa do A., o que manifesta erro no direito aplicável.

2 - O A. seguia a sua marcha numa estrada com grande visibilidade por ser uma recta de mais de 1 km, quando se depara com um obstáculo, leia-se veículo, o qual teve que obrigatoriamente contornar, observando as regras de trânsito que se lhe impunham no momento, e, sem nada que o fizesse prever, embateu no veículo segurado da R. que surgiu do entroncamento sem respeitar o sinal STOP.

3 - Apesar de ter violado o artigo 60º, nº 1, do Regulamento do Código da Estrada, esta violação impunha-se como necessária e obrigatória, uma vez que, caso assim não o fizesse, estaria, ad eternum, à espera que o condutor do veículo que se encontrava parado junto da berma do lado direito, atento o sentido de marcha do A., o viesse remover.

4 - A conduta do A. não foi imprudente ou temerária pelo facto de ter realizado a manobra de ultrapassagem, que se lhe impunha como necessária para seguir o seu caminho, aliás, muito pelo contrário, ficou provado que o A. certificou-se, diligentemente, prestando a devida atenção ao trânsito, quer de veículos automóveis, quer de peões, ou seja, aos veículos automóveis que no mesmo sentido o seguiam ou antecediam, bem como aqueles que, em sentido contrário, circulavam.

5 - Não pode o aqui recorrente/A. ser censurado de forma grave pela violação desta regra estradal, não devendo, por isso, ser aplicado o disposto no artigo 60º, nº 1, do Regulamento do Código da Estrada.

6 - O documento apresentado pela R., que não foi impugnado, em nada confirma o alegado pela mesma - que o A. circulava a 80 km/hora -. Pois, 7 - Pela rigorosa e exaustiva apreciação que o Juiz, em 1ª Instância, fez da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, conjugando-a com todos os documentos constantes dos autos - no pleno uso do principio da livre apreciação da prova (cfr. artigo 655º nº 1 do Código de Processo Civil) permitiu que, sem margem para quaisquer dúvidas, tivesse considerado como não provado o quesito 49° e provado o quesito 4°.

8 - Não obstante a velocidade do A., (a velocidade de 70 km/hora, em local onde o máximo permitido era 50 km/hora, não pode considerar-se causal do acidente de trânsito. Ainda que se entenda confirmar a velocidade de 80km/hora, esta concorreu causalmente para a eclosão do sinistro em análise com culpa stricto sensu inconsciente) a R., ao desrespeitar o sinal STOP, não seguiria o seu caminho sem ser embatida.

9 - Ainda que o A. abrandasse consideravelmente a marcha.

10 - O embate entre os dois veículos era inevitável, uma vez que a R.

não parou ao sinal STOP, não olhou para o lado onde circulava o A., limitando-se a conferir o trânsito que vinha no sentido oposto ao A., e o A. tinha, como acima se disse, que, inevitavelmente, invadir a hemi-faixa contrária, uma vez que a mesma se encontrava parcialmente obstruída, pelo que esta infracção da R. foi causal do acidente.

11 - Tendo a R. cometido uma infracção ao não respeitar um sinal de prescrição absoluta, entrando numa estrada nacional de grande movimento sem atentar na proibição e olhar só para um dos lados, é evidente a culpa única e exclusiva para a ocorrência do acidente.

12 - A R. contribuiu de forma decisiva para o acidente, com culpa elevadíssima, porque o recorrido já tinha feito a manobra de ultrapassagem, ocupava já a faixa de rodagem contrária, e encontrava-se a 20 metros de distância do inicio do entroncamento onde ocorreu o embate, não o conseguindo evitar.

19 - No que respeita à atribuição de culpa ao A. na produção do sinistro, a mesma deve-se a uma errónea interpretação dos factos provados, designadamente pouco crítica, pois se está assente que o A. ultrapassou um veículo que estava parado num local em que existia uma linha contínua, não se lhe impunha que aguardasse indefinidamente que a viatura fosse retirada, na verdade não é exigível ao A. nem a um condutor normal que aguarde indefinidamente que se retirem as viaturas para seguir em frente.

20 - Pois, se a regra fosse tão exigente, estaríamos perante um regime que se tornaria absolutamente impraticável.

21 - Não se pode aceitar tão "descansadamente" a decisão do tribunal a quo, pois a mesma, por ser insuficientemente crítica, omite de todo esta circunstância em que o automobilista se vê obrigado a contornar um obstáculo que ocupa a via, após se certificar que não circula qualquer veículo em sentido contrário, e por esse motivo, é obrigado a pisar uma linha contínua.

22 - A manobra do A. jamais pode ser considerada causal do sinistro, pois que, em face dos factos provados, a mesma é atribuível ao segurado da R. porquanto não respeitou um sinal de STOP e seguidamente entrou na via prioritária sem se assegurar se existia ou não circulação (em ambos os sentidos) na via em que pretendia entrar como confessadamente sucedeu.

23 - Não há causa/efeito da conduta do A..

24 - Pelo exposto, deverá ser alterada a decisão da 1ª Instância para uma culpa exclusiva da R. e não de 60% para o A. e 40% para a R..

25 - O acórdão recorrido violou os artigos 483°, 506°, 562°, 563°, 564°, 566°, 570°, todos do Código Civil.

26 - Sucede, ainda, que os Senhores Juízes Desembargadores aplicaram o artigo 146° do Código da Estrada, nas suas alíneas a), c), d), e) e j), para justificar e fundamentar a culpa grave de ambos os condutores.

27 - Ora, salvo o devido respeito, não se aplicam tais alíneas no caso vertente, pois não foi nenhum dos aqui condutores que parou ou estacionou nas faixas de rodagem, nem está em causa a utilização do sinal de pré-sinalização de perigo, muito menos a utilização de máximos de modo a provocar o encandeamento ou a entrada e saída das auto-estradas ou vias equiparadas por locais diferentes dos acessos a esses fins destinados, nem foi acusada a nenhum dos condutores taxa de álcool.

28- Conforme sobredito, o A. apenas contornou um obstáculo! Em resposta, defendeu a recorrida a manutenção do aresto impugnado.

Esta, subordinadamente, recorreu ainda, manifestando desacordo com o segmento condenatório relativo à indemnização pela privação do uso do veículo, tendo, para tanto, fechado a respectiva minuta com as seguintes conclusões: 1 - Relativamente à imobilização do veículo acidentado apenas foi apurado que veículo não podia circular desde o dia do sinistro.

2 - Não foram apurados quaisquer danos ou prejuízos decorrentes dessa situação, nomeadamente de que o veículo era utilizado nas deslocações para o local do trabalho, de que nessas deslocações eram percorridos 50 Km diários, de que o A. necessitava do veículo para se deslocar, e ainda, de que ao fim-de-semana costumava passear com a família no automóvel.

3 - A mera indisponibilidade de utilização do veículo desacompanhada de quaisquer outros elementos, não é por si só bastante para gerar a obrigação de indemnizar.

4 - Não tendo sido demonstrada a ocorrência de qualquer dano não existe obrigação de indemnizar no âmbito da responsabilidade civil - artigos 483°, 562° e 563°, do Código Civil.

5 - Competia ao A. o ónus de alegação e prova dos factos constitutivos do seu direito - artigos 341 ° e 342°, nº, 1, do Código Civil.

6 - "A mera privação do uso de um veículo automóvel resultante da sua paralisação em resultado de estrago em acidente de viação, sem repercussão negativa no património do lesado em...

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