Acórdão nº 151/12.9BEFUN de Tribunal Central Administrativo Sul, 2022-06-23

Ano2022
Número Acordão151/12.9BEFUN
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório
A I.... – S....., Lda., devidamente identificada nos autos, intentou ação administrativa Comum contra o Município do Funchal, e contra a Fidelidade M…. – C….., S.A, tendente à condenação dos Réus a pagar-lhe a quantia de €33.149,41 a título de danos patrimoniais, em decorrência de acidente ocorrido no dia 06/01/2010, pelas 8:16 horas, no túnel da cota 40 junto à Escola Francisco Franco, com o veículo de marca Mercedes, modelo CLS 500, matrícula 83-…., de sua propriedade.
Tendo o Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal proferido Sentença em 28 de fevereiro de 2021, através da qual decidiu julgar a Ação parcialmente procedente, condenando-se o réu Município no pagamento de uma indemnização no montante de €1.059,11, acrescida de juros de mora, e o Réu F… – C…, S.A. no pagamento da quantia de €9.532,06, acrescida de juros de mora, veio a Seguradora apresentar Recurso em 7 de abril de 2021, no qual concluiu:
“1.Não pode a Recorrente concordar com a douta sentença condenatória.
2.Na contestação apresentada, a Demandada Seguradora invocou franquias que constam da apólice, designadamente a franquia por danos por água, e que não foram levadas, pelo menos não expressamente, aos factos provados.
3.Ainda que a Recorrente considere que nenhuma responsabilidade deveria ter sido assacada ao Município do Funchal, assim como à Seguradora, por força do evento em discussão nestes autos, considera a Recorrente que deverá ser incluído nos factos provados a franquia acordada por danos por água, inclusive porquanto no caso de se manter uma sentença condenatória, ficando provado que o veículo da Autora ficou com o motor danificado em consequência da entrada de água (cfr. facto provado nº4), a franquia a cargo do Município do Funchal deverá ser aquela prevista para os danos por água.
4.Pelo que, com base na apólice junta à contestação como Doc. 1.” (cfr. cláusula 5 das condições particulares da apólice junta como Doc. 1 à contestação, na qual se incluem a carta datada de 06 de Agosto de 2001, a carta de aceitação datada de 15 de Outubro de 2001, e a ata adicional de 22 de Outubro de 2001), deverá ser aditado aos factos assentes que: “Ficou estabelecido na apólice contratada que o Segurado Município do Funchal ficava responsável pelo pagamento de uma franquia, no valor correspondente a 10% dos prejuízos causados, em todo e qualquer sinistro ocorrido em virtude de danos causados por água, sendo o mínimo da franquia de 500.000$00, o equivalente a €2.493,99 (dois mil, quatrocentos e noventa e três euros e noventa e nove cêntimos), na moeda atual, por lesado”.
5.Consta do ponto 6, al. m) da condição particular da apólice que: “
“6. Exclusões
Para além das exclusões constantes do Artº 4º das Condições Gerais de Responsabilidade Civil, esta cobertura não garante a responsabilidade:
(…)
m) Por danos que não resultem diretamente de lesões materiais ou corporais causadas ao terceiro lesado.” (cfr. apólice junta como Doc. 1 à contestação)
6.No que se refere às condições gerais do seguro contratado, juntas como Doc.1 à contestação da Demandada Seguradora, a página correspondente aos arts. 8º e 9º foi anexada antes de parte do art. 4º, art.s 5º e 6º, e parte do art 7º, quando deveria vir depois.
7.Existiu lapso na ordem pela qual as condições gerais da apólice foram remetidas pela Demandada e constam do processo, lapso revelado pelo próprio contexto, requerendo a Recorrente a sua retificação, admissível por interpretação extensiva do disposto no art. 249º do Código Civil.
8.Consta do artigo 4º, nº3 das condições gerais da apólice que:
“Artigo 4º - Exclusões
(…)
3.Salvo convenção expressa em contrário nas Condições Especiais ou Particulares e sem prejuízo de outras exclusões nelas constantes, o presente contrato não garante também os danos:
(…)
e) Resultantes de lucros cessantes, paralisações e perdas indiretas de qualquer natureza.”
(cfr. apólice junta como Doc. 1 à contestação da Demandada Seguradora)
9. Devendo aditar-se igualmente aos factos provados os seguintes factos importantes para a boa decisão da causa, designadamente para a questão da indemnização pela privação de uso da viatura, e que se encontram provados documentalmente pela apólice junta como Doc. 1 à contestação da Demandada Seguradora:
- Ficou acordado no ponto 6 (exclusões), al. m) das condições particulares da apólice contratada que se encontram excluídos da cobertura da apólice os danos que não resultem diretamente de lesões materiais ou corporais causadas ao terceiro lesado.
- Ficou igualmente acordado no art. 4º (exclusões), nº3, al. e) das condições gerais da apólice que o contrato de seguro não garante os danos resultantes de lucros cessantes, paralisações e perdas indiretas de qualquer natureza.
10.Sendo o aditamento ao elenco dos factos provados dos factos referidos nas conclusões 4 e 9 admissível nos termos do disposto no art. 607º, nº4 do C.P.C., aplicável ex vi do art. 663º, nº2 do C.P.C.
11.Caso assim não se entenda, a dita franquia, assim como as exclusões da cobertura de danos resultantes de lucros cessantes, paralisações e perdas indiretas de qualquer natureza, deverão ser atendidas na apreciação de direito, dado que constam da apólice dada por integralmente reproduzida no facto provado nº15 da sentença.
12. No que se refere à responsabilidade pelo acidente e danos, o Tribunal imputou-a exclusivamente ao Município do Funchal, em suma, devido à falta de sinalização de água na via pública devido às fortes chuvas e à falta de escoamento da mesma por quem tinha o dever de praticar os atos materiais correspondentes às devidas atividades e não as realizou, tendo ainda considerado que a situação é enquadrável numa situação de funcionamento anormal do serviço.
13. Tendo o Venerando Tribunal a quo considerado provados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, em relação ao Município do Funchal, tendo o condenado, assim como à Recorrente Seguradora, no pagamento de uma indemnização à Autora.
14. Não se encontra prevista a responsabilidade pelo risco ou objetiva dos entes públicos por acidentes ocorridos nas vias sob a sua jurisdição.
15. A eventual responsabilidade do Município do Funchal por danos sofridos pelos utentes em consequência de acidente ocorrido na via, traduz-se numa responsabilidade extracontratual, dependente da verificação dos pressupostos gerais da responsabilidade civil extracontratual, ou seja, o ato ou omissão, a ilicitude, a culpa, o dano sofrido pelo lesado e o nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano.
16. Não é pelo facto de, a dado momento, existir um obstáculo na via ou ter ocorrido um acidente numa via sob a jurisdição de outrem que se possa concluir pela responsabilidade do ente público e inclusive pela existência de funcionamento anormal do serviço.
17. É sabido que de acordo com os conhecimentos científicos e tecnológicos atualmente existentes é impossível que alguém, Município ou outro, tome conhecimento, a cada instante, do estado das vias rodoviárias a seu cargo, em toda a sua extensão, a ponto de sinalizar prontamente qualquer problema que surja na via, para após removê-lo, sendo que, maioria de razão, essa falta de conhecimentos científicos e tecnologia inexistia à data do evento (janeiro de 2010)
18. Os acidentes têm natureza dinâmica e, com frequência, os obstáculos surgem na via de um momento para o outro, sendo que os acidentes podem ocorrer logo a seguir ou pouco tempo após a queda ou aparecer um obstáculo na via.
19. Sendo que para se poder concluir pelo funcionamento anormal do serviço era necessário provar que o dito obstáculo estava há suficiente tempo no local para justificar uma intervenção dos serviços camarários, e estes nada fizeram.
20. Resulta dos factos provados nºs 13 e 14 que, no dia em questão, no Funchal, verificou-se uma intensa pluviosidade, sendo que entre as 7:40 e as 8:40, do dia 06/01/2010, foi registada a precipitação de 14.9mm na estação/observatório do Funchal, sendo que às 8:10 horas, do dia 06/01/2010, foi registada, a precipitação máxima em 10 minutos de 11.3mm, na estação/observatório do Funchal.
21. Pelo que, o valor da quantidade de precipitação máxima registada em 10 minutos foi 11.3mm, às 8h10mn do dia 06 de janeiro de 2010, o que significa dizer que a precipitação máxima verificada ocorreu 6 minutos antes do incidente em discussão nestes autos.
22. Ainda que não tivesse ficado provado que antes da ocorrência do sinistro o Município do Funchal procedeu à fiscalização e limpeza do pavimento, das adufas, sarjetas e respetivas canalizações, no túnel da cota 40 (cfr. al. a) dos factos não provados), também não ficou provado o contrário, ou seja, que antes da ocorrência do sinistro o Município do Funchal não procedeu à fiscalização e limpeza do pavimento, das adufas, sarjetas e respetivas canalizações, no túnel da cota 40.
23. Não tendo ficado provado que os resíduos que se encontravam acumulados nas adufas já lá se encontrassem há algum tempo, inclusive antes das chuvas intensas que se verificaram, podendo ter sido trazidos e arrastados pelas mesmas, causando o entupimento das adufas, nem a que horas se formou ou começou a formar a inundação.
24. Ora, para que os serviços camarários pudessem sinalizar ou remover um obstáculo na via pública é necessário que aqueles soubessem ou devessem conhecer da existência do mesmo.
25. Para se poder concluir pelo funcionamento anormal do serviço era necessário provar que o dito obstáculo estava há suficiente tempo no local para justificar uma intervenção dos serviços camarários, devendo constar dos factos provados factos demonstrativos do funcionamento anormal do serviço. sendo que, a existência de um obstáculo na via, ou mesmo a existência de um acidente na via, não é só por si prova de funcionamento...

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