Acórdão nº 01331/14.8BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 16 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelRog
Data da Resolução16 de Outubro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: Infraestruturas de Portugal, S.A.

veio interpor o presente recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 06/02/2018, pela qual a presente acção administrativa comum, que P. move contra AEDL – Autoestradas do Douro Litoral, S.A. e Estradas de Portugal, S.A., foi julgada parcialmente procedente e, em consequência, foi a Ré condenada a pagar à Autora a quantia total de €3.407,45, acrescida de juros desde a data da citação e até integral pagamento.

Invocou, para tanto e em síntese, que a decisão recorrida incorre em erro de julgamento quanto à matéria de facto e, em consequência, em erro de julgamento do direito, pugnando pela sua absolvição do pedido, por não ter praticado qualquer acção ou omissão voluntária, ilícita, culposa, danosa e em que se verifique o nexo de causalidade adequada entre a acção ou omissão e os danos.

A Recorrida, P.

apresentou contra-alegações, em que pugna pela manutenção do julgamento dos factos que a Ré Infraestruturas pretende ver alterados; e interpôs recurso subordinado, a pedir a alteração da matéria de facto quanto ao tempo de paralisação do veículo sinistrado, com consequente alteração do montante a arbitrar à Recorrida.

O Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu parecer.

*Cumpre decidir já que nada a tal obsta.

* I.I. - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do recurso jurisdicional da Ré, Infraestruturas de Portugal, S.A.

: 1. Após devida análise de todo o conteúdo da sentença, é nosso entendimento haver aspectos da matéria de facto que apontam em sentido diverso do considerado na sentença e, consequentemente, a devida subsunção ao direito conduziria a uma sentença de conteúdo diferente da proferida.

Da matéria de facto: 2. Apesar das declarações das várias testemunhas, não resulta que se tenha provado a dinâmica do acidente, alegada pelo A., havendo depoimentos, como vemos, a seguir que podem melhor esclarecer e permitir uma outra interpretação dos factos. Desde logo, ninguém presenciou o acidente, além do próprio condutor da viatura, o que deixa uma apreciável margem de indefinição.

  1. Não se tenha provado a dinâmica do acidente, tal e qual vem configurada pelo Autora e Condutora e pelas suas próprias declarações em depoimento de parte.

  2. As condições de circulação da viatura por parte da condutora vão no sentido de excesso de velocidade, desatenção e manifesta imperícia. Ora, a condutora já vê o gato à distância, na medida em que descreve os movimentos do animal com grande pormenor, como se extrai das declarações da condutora, passagem da gravação [26´:50 a 28´:00] “…viu o gato a saltar…. Acertou-lhe com os faróis… O gato voltou para trás…”Seria, assim expectável, que pudesse dominar a viatura em tempo e em espaço útil, com segurança. Reduzir a velocidade e até parar, como aliás, acabou por parar após o injustificado despiste e em total descontrolo. Depoimento da condutora /autora (passagem da gravação [43´:00 a 44´:00]), “… Não bateu no separador central…. Bateu-lhe com a roda e não com o farol… ele estava no chão…” 5. Verifica-se, pois, ser tão pouco para tamanho descontrolo e despiste para cima do talude. Aliás, era noite (22:25 horas) e não se verificou, no momento, a passagem de qualquer outra eventual viatura que viesse atrás.

  3. Portanto, ou falta da atenção e/ou excesso de velocidade seria a versão mais compatível com a descrição dos factos.

  4. De forma alguma, releva a discussão em torno de mais ou menos vegetação no talude da estrada. Os taludes têm de apresentar, necessariamente, revestimento vegetal, como obrigam as normas rodoviárias, o tal tratamento paisagístico e que a IP faz o devido acompanhamento do Departamento do Ambiente da IP, através dos seus arquitetos paisagistas e outros técnicos, constituindo um trabalho algo oneroso e permanente, uma das componentes importantes dos trabalhos de conservação corrente.

  5. O revestimento vegetal não é composto somente por vegetação rasteira. Comporta algumas espécies vegetais qualificadas e de algum porte. Além de outras funções, o revestimento vegetal tem um papel muito importante na estabilidade mecânica ou física dos taludes, bem como na drenagem das águas pluviais, tudo em defesa das boas condições de circulação da estrada.

  6. Falece, assim, o argumento de que a vegetação do talude tinha de estar cortada. E, muito menos, que tal fosse determinante para evitar o acidente com um gato que, por si só, tem todas as possibilidades de chegar às estradas, mesmo que vedadas, sem que a IP o possa impedir.

  7. A IP provou que assegurava e continua a assegurar as devidas condições de circulação da A43, diretamente pelos seus meios técnicos e humanos e ainda por uma empresa externa prestadora de serviços. Entre esses meios, assumem relevância as passagens periódicas das UMIAS (unidades móveis de inspeção e apoio) com intervalos não inferiores a 4 horas, assumindo uma fiscalização e vigilância superior à praticada pela BRISA-Concessionária de Auto Estradas, conforme declarações da testemunha da Ré, Eng.º A.: Passagem da gravação [02:06´:00 a 02:09:00] “…o gato entra por qualquer lado…” 11. Trata-se duma zona da estrada que, embora vedada, tem adjacente, de um e outro lado, expressivos aglomerados urbanos, predominantemente residencial, e um Nó Rodoviário que é, evidentemente aberto, por natureza, permitindo sempre a eventual entrada de animais, sem que se possa colocar ou instalar o que quer que seja.

  8. A este propósito, citam-se as declarações do Sr. Agente da GNR, na passagem da gravação [16´:00-17´:00] “…o animal é coisa pequena…pode ter entrado pelo Nó.” 13. Por outro lado, não estará afastada a possibilidade de alguém ter abandonado o animal no separador da estrada ou no referido Nó, como às vezes acontece, à noite, em certos locais como, por exemplo, áreas de serviço e zonas de via rápida, como é o caso.

  9. Para todos efeitos, não resulta provada a dinâmica do acidente, pelo menos, nos moldes traçados pela Autora, não havendo testemunhas, como já se referiu, pelo que se ficou, de algum modo, refém das declarações da condutora. Sendo que essas declarações não se afiguram plausíveis, pois se viu o gato como o viu e até lhe acertou com os faróis nos olhos (era à noite), como é possível que possa descrever, com tanto pormenor, a movimentação do gato e despistar-se para um e outro lado da estrada, só porque o pequeníssimo gato teria batido numa roda e não no farol (como era suposto ser na petição-artigo 13.º)? 15. E despistar-se, sem bater no separador. Parece uma construção muito rebuscada para se dar como assente a dinâmica do acidente nas condições que a Autora/condutora alega.

  10. O gato até já poderia ter sido morto, antes, por um eventual outro condutor que não o Autor. Não se afigura crível que o gato, após ter atravessado a estrada do separador para a berma (da esquerda para a direita) venha a recuar. E recuar, porquê? Havia algum veículo a passar à direita? A ultrapassar pela direita naquele local? 17. Normalmente, um gato atravessa duma só vez. Não recua. Não fica à espera que o matem. A presença do gato parece constituir motivo desproporcionado para o tipo de despiste alegado, com mergulho no talude, em que danifica um delineador da berma, como refere o Sr. Agente da GNR. A este propósito, referem-se as passagens da gravação: [12´:00 a 13´:00] “…a altura da vegetação era normal…” “…antes o local é uma curva acentuada..” [14´:00 a 15´:00] “…o carro ficou imobilizado a 30 metros do local…” [16´:00 a 17´:00] “…o animal é coisa pequena… Poderá ter entrado pelo Nó…” 18. De facto, o animal é coisa pequena que passa por qualquer lado. Caso fosse, por exemplo, um javali ou um cão a análise poderia ser outra ou diferente.

  11. De relevar a grande distância a que o veículo parou, cerca de 30 metros, à frente do gato, o que poderá levar a inferir que o acidente até não possa ter qualquer relação com o gato, mas sim despiste puro e simples do condutor/Autor, por eventuais causas que lhe sejam exclusivamente imputáveis.

  12. A rede de vedação da estrada estava reparada, à data do acidente, não havendo falhas. Mesmo que, por hipótese, houvesse falha na rede, o que não se concede (pois o gato até poderia subir e transpor com grande facilidade a rede), seria de admitir alguma relação com o sinistro que ocorreu ao 6,200Km, cerca de mais 2Km à frente? 21. A IP assegura um nível de fiscalização e vigilância até superior à da Concessionária de Autoestradas BRISA, assegurando todos os dias passagens das UMIAS (unidades móveis de inspeção e apoio) no mesmo local, com uma frequência não inferior a 4 horas, portanto, 6 vezes por dia, como referiu a testemunha Eng.º A.. A BRISA apenas assegura uma frequência de uma vez por dia, como é referido na gravação [02:16´:00 a 02:17´:00], apesar do grau de exigência ser bem maior.

  13. O que mostra o grau de vigilância da IP, tido como superior, apesar da estrada em causa ter as características dum IC, ou seja o Itinerário Complementar IC9 (a denominada Via Rápida de (...)) e não a A1 como é o caso da BRISA. E não se trata duma autoestrada, mas sim uma via Rápida, sem portagens e sempre, sem qualquer hipótese de vedar os Nós rodoviários. E, concretamente, o Nó do Multiusos, próximo do local do acidente. Acresce tratar-se dum Nó manifestamente urbano.

  14. Não há processo de fechar estes Nós, o que, a acontecer, equivaleria à supressão do Nó e anular as próprias funções da estrada que ligar destinos e servir as populações e utentes.

  15. Ainda a não relevância do suscitado problema da vegetação que não tenha qualquer influência no alegado sinistro. Certo é que as ceifas periódicas até estavam realizadas antes do acidente, designadamente no separador e até 3metros no talude, contados desde a berma, como muito bem o afirma o Técnico que superintende e dirige os trabalhos relativos à vigilância, fiscalização...

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