Assento n.º 6/93, de 07 de Abril de 1993

Assento n.° 6/93 Acordam no Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça: 1 - A Ex.ma Procuradora da República no Tribunal da Relação de Lisboa veio, ao abrigo do disposto nos artigos 437.° e seguintes do Código de Processo Penal, interpor o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do Acórdão daquele Tribunal de 7 de Junho de 1992, proferido no processo n.° 3080, da 5.' Secção, transitado em julgado, alegando, em substância e com interesse, que: No acórdão recorrido decidiu-se que a emissão de cheque sem provisão praticada no âmbito da vigência do Decreto n.° 13 004, de 12 de Janeiro de 1927, está despenalizada face ao disposto no artigo 11.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 454/91, de 28 de Dezembro, e no artigo 2.°, n.° 2, do Código Penal; Por seu turno, os Acórdãos da mesma Relação de 24 de Junho de 1992 e de 1 de Julho de 1992, proferidos nos processos números 27 984 e 27 796, respectivamente, sentenciaram em sentido oposto, isto é, que a entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 454/91 não conduziu à despenalização da emissão de cheque sem provisão praticada na vigência do falado Decreto n.° 13 004; Verifica-se, pois, que os indicados acórdãos da Relação de Lisboa, relativamente à mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação, acolheram soluções claramente opostas; Não é admissível recurso ordinário do acórdão recorrido e todos os apontados acórdãos transitaram em julgado, estando reunidas as condições de admissibilidade do presente recurso extraordinário; 2 - Subiram os autos a este Supremo Tribunal e, proferido o despacho liminar e colhidos os vistos, decidiu-se, por Acórdão de 19 de Novembro de 1992, que o recurso devia prosseguir, porquanto se verifica (como, aliás, decorre do já acima exposto) que se trata de acórdãos da mesma Relação, proferidos no domínio da mesma legislação, que deram solução oposta à mesma questão de direito.

Cumprido o disposto no artigo 442.° do Código de Processo Penal, apenas o Ministério Público apresentou as suas alegações.

Nesta douta peça, e além de restringir o fundamento do recurso à oposição do acórdão recorrido com o predito acórdão proferido no processo n.° 27 796, de 1 de Julho de 1992, suscitou a questão da impossibilidade de reapreciação dos pressupostos da decisão preliminar sobre a oposição de acórdãos e, quanto à questão de mérito, concluiu que deve fixar-se jurisprudência nos seguintes termos: O Decreto-Lei n.° 454/91, de 28 de Dezembro, ao exigir, de forma expressa, a verificação de um prejuízo patrimonial como elemento constitutivo do crime de emissão de cheque sem provisão, não veio a acrescentar qualquer elemento novo ao tipo de crime previsto no artigo 24.° do Decreto n.° 13 004, de 12 de Janeiro de 1927, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.° 25/81, de 21 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.° 14/84, de 11 de Janeiro, e pelo artigo 6.° do Decreto-Lei n.° 400/82, de 23 de Setembro, pelo que o novo diploma, com excepção dos cheques de valor inferior a 5000$, apenas opera a descriminalização nos casos em que se prove a inexistência de prejuízo; 3 - A restrição do objecto da oposição apenas a um dos acórdãos fundamento (o proferido no processo n.° 27 796), posto que corresponda a uma redução do pedido admissível, nos termos do artigo 273.°, n.° 2, do Código de Processo Civil, é a que melhor se harmoniza com o sentido da lei, pois que dos artigos 437.°, 438.° e 440.° do Código de Processo Penal decorre que o regime do recurso extraordinário tem como pressuposto a oposição entre o acórdão recorrido e um outro, e não outros.

O que se compreende, pois de outra forma se alargaria intoleravelmente o objecto do recurso.

No que toca à mencionada questão prévia, deve dizer-se que o problema já foi suscitado e resolvido por este plenário das Secções Criminais no seu Acórdão (proferido no processo n.° 42 317, nos termos dos artigos 437.° e seguintes do Código de Processo Penal) de 6 de Maio de 1992, publicado no Diário da República, 1.' série, n.° 180, de 6 de Agosto de 1992, no sentido de que o acórdão preliminar a que alude o artigo 441.° daquele Código não é mais do que uma decisão inicial, de que depende o prosseguimento do recurso, a qual não pode vincular os restantes juízes que são chamados a apreciar o seu objecto.

Solução que, no silêncio do Código de Processo Penal sobre este ponto concreto, e por força do seu artigo 4.°, tem de buscar-se no artigo 766.°, n.° 3, do Código de Processo Civil, o qual expressamente dispõe que 'o acórdão que reconheça a existência da oposição não impede que o tribunal pleno, ao apreciar o recurso, decida em sentido contrário'.

É, porém, inquestionável que, no caso presente, os acórdãos recorridos e fundamento, mantendo-se inalterada a legislação, chegaram a soluções opostas quando se debruçaram sobre a mesma questão de direito, não tendo este plenário qualquer objecção a opor ao decidido no acórdão preliminar a fl. 33.

4 - Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

O Decreto n.° 13 004, de 12 de Janeiro de 1927, além do mais, estabelece: Art. 23.° É considerada criminosa a emissão de um cheque que, apresentado a pagamento no competente prazo do artigo 12.° [hoje artigo 29.° da Lei Uniforme] do presente decreto com força de lei, não for integralmente pago por falta de provisão.

Art. 24.° Ao sacador de um cheque cujo não pagamento, por falta de provisão, tiver sido verificado nos termos e no prazo prescritos nos artigos 21.° e 22.° do presente decreto com força de lei será aplicada, a pedido do portador do cheque, a pena de seis meses a dois anos de prisão correccional.

§ único. A aplicação desta pena não isenta o sacador do cheque da responsabilidade civil, ou de qualquer outra, em que, por disposição especial, possa incorrer.

Após longo trabalho doutrinal e jurisprudencial, foi uniformemente aceite que o tipo legal de crime definido naqueles artigos se preenche com os seguintes elementos essenciais: Objectivos - o preenchimento do cheque com a assinatura do sacador, a falta ou insuficiência de fundos no banco sacado, a entrega do cheque ao tomador ou beneficiário; Subjectivos - o conhecimento por banda do sacador daquela falta ou insuficiência de fundos, a vontade de praticar o facto sabendo que o mesmo é proibido, ou seja, a consciência da falta de provisão e da ilicitude da conduta, bastando para a comissão do crime o chamado 'dolo genérico'.

Por outro lado, sempre foi igualmente aceite que o bem jurídico que aquele tipo legal de crime visa tutelar é a confiança ou credibilidade do cheque como meio de pagamento.

5 - É sabido que, quando a lei define o crime nos seus elementos constitutivos essenciais, está a fornecer-nos o chamado 'tipo legal'.

Dito de outro modo, são elementos essenciais do crime aqueles que, por lei, são indispensáveis para a existência do crime; já não são elementos essenciais, mas antes acidentais, aqueles que apoiam ou fundamentam a quantidade ou gravidade quer do facto ilícito quer da culpabilidade (v.

Cavaleiro de Ferreira, Lições, 1985, p. 18, e F. Antolisei, Manual do Direito Penal, tradução espanhola, p. 154).

Por outro lado, será na análise do 'tipo legal do crime' (na medida em que neste 'o legislador descreve aquelas expressões da vida humana que em seu critério encarnam a negação dos valores jurídico-criminais, que violam, portanto, os bens ou interesses jurídico-criminais' - v. Eduardo Correia, Teoria do Concurso, 1963, p. 96) que o juiz terá de encontrar os interesses ou bens jurídicos protegidos em cada caso.

Num mundo de interpenetração de interesses, em que é praticamente impossível isolar, no objecto da tutela jurídica de determinado tipo, um único interesse, teremos de ter presente não só o conceito estrito de 'tipo legal de crime' (onde releva, no plano normativo, aquele interesse específico que o Estado quis tutelar - e expressa na síntese categorial do tipo) como o seu conceito lato, onde cabem, além daquele bem jurídico, v. g., as condições objectivas de punibilidade, a forma de actuação e outras (v. Eduardo Correia, ibidem; Mezger, Tratado, tradução espanhola, I, p. 369; Welzel, citado por Cuello Calón, in Direito Penal, p. 332, e Yescheck, Tratado, tradução espanhola, I, p. 267).

Sem esquecer que, com referência a pontos de vista diferentes, existe toda uma...

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