Acórdão nº 2989/22.0T9CSC.L1-5 de Tribunal da Relação de Lisboa, 23-04-2024

Data de Julgamento23 Abril 2024
Número Acordão2989/22.0T9CSC.L1-5
Ano2024
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 5ª secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
Nos presentes autos de recurso de contraordenação proveniente do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local Criminal de Cascais - Juiz 2, em que é arguida a recorrente AA foi proferida, em 19.01.2024, a seguinte sentença:
“Nestes termos, o Tribunal decide:
A. Julgar totalmente improcedente a impugnação judicial apresentada e manter, em conformidade, a decisão administrativa que condenou a Recorrente AA numa coima de €24.000,00 pela prática, a título negligente, pela prática de uma contraordenação ambiental muito grave, prevista e punida pelos artigos 81.º, n.º 3, alínea a) do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, na sua atual redação e pelo artigo 22.º, n.º 4, alínea b) da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto (…)”.
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Inconformada, a recorrente AA interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:
“1ª A recorrente foi condenada pela prática de uma contraordenação ambiental muito grave por o seu estabelecimento de … "..." estar a laborar após ter sido declarada a caducidade do alvará de concessão n.º ...DPM, facto que seria subsumível ao disposto no art.º 81.º/3/a do Dec.Lei n.º 226- A/2007, de 31 de Maio, i.e. utilização de recursos hídricos sem o respectivo título.
2ª A douta sentença recorrida entendeu que os factos imputados à recorrente e pelos quais a mesma foi condenada numa coima de €24.000 são efectivamente subsumíveis ao tipo contraordenacional em razão da localização das referidas instalações no passeio marítimo (paredão) de Cascais.
3ª Ao decidir como decidiu a douta sentença recorrida fez errada apreciação dos factos e igualmente errada interpretação e aplicação da lei.
4ª Está em causa a exploração das instalações do ... após a declaração da caducidade do respectivo alvará de concessão.
5ª De acordo com o disposto no art.º 69.º/2/a da Lei n.º 58/2006, de 29 de Dezembro, findo o prazo fixado no título, quando se trate de concessão, as obras executadas e as instalações construídas no estrito âmbito da concessão de utilização de recursos hídricos revertem gratuitamente para o Estado.
6ª Ou seja, à data dos factos imputados à recorrente, a propriedade do edifício construído ao abrigo do alvará de concessão n.º ...DPM já havia revertido para o Estado.
7ª E consequentemente o que está em causa é tão só e apenas a utilização de um edifício sem título válido, e não a utilização não titulada de recursos hídricos.
8ª Com efeito, os factos em apreço não são subsumíveis nem ao previsto nos arts. 60.º e 61.º da Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro, nem aos arts. 19.º e 23.º do Dec.Lei n.º 226-A/2007, de 15 de Novembro, maxime porque não consubstanciam a construção ou alteração de instalações fixas ou desmontáveis, nem de apoios de praia ou similares, mas tão só e apenas a laboração de um estabelecimento de bebidas instalado numa edificação construída ao abrigo de um alvará de concessão entretanto objecto de uma declaração de caducidade por parte da ARHTO/APA, cuja propriedade já pertencia ao Estado à data dos factos.
9ª Daí resultando que o edifício onde se encontra instalado o ... da recorrente, não constitui um recurso hídrico pois não é subsumível ao respectivo conceito legal.
10ª Razão pela qual os factos imputados à recorrente não são pura e simplesmente subsumíveis ao tipo contraordenacional por cuja prática foi condenada.
11ª Termos em que a douta sentença recorrida fez errada apreciação dos factos e igualmente errada interpretação e aplicação da lei, maxime do arts. 60.º e 61.º e 69.º/2/a da Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro, e dos arts. 19.º, 23.º e 81.º/3/a do Dec.Lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio”.
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O recurso foi admitido, por despacho proferido em 21.02.2024, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.
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O Ministério Público apresentou Resposta, concluindo do seguinte modo:
“1. A recorrente AA foi condenada numa coima no valor de €24.000,00 (vinte e quatro mil euros), pela prática, a título negligente, de uma contraordenação ambiental muito grave, prevista e punida pelos artigos 81º, nº 3, alínea a), do Decreto-Lei nº 226-A/2007, de 31 de maio e pelo artigo 22º, nº 4, alínea b), da Lei nº 50/2006, de 29 de agosto, na redação conferida pela Lei nº 114/2015, de 28 de agosto.
2. O domínio público hídrico engloba o domínio público marítimo, o qual compreende, para além do mais, as águas costeiras e territoriais e as margens das águas costeiras e das águas interiores sujeitas à influência das marés.
3. A margem das águas do mar - faixa de terreno contígua ou sobranceira à linha que limita o leito das águas – abrange uma largura de 50 m (cinquenta metros), contados a partir da linha limite do leito.
4. O ..., estende-se por cerca de 2.750 m, ao longo da orla costeira, encontrando-se, tal como admite a recorrente, inserido nas margens das águas costeiras, na medida em que não dista 50 m em largura das mesmas.
5. Deste modo, é inequívoco que o paredão e, por maioria de razão, todas as edificações que no mesmo se encontrem implantadas, se encontram inseridas no domínio público hídrico.
6. A utilização privativa de terrenos do domínio público hídrico, que se destinem à edificação de empreendimentos turísticos e similares, está sujeita a prévia concessão, consistindo o estabelecimento explorado pela recorrente num equipamento de praia, tal como definido no artigo 4º, alínea z), do Plano de Ordenamento da Orla Costeira de ..., aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 123/98, de 19 de outubro, alterada pela Resolução do Conselho de Ministros nº 82/2012 de 3 de outubro.
7. A praia da ... é classificada como praia urbana com uso intensivo, designada por tipo I (artigo 47º, nº 1m alínea a) e 2, alínea a) do POOC de … ...), sendo admitidos equipamentos de praia, mormente o estabelecimento explorado pela recorrente, cuja localização só é permitida em áreas exteriores ao areal, acima da linha de máxima preia-mar das águas vivas equinociais (artigos 67º, nº 2, alínea a), 2) e 68º, nº 1, do citado POOC), ou seja, no ....
8. O ..., explorado pela recorrente, encontrava-se em zona de domínio público hídrico, porquanto se encontrava implantado a uma distância inferior a 50m das águas costeiras, ou seja, nas margens destas.
9. Em 23 de março de 2005, foi concedido à recorrente, pela CCDR-LVT, o alvará de concessão nº ...DPM para instalação e utilização do estabelecimento …, pelo período de 9 (nove) anos, contados a partir da data da assinatura do termo de responsabilidade, em 14 de abril de 2005, o qual caducou em 14 de abril de 2014.
10. A recorrente foi notificada do ofício nº …ARHTP-DRHL, da APA, datado de …2016, o qual declarou, expressamente, a caducidade do título de concessão que lhe havia sido concedido, deste modo, em junho de 2016, não detinha qualquer título que lhe permitisse utilizar o equipamento de praia ..., pelo que, ao permanecer a explorar o mesmo incorreu em contraordenação ambiental muito grave.
11. Encontrando-se a recorrente a utilizar o estabelecimento ..., que consubstancia uma utilização privativa de recursos hídricos de domínio público, sem estar devidamente habilitada para o efeito, encontra-se, pois, preenchido o tipo objetivo de ilícito previsto na alínea a), do n.º 3, do artigo 81.º, do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio.
12.Deverá, pois, manter-se a sentença recorrida.
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Nesta Relação, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de “secundar a posição da Exmª PR respondente e sugerir a validação doo judiciosamente Decidido”.
Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, n.º 2 do C.P.Penal.
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Proferido despacho liminar e colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
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II. OBJETO DO RECURSO
Conforme é jurisprudência assente (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, acessível em www.dgsi.pt: “é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões (…)”.
O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente (das quais devem constar de forma sintética os argumentos relevantes em sede de recurso) a partir da respetiva motivação, pelo que “[a]s conclusões, como súmula da fundamentação, encerram, por assim dizer, a delimitação do objeto do recurso. Daí a sua importância. Não se estranha, pois, que se exija que devam ser pertinentes, reportadas e assentes na fundamentação antecedente, concisas, precisas e claras” (Pereira Madeira, Art. 412.º/ nota 3, Código de Processo Penal Comentado, Coimbra: Almedina, 2021, 3.ª ed., p. 1360 – mencionado no Acórdão do STJ, de 06.06.2023, acessível em www.dgsi.pt).
Isto, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (artigo 412º, nº 1 do CPPenal).
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Face às conclusões extraídas pela recorrente da motivação apresentada, cumpre apreciar a questão de saber se os factos imputados à recorrente são subsumíveis ao tipo contraordenacional por cuja prática foi condenada.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
1. A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
“i) Da decisão administrativa
1. No dia 1 de junho de 2016, pelas 11h30, no passeio marítimo, concretamente no troço compreendido entre a ... e a ..., o estabelecimento …, explorado pela Recorrente, encontrava-se aberto com a esplanada montada no mencionado passeio, a laborar.
2. Na fiscalização realizada ao estabelecimento pela Polícia Marítima apenas estava presente a representante do gerente da Recorrente e empregada do
...

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