Acórdão nº 1288/22.1JALRA-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-09-26

Data de Julgamento26 Setembro 2023
Ano2023
Número Acordão1288/22.1JALRA-A.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


1. RELATÓRIO


A – Decisão Recorrida

No Proc. 1288/22.1JALRA, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juízo de Instrução Criminal, Juiz ..., foi pelo MP promovido o seguinte (transcrição):

III. Localização celular e listagem de comunicações:
Os crimes de burla informática e nas comunicações, p. e p. pelo artigo 221.º, n.º 1, de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 203.º, 204.º, n.º 2, alínea a), todos do Código Penal, e, ainda sabotagem informática e acesso ilegítimo, p. e p. pelos artigos 5.º e 6.º, n.ºs 1 e 5, alínea b) da Lei n.º109/2009, de 15 de Setembro, pelo que em abstrato falamos de crimes puníveis com uma moldura legal, no seu limite mínimo de 5 anos de pena de prisão e um limite máximo de 18 anos de pena de prisão.
A obtenção de dados de tráfego e a localização celular podem ser autorizadas nos termos do disposto no artigo 187.º, n.ºs 1 e 4, al. a) do Código de Processo Penal, aplicável por via do artigo 189º, n.º 2 do mesmo diploma.
No caso dos autos, os crimes em investigação admitem o recurso a estes meios de obtenção de prova, tendo em conta a sua moldura penal e os visados são os suspeitos da prática dos factos – artigo 187º, n.º 1, al. a) e 4, al. a) do Código de Processo Penal.
Acresce que, a Polícia Judiciária, realizou as diligências de investigação visando o apuramento dos autores de tais factos, nomeadamente, inspeção ao local do crime, com recurso a zaragatoa aos cabos soltos, localizados no interior da máquina fls. 31 e 32, bem como ao arame que se encontrava junto à máquina, do qual resultou em sede de exame pericial a fls. 69 e 70 que, não foi possível realizar exame lofoscópico por não existir área suficiente para a existência de vestígios lofoscópicos com valor identificativo, procederam ao visionamento das imagens de videovigilância instaladas no restaurante, que se situa a cerca de 10 metros de distância e efetuaram registo fotográfico, conforme Relatório de Exame Pericial de fls.34 a 53.
Das diligências de prova realizadas resulta a fls. 57 e 58 que, das imagens visionadas não foram identificados momentos com relevo para os autos, não se conseguindo apurar elementos suficientes que permitam identificar os autores destes factos.
Pese embora, haja notícia de um avistamento de dois indivíduos nas imediações, no dia factos em causa, no entanto não se conseguiu obter a sua identificação. Revelando-se todo este trabalho infrutífero. Posteriormente, a Polícia Judiciária procedeu à leitura das antenas de telecomunicações (BTS) conforme auto de localização celular de fls.59 e 60, dos autos.

MEO
(…)

VODAFONE
(…)

NOS
(…)

Em face do exposto, requer-se que seja solicitada às operadoras de serviço móvel de telecomunicações, nos termos do disposto nos artigos 187.º, n.º 1, al. a) e n.º 4, al. a) e 189.º, n.º 2 do Código de Processo Penal:
1.Pelo que, atentas as razões supra expostas, solicita-se que seja obtido junto das Operadoras Nacionais- ALTICE/MEO, VODAFONE E NOS Comunicações:
1.1 Listagens em suporte digital e formato EXCEL e PDF, contendo os respetivos números de telemóvel, IMSI e IMEI:
a) De todas as comunicações, (recebidas/efetuadas/falhadas ou concretizadas) nas antenas supra identificadas, no período compreendido entre as 00H00 e as 07H00 de dia 08-12-2022.
Tais elementos de prova são imprescindíveis e essenciais para a continuação da investigação dos factos, não havendo outras diligências que, em sua substituição, possibilitem apurar a verdade dos factos, identificar todos os seus autores e acautelar a prova.
Estamos perante dados de localização, os quais assumem uma natureza híbrida, integrando dados de base ou dados de tráfego. Contudo, o que se pretende são essencialmente dados de localização, enquanto dados base, que não contendem com as comunicações entre as pessoas e que abrangem somente a localização do equipamento em si.
Sucede que, após o Acórdão do Tribunal Constitucional nº268/2022, e, acompanhando na íntegra a posição, doutamente, defendida pelo autor e Procurador da República, Rui Cardoso, in Revista do Ministério Público 172, com o título “A conservação e a utilização probatória de metadados de comunicações electrónicas após o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022- o que nasce torto…”, em especial páginas 33 a 37, 55 a 64, as decisões que têm vindo a ser proferidas nesta matéria advêm de uma “indevida leitura do Ac. TC 268/2022 e de incorrecta interpretação do artigo 189.º do CPP, da Lei 41/2004, da Lei 32/2008 e da LCC”.
De acordo com a posição aventada por este autor, a qual acompanhamos as apontadas críticas baseiam-se na mistura do conceito de meio de prova, meio de obtenção de prova e conservação do meio de prova. Ora, “os metadados são, em si, meio de prova; em concreto, prova documental”, cujo conceito de documento está definido no normativo do artigo 255.º, alínea a) do Código Penal. Os metadados “(…) podem estar inscritos numa factura detalhada que seja enviada por correio físico ou electrónico para o domicílio do seu titular (…).”
Diferente é a forma como podem ser obtidos, para que depois os possamos utilizar como meios de prova, “(…) podem ser juntos (artigo 164.º, n.º1, do CPP), mas, quando corpóreos , são objectos susceptíveis de servir a prova e por isso podem ser apreendidos (artigo 178.º, n.º1, do CPP), apreensão que é um meio de obtenção de prova (…)”.
Quanto a admissibilidade dos metadados como prova documental em si, a mesma não foi objeto de “juízo de inconstitucionalidade”, não havendo como sufraga o mesmo autor “qualquer desconformidade constitucional” na sua utilização. A matéria apreciada pelo TC incide apenas sobre o regime de conservação desses dados prevista na Lei 32/2008, concluindo que “(…) Considerar que a utilização destes dados, em si, viola a Constituição, deve conduzir então a que, (…) todas as intercepções telefónicas e de dados informáticos o serão também, pois estas, além de permitirem o registo e utilização desses mesmos dados, fazem-no ainda relativamente ao conteúdo.” O que não se tem verificado.
No que respeita à norma declarada inconstitucional (artigo 6.º) sobre o limite temporal que incide sobre a conservação de dados, a mesma não define limites temporais, para a sua utilização probatória. Não fazendo sentido afirmar que o referido Acórdão do TC impeça a “utilização dos metadados para prova de quaisquer crimes, sejam eles os “crimes graves” definidos pela Lei n.º32/2008, sejam os previstos no n.º1 do artigo 187.º do CPP que não se incluam nessa definição de “crime grave”, conservados ao abrigo da Lei 41/2004.”. A declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral do artigo 4.º da Lei n.º32/2008, de 17 de julho, conjuntamente com o seu artigo 6.º e 9.º conduzem assim à aplicação das disposições dos artigos 187.º, n.º1, al. a) e 189.º, n.º 2, do CPP, artigo 6.º, n.º2 da Lei n.º41/2004, de 18 de agosto, artigo 10.º da Lei n.º23/96, de 26 de julho e artigo 11.º, n.º1, al. c), e 14.º, n.ºs 1 e 4 da Lei nº109/2009, de 15 de setembro.
Com efeito, as disposições processuais penais não foram revogadas pela Lei nº32/2008 de 17 de julho.
No que respeita a conservação desses dados, a mesma ocorre nos termos previstos no artigo 6.º, n.º 2 da Lei 21/2004, de 18 de agosto, durante seis meses, em cumprimento do artigo 10.º da Lei n.º 23/96 de 26 de julho, sendo um elemento de prova legal.
Assim como, a sua obtenção e transmissão pelas operadoras de comunicações eletrónicas é legítima e admissível, nos termos e para os efeitos do disposto na Lei n.º 41/2004 e dos artigos 11.º e 14.º da Lei n.º 109/2009 de 15 de setembro que se transcreve “já que a finalidade de investigação e repressão criminal é, em si mesma, uma finalidade de interesse público que pode legitimar o acesso e reutilização de dados pessoais, quando tal acesso se revele adequado, necessário e não excessivos face a tal finalidade.”.
Em face do exposto, promove-se que seja solicitada às operadoras de serviço móvel de telecomunicações, nos termos do disposto nos artigos 187.º, n.º 1, al. a) e n.º 4, al. a) e 189.º, n.º 2 do Código de Processo Penal:
1.Pelo que, atentas as razões supra expostas, solicita-se que seja obtido junto das Operadoras Nacionais- ALTICE/MEO, VODAFONE E NOS Comunicações:
1.1 Listagens em suporte digital e formato EXCEL e PDF, contendo os respetivos números de telemóvel, IMSI e IMEI:
a) De todas as comunicações (recebidas/efetuadas/falhadas ou concretizadas) nas antenas supra identificadas, no período compreendido entre as 00H00 e as 07H00 de dia 08-12-2022.

Sobre tal promoção foi proferido o seguinte despacho (transcrição):

Requer o Magistrado do Ministério Público que se solicite às operadoras de telefones móveis informação quanto a dados móveis, localização celular e facturação detalhada, quanto a um conjunto indeterminado de números (cujo identificação igualmente pretende), que accionaram determinadas antenas, em determinado lapso temporal, para investigação de crimes de furto qualificado, na forma tentada, sabotagem informática e acesso ilegítimo, ocorrido em 08 de Dezembro de 2022.
Invoca para o efeito o CPP.
No caso presente, o que se pretende é a obtenção de informação pretérita, reportada a determinado período concreto temporal.
Ora, independentemente de se saber qual o regime aplicável na sequência de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral dos Artigos , e da Lei n° 32/2008 de 17/07, a verdade é que o M.P. vem fundamentar a sua pretensão no Artigo 187º do CPP.
Ora, tanto tal normativo, quanto já o Artigo 9º da Lei supra referenciada, ora declarado inconstitucional previam como requisito legal para a obtenção de dados preservados, a qual idade de vitimas, intermediários ou suspeitos ou arguidos dos titulares dos dados a obter.
...

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