Acórdão nº 511/23 de Tribunal Constitucional (Port, 18 de Julho de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução18 de Julho de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 511/2023

Processo n.º 737/2023

Plenário

Relatora: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. José Augusto dos Santos Dias, militante n.º 14 do Partido político “CHEGA”, propôs, ao abrigo do disposto no artigo 103.º-D, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), ação para impugnação da deliberação do Conselho de Jurisdição do Partido de 13 de janeiro de 2023, que lhe aplicou sanção de expulsão no âmbito de procedimento disciplinar.

Na petição inicial com que propôs a ação, o ora recorrente formulou o seguinte pedido:

«Nestes termos, e nos mais de Direito, que V. Ex.as tão doutamente suprirão:

i) deverá ser considerado nulo o procedimento disciplinar;

ii) deverá ser considerada nula a decisão, uma vez que foram preteridas as disposições relativas ao direito a defesa, sendo violado o art.º 22º da Lei dos Partidos Políticos;

iii) deverá ser considerado o Impugnante sem qualquer antecedente;

iv) deverá ser considerada procedente a impugnação da deliberação, no que concerne à medida da pena, por inadmissibilidade da aplicação da pena de expulsão, por violação do art.º 9º do Regulamento Disciplinar, por falta de fundamentação quer dos factos imputados ao Impugnante quer da ratio da aplicação desta pena, dado que não se pode aplicar à partida a pena mais gravosa de todo um elenco de sete penas, sem justificar o porquê de não ter aplicado nenhuma das penas menos gravosas, violando todos os critérios de legalidade, objetividade e razoabilidade, bem como deverá ser considerada nula a pena de expulsão, por não ter sido fixado o prazo em que o Impugnante se encontra proibido de se reinscrever no partido, de acordo com o n.º 5 do art.º 9º do Regulamento Disciplinar;

v) deverá ser considerada nula a decisão, uma vez que contém, de forma deficiente e incipiente, a descrição sumária dos factos, sendo violado o art.º 22º da Lei dos Partidos Políticos e o art.º 32º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa;

vi) deverá ser considerada tal deliberação inconstitucional, por violação do Princípio da Proporcionalidade, Equidade, Necessidade e Adequação - violação do art.º 18º, da C.R.P., sendo a pena de expulsão aplicada desproporcional, injusta;

vii) pedindo-se, a final, se declare nula e sem nenhum efeito a pena disciplinar aplicada, revogando-se, em consequência, a deliberação recorrida.»

2. Através do Acórdão n.º 374/2023, a ação de impugnação foi julgada totalmente improcedente.

Lê-se em tal aresto o seguinte:

«[…]

4. Com interesse para a decisão da causa e tendo por base o consenso das partes e o acervo documental junto aos autos, importa considerar os seguintes factos:

a) O demandante era militante do Partido Político CHEGA;

b) Em 12 de outubro de 2022, o Conselho de Jurisdição Nacional do Partido CHEGA remeteu a José Augusto Silva Dias o documento de fls. 251, que aqui temos por reproduzido, informando-o da pendência no Conselho de Jurisdição Nacional do Partido CHEGA de procedimento disciplinar com proposta de expulsão e da faculdade que lhe assistia de, durante o mês subsequente, ser ouvido perante o órgão;

c) Depois de um contacto inicial em 10 de novembro de 2022 realizado por José Augusto Silva Dias, em que não foi possível agendar uma data consensual para ser ouvido, o militante deixou de responder às tentativas de contacto telefónico realizadas pelo Conselho de Jurisdição Nacional, tendo em vista realizar agendamento;

d) Em 13 de janeiro de 2023, o Conselho de Jurisdição Nacional do Partido CHEGA reuniu e deliberou a expulsão do militante José Augusto Silva Dias nos termos e com os fundamentos documentados a fls. 205 a 236, que aqui temos por reproduzidos, que lhe comunicou em 16 de janeiro de 2023.

7. O artigo 223.º, n.º 2, alínea h) da Constituição da República Portuguesa defere competência ao Tribunal Constitucional para julgar as ações de impugnação de eleições e deliberações de Partidos políticos que, nos termos da Lei ordinária, sejam recorríveis.

Os artigos 103.º-C a 103.º-E da LTC, em articulação com o disposto nos artigos 30.º e 34.º, n.º 2 e 3, da Lei n.º 2/2003, de 22 de agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis Orgânicas n.º 2/2008, de 14 de maio e n.º 1/2018, de 19 de abril (Lei dos Partidos Políticos – LPP), concretizam esta competência no plano infraconstitucional, estabelecendo o quadro de processo disciplinador da ação de impugnação de atos eletivos ou de deliberações produzidas por órgãos partidários.

Constitui uma componente estrutural deste regime jurídico-processual, consequente com o primado de mínimo de intervenção na vida interna dos Partidos e na liberdade da atividade política, o princípio de esgotamento dos meios internos de controlo da legalidade e compaginação estatutária de atos eletivos ou de deliberações dos Partidos Políticos, incluindo decisões punitivas, segundo o qual se reserva ao Tribunal Constitucional a função de órgão jurisdicional de recurso das decisões que sejam tomadas pela cúpula dos órgãos partidários com competência para exercer essa fiscalização a nível interno, nos termos dos respetivos estatutos (cfr. artigos 103.º-C, n.º 3 e 103.º-D, n.º 2, ambos da LTC e artigos 30.º, n.º 2 e 34.º, n.ºs 2 e 3, da LPP; - v., sobre o assunto e entre outros, Acórdãos do TC n.ºs 2/2011 (em plenário), 177/2019, 155/2020, 326/2022 e 470/2022).

É sintomático que, na redação do preceito constitucional e das normas da Lei n.º 2/2003, de 22 de agosto, a ação jurisdicional neste domínio seja classificada de «recurso», a iniciativa processual do militante seja caracterizada pelo verbo de ação “recorrer” e que o objeto da apreciação pelo Tribunal Constitucional seja definido como consistindo em decisões recorríveis (cfr. artigo 223.º, n.º 2, alínea h), in fine, da Constituição da República Portuguesa, 30.º, n.º 2, e 34.º, n.º 3, ambos da LPP). O Tribunal Constitucional resulta assim qualificado como órgão de controlo e de revisão das decisões dos órgãos jurisdicionais dos Partidos, cuja caracterização, por seu turno, ficará próxima dos Tribunais arbitrais, como a jurisprudência vem assinalando (v. Acórdãos do TC n.ºs 185/2003 e 396/2021). Existirá, por isso, uma relação de hierarquia entre o Tribunal Constitucional e o órgão jurisdicional partidário, mas que relega este foro para uma função de mera revisão do juízo adotado.

Assim, no caso de recurso de decisão disciplinar punitiva de um militante (artigo 103.º-D, n.º 1, 2.ª parte, da LTC e artigo 30.º, n.º 2, da LPP), estamos perante uma figura jurídico-processual muito distante das ações declarativas dirigidas à impugnação de deliberações sociais, ou (v. g.) do exercício de poder disciplinar por entidade empregadora. Enquanto nestas se observa o princípio de plena jurisdição sobre todas as matérias de facto e de Direito que possuam relevância para a decisão da controvérsia, o objeto da impugnação perante o Tribunal Constitucional, entendido como patamar de recurso, ficará limitado às matérias sobre as quais o órgão jurisdicional formulou juízo ou quanto àquelas em que omitiu pronúncia que se pudesse dizer devida (v. Acórdão do TC n.º 590/2014) e, por outro, os parâmetros de controlo convocáveis pelo Tribunal Constitucional cingir-se-ão à conformidade legal e estatutária da decisão (cfr. artigo 103.º-D, n.ºs 1 e 2, da LTC).

8. Preterição de direito de audiência e contraditório

Encabeçando as questões que cumpre apreciar, o demandante alega que não lhe foi oferecida oportunidade de ser ouvido perante o órgão disciplinar, exercendo a sua defesa, antes de prolatada a decisão recorrida, assim em evidente abrogação do princípio do contraditório. Convoca em seu abono, a este propósito, o disposto no artigo 22.º (n.º 2), da LPP, e qualifica o vício como nulidades do procedimento disciplinar e respetiva decisão final (cfr. artigos 14.º-20.º, da petição).

Ora, a este propósito, é consensual entre as partes o reproduzido em Factos Provados b) e c): depois de lhe ser comunicada em 12 de outubro de 2022 a pendência do procedimento disciplinar junto do Conselho de Jurisdição Nacional, com a advertência de que poderia ser ouvido e que lhe caberia, no prazo de um mês, a iniciativa para que se calendarizasse a audiência com o órgão, o impugnante solicitou o agendamento dois dias antes do final do prazo, em 10 de novembro do mesmo ano. Não sendo possível concertar agendas nessa altura, os responsáveis do Conselho de Jurisdição Nacional desenvolveram tentativas de contacto telefónico para conciliar nova data, mas o impugnante não ofereceu resposta, cessando os contactos com o órgão e inviabilizando a realização de uma sessão em que pudesse ser ouvido em exercício de direito de defesa.

De sublinhar, a este propósito, que a crítica do demandante se esgota em dois argumentos: por um lado, não lhe ter sido remetida por escrito qualquer comunicação; por outro, a descrição factual do sucedido constante da decisão impugnada mostra-se algo vaga; em nenhum momento o impugnante oferece qualquer outra variante para o sucedido, nem sequer afirma a inveracidade do afirmado a este respeito no segmento inicial da decisão impugnada (cfr. artigos 15.º-18.º da petição).

Assim sendo e porque, como dissemos, a este Tribunal Constitucional de todo o modo não seria permitido rever a decisão em matéria de facto em face das limitações aos poderes cognitivos que decorrem do meio processual adotado (Acórdãos do TC n.ºs 355/2003, 338/2008 590/2014, 396/2021 e 542/2022), será de concluir pela improcedência do vício imputado: ao impugnante foi oferecida a possibilidade de exercer direito de audição e de defesa em consonância com o disposto no artigo 22.º, n.º 2, da LPP (e artigo 4.º, n.ºs 1 e 2, do Regulamento disciplinar do CHEGA) e, não apenas isso, a obstaculização à realização...

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