Acórdão nº 355/03 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Julho de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Pamplona Oliveira
Data da Resolução08 de Julho de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 355/2003 Proc. n.º 739/02 Plenário

Relator: Cons. Carlos Pamplona de Oliveira

Acordam no Tribunal Constitucional:

Na acção de impugnação das deliberações de 21 de Setembro de 2002 do Comité Central do Partido Comunista Português - pelas quais foram disciplinarmente punidos e cuja declaração de nulidade pediram neste Tribunal nos termos do artigo 103º-D da LTC -, os autores A., B. e C., inconformados com o acórdão da Secção que decretou a total improcedência do pedido, recorrem para o Plenário do Tribunal formulando na respectiva alegação as conclusões que seguidamente se transcrevem:

  1. O Acórdão recorrido reconhece que os Estatutos dos Partidos políticos, em geral - e do PCP, em particular - não são pródigos em matéria de garantias dos militantes;

    1.1. E vai mais longe, quando entende que os Artigos 60° e 62° dos Estatutos do PCP se não podem traduzir apenas na pronúncia de factos a imputar aos Recorrentes;

    1.2. Para o Acórdão recorrido é incontornável, para a efectivação dos direitos de defesa e respeito por certas exigências a cumprir na peça acusatória, designadamente:

    1. assentar em factos concretos identificados e identificáveis;

    2. proporcionar a possibilidade de oferecer a prova.

    1.3. E, além disso, é imprescindível que a deliberação punitiva seja motivada com indicação dos factos e do seu enquadramento jurídico-disciplinar;

    1.4. Estas exigências emergem, diz o Acórdão recorrido, dos comandos constitucionais pertinentes contidos, também, no Art. 32°, n.º 10 da CRP;

    1.5. É neste quadro, que expressamente é invocado, que o Acórdão recorrido declara que apreciará os vícios arguidos pelos Recorrentes;

  2. Diz também o Acórdão que a competência exclusiva para punir só cabe ao Comité Central quando se trate de punir um dos seus membros, o que contraria todas as anteriores decisões do Tribunal Constitucional e o Art. ----- dos Estatutos deste Partido;

  3. Apesar da fundamentação identificada em 1. a 1.5 destas Conclusões, o Acórdão recorrido afirma que os Recorrentes agiram numa fase de pugna eleitoral e deram dimensão pública às suas posições políticas, emitindo um juízo de censura sobre tais condutas por terem ocorrido à margem da estrutura interna do PCP;

    3.1. O exame do Acórdão recorrido abandonou os critérios que enunciou em 1. e foi antes verificar da bondade deontológica dessas condutas, à luz do circunstancialismo referido em 3.;

    3.2. A contradição entre as duas valorações é ostensiva: uma legal e constitucional, outra meramente deontológica;

    3.3. Desta contradição entre os motivos e a decisão há-de resultar a nulidade do Acórdão, ex vi do Art. 668°, n.º 1, alíneas c) e d), 2ª parte do C.P.C.;

  4. O Acórdão recorrido pondera, segundo critérios exteriores ao pedido, a conduta de cada um dos Recorrentes, dando como adequados, justos, proporcionais, os juízos de censura emitidos pela Direcção do Partido Recorrido;

    4.1. Ao eleger tais critérios como lógica e cronologicamente prioritários face aos critérios jurídico-constitucionais,

    4.2. E ao dar por assentes conclusões de factos que se não provaram, o Acórdão recorrido viola o Art. n.º 51°, n.º 5 e o Art. 37°, n.º 1 da C.R.P.;

    4.3. E, ao aceitar a bondade das sanções em homenagem a critérios de plausibilidade, a violação dos Arts. 32°, n.º 10, 51 , n.º 5 e 37°, n. 1, todos da C.R.P., é evidente;

    4.4. E, ao conferir definitividade ao subjectivismo das imputações da Direcção do Partido Recorrido, foram violadas as mesmas normas da Lei Fundamental;

  5. O que verdadeiramente está em causa nestes autos é o apuramento da conduta dos Recorrentes e do Partido Recorrido, ou seja, apreciar se as imputações se estribam em factos, se o princípio da prova e os direitos de defesa foram violados e se as sanções se acham adequadamente motivadas e suportadas em factos e circunstâncias de tempo, lugar e modo e, acima de tudo, se as deliberações punitivas se suportam em normas legais e constitucionais;

    5.1. Daí que o abandono deste iter valorativo e cognoscitivo pelo Acórdão recorrido e a eleição exclusiva das regras da plausibilidade, adequação e proporcionalidade, só por si, arrasta a violação dos já citados Arts. 51°, ns. 1 e 5 e 37°, n.º 1 da C.R.P., sem esquecer as garantias, igualmente violadas, do Art. 32°, n.º 10, também da C.R.P.;

  6. A deliberação que puniu os AA não vinha assinada.

    6.1. Tal omissão é geradora da nulidade ex vi do Art. 668°, n.º 1, alínea a) do C.P.C. e/ou do Art. 379°, n.º 1, alínea a) e Art. 374°, n.º 2, ambos do C.P.P.;

    6.2. O Acórdão recorrido entendeu que se tratava de uma mera irregularidade, o que se não admite;

    6.3. Na verdade, ou tal requisito é dispensável (e nem sequer é uma irregularidade) ou não o é e, neste caso, a nulidade é incontornável;

  7. Relativamente ao Recorrente A., o "comando" contido a págs. 7 da Decisão Punitiva (que apenas tinha 6 páginas) envolve a destruição do direito à prova, pois que se demonstra que a decisão disciplinar seria a mesma fosse qual fosse a prova testemunhal produzida;

    7.1. Aliás, as testemunhas oferecidas não foram inquiridas sobre quaisquer factos;

    7.2. Estas violações determinam o afrontamento do Art. 32°, n.º 10 da CRP;

  8. Acresce que as deliberações que se consubstanciaram nas sanções aplicadas aos Recorrentes não continham (nem contêm) quaisquer factos, nem eram acompanhadas pelas circunstâncias de tempo, lugar e modo, que habilitassem os Recorrentes a oferecer uma adequada e proporcional defesa;

    8.1. O Acórdão recorrido não entendeu que esta “vaguidade” e generalidade afrontassem o Art. 32°, n.º 10 da C.R.P., o que arrastou consigo a violação deste preceito pelo próprio Acórdão;

  9. A deliberação punitiva que atingiu o Recorrente C., para além de todos os vícios, também não continha qualquer norma sancionadora, nem a identificava;

    9.1. Esta omissão não se compadece com a motivação que o Acórdão declarou ir adoptar para examinar a conduta do Partido Recorrido, nem sequer se adequa aos direitos do Recorrente;

    9.2. Daí a nulidade do Acórdão ex vi do Art. 668°, n.º 1, alínea c) do C.P .C. e a sua ilegalidade por afrontamento ao Art. 32°, n.º 10 da C.R.P .

    Nestes termos e nos mais de direito, deve ser concedido provimento ao presente Recurso e, consequentemente:

    1. Declarada a nulidade do Acórdão recorrido pelos indicados fundamentos;

    2. Se assim não se entender, deve o mesmo ser revogado e, consequentemente, ser julgada procedente, por provada, a acção de impugnação, com todas as legais consequências para que se faça justiça.

    O Réu ora recorrido contra-alegou em defesa do julgado.

    Importa decidir, nos termos referidos nos artigos 103º-C n. 8 (103º-D n. 3) da Lei do Tribunal Constitucional e 690º n. 1 do Código de Processo Civil, dando como assentes os factos apurados pela Secção.

    Far-se-á, liminarmente, uma breve referência ao tema tratado à cabeça da alegação. É que, sob a designação de “questão prévia”, os Recorrentes começam por tecer um conjunto de considerações a propósito do prazo de 5 dias - que escrupulosamente observaram - dentro do qual é obrigatório, nos termos do n. 8 do artigo 103º-C da LTC, juntar aos autos as suas alegações de recurso; em seu entender, a imposição desse prazo coloca-os “muito longe do direito a um processo justo e equitativo”, constituindo mesmo “uma ostensiva violação do artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”.

    O Tribunal não vai, porém, tratar desta matéria.

    É que verdadeiramente os Recorrentes não propõem qualquer “questão”, ao Tribunal. Com efeito, nada foi requerido quanto ao assunto - nenhuma conclusão juridicamente útil ou operante é extraída, por exemplo, da alegada violação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem -, sendo certo que o tema nem sequer foi levado às conclusões da alegação. Ora a função deste Tribunal, como a dos demais, é a de julgar pretensões regularmente deduzidas em juízo mediante um expresso pedido de resolução do conflito. Na ausência de tais pressupostos, nada haverá que decidir.

    Assim, o efeito que, através dessas considerações preliminares, os Recorrentes pretendem obter será unicamente o de alertar o Tribunal para a circunstância de terem redigido apressadamente o seu articulado, facto que - admitem - se terá repercutido “na ponderação, na profundidade e até no rigor” da sua alegação de recurso. Nada mais se visaria, portanto, senão explicar antecipadamente a ocorrência de algumas deficiências de que porventura possa enfermar a peça em questão.

    E é...

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