Acórdão nº 338/08 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Junho de 2008

Magistrado ResponsávelCons. M
Data da Resolução19 de Junho de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

Acórdão n.º 338/2008 Processo n.º 915/06 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. Relatório

1.1. Fernando José da Costa Salgado (doravante designado por primeiro impugnante) e Manuel Joaquim Duarte Santos (doravante designado por segundo impugnante), militantes do Partido Socialista (PS), vieram, ao abrigo do artigo 103.º-D da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), impugnar as deliberações tomadas pela Comissão Nacional de Jurisdição do PS, em 12 de Outubro de 2006, que determinaram a sua expulsão, sustentando, em síntese, que os processos disciplinares que lhes foram instaurados e as respectivas decisões finais violaram, nomeadamente, os artigos 13.º e 51.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa (CRP), 5.º, n.º 2, e 23.º da Lei dos Partidos Políticos, 127.º, n.º 1, alínea g), e 668.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil (CPC), 80.º, n.º 2, 81.º, n.º 1, alínea d), 83.º, n.º 2, e 99.º dos Estatutos do Partido Socialista, e 3.º, n.º 1, alínea d), 5.º, n.ºs 2 e 5, 15.º, n.º 2, 21.º, n.º 3, 23.º, n.º 1, 25.º, n.º 1, 26.º, n.º 2, 34.º, n.º 1, 39.º, n.º 2, 40.º e 45.º do Regulamento Disciplinar do Partido Socialista.

Nas respectivas petições, que originaram, respectivamente, os Processos n.ºs 915/06 e 915/06-A, tendo, por despacho do Presidente do Tribunal Constitucional, sido determinada a apensação do segundo processo ao primeiro –, referem os impugnantes, em suma:

1) São militantes do PS, o primeiro desde 1995, encontrando-se filiado com o n.º 30 275, e o segundo encontrando-se filiado com o n.º 17 335;

2) Têm sido, desde a primeira hora, militantes activos do PS, tendo feito parte dos respectivos órgãos locais de direcção e sendo, actualmente, dirigentes distritais (elementos da Comissão Política Distrital);

3) Foram eleitos nas listas do PS à Assembleia Municipal de Vila Nova de Famalicão, sendo presentemente seus membros;

4) Em Novembro de 2005, após mais de três anos sem que houvesse eleições para os órgãos concelhios, foram marcadas eleições para a Comissão Política Concelhia do PS da secção de Vila Nova de Famalicão, para o dia 17 de Dezembro de 2005, tendo-se apresentado duas listas a sufrágio: a lista A, protagonizada pelo primeiro impugnante e integrada pelo segundo impugnante, e a lista B, encabeçada pelo Deputado à Assembleia da República, eleito pelo PS, Nuno Sá;

5) No entanto, o referido acto eleitoral foi suspenso, cerca de 48 horas antes, pelo Secretariado Distrital de Braga do PS, com fundamento em suposta violação dos Estatutos do PS (artigo 116.º, n.º 4) por parte da lista A, em relação ao preenchimento das quotas femininas;

6) Esse comportamento do Secretariado Distrital de Braga do PS foi entendido pela maioria dos militantes do PS da Secção de Vila Nova de Famalicão como um forma de protrair mais uma vez o acto eleitoral, por a lista B, protegida por esse Secretariado, correr sérios riscos de ser derrotada;

7) Foi então que os impugnantes, conjuntamente com mais de 600 militantes inscritos naquela Secção do PS, participaram num acto eleitoral que decorreu fora da sede do partido, numa auto-caravana;

8) Os resultados desse acto eleitoral (611 votos na lista A, 34 na lista B, 3 votos em branco e 1 voto nulo) foram remetidos para o órgão federativo competente (Secretariado Distrital), para dar posse à lista vencedora e ao primeiro impugnante como Presidente da Comissão Política eleita pelos militantes do PS;

9) Porém, ao invés, os impugnantes foram alvo de processos disciplinares, que culminaram com as deliberações de expulsão ora impugnadas;

10) Esses processos disciplinares estão pejados de ilegalidades, não tendo sido respeitadas as elementares garantias de defesa dos impugnantes;

11) O primeiro impugnante teve conhecimento formal que contra si pendia um processo disciplinar quando recebeu uma notificação, emanada do escritório profissional do militante António Reis (que também é advogado na comarca de Barcelos), convidando-o para prestar declarações, na sede distrital do Partido Socialista;

12) Apesar de não se tratar de uma notificação formal, o primeiro impugnante deslocou-se no dia 10 de Maio de 2006, à sede da Federação Distrital de Braga, para ser inquirido e colaborar com a descoberta da verdade, conforme oportunamente declarou;

13) Nesse dia, o primeiro impugnante colocou algumas questões prévias relativas à existência de mandato para o militante António Reis instruir o processo e à admissibilidade de um militante do mesmo distrito instruir o processo, tendo em consideração o estatuído no artigo 81.º, n.º 1, alínea d), dos Estatutos do PS;

14) Não obstante o solicitado, o militante António Reis não exibiu qualquer mandato que o habilitasse a instruir o processo disciplinar;

15) O primeiro impugnante supõe que o militante António Reis foi “escolhido” para instruir o processo porque seria aquele que mais motivações de ordem pessoal tinha para propor a expulsão;

16) A escolha do militante António Reis para instruir o processo, pela Comissão Nacional de Jurisdição, viola o princípio do juiz natural, porque não respeitou a ordem da distribuição, conforme estatui o Regulamento Disciplinar no artigo 23.º;

17) Apesar de a participação dos queixosos ter sido dirigida contra os dois impugnantes e contra os militantes Maria José Gonçalves, Vereadora na Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, e Ivo Sá Machado, Presidente de Junta de Freguesia da Vila de Joane, apenas foi aberto processo disciplinar aos dois primeiros, ficando os demais ilibados e absolvidos;

18) Este comportamento discriminatório viola claramente o princípio da imparcialidade e independência (artigo 80.º dos Estatutos do PS), bem como o princípio da igualdade, consignado no artigo 13.º da CRP;

19) Após o primeiro impugnante ter-se disponibilizado para cooperar com o Partido na descoberta da verdade, não mais foi ouvido, na fase de inquérito, tendo, em 18 de Julho de 2006, o instrutor escolhido remetido ao primeiro impugnante a “nota de culpa”;

20) O segundo impugnante só teve conhecimento formal de que contra ele pendia um processo disciplinar quando recebeu a nota de culpa;

21) Podendo ser fixado um prazo de defesa, em relação à nota de culpa, entre os 8 e os 30 dias, foi fixado um prazo de 10 dias, prazo que é manifestamente curto, para o exercício cabal do direito de defesa, tendo em consideração a complexidade do processo em análise;

22) Os impugnantes deduziram o incidente de suspeição do instrutor, invocando essencialmente três circunstâncias: (i) inimizade entre os impugnantes e o instrutor (que é recíproca e forte); (ii) o facto de o instrutor ser membro da Federação Distrital de Braga do PS, em clara violação do artigo 81.º, n.º 1, alínea d), dos Estatutos do PS; e (iii) a forte amizade do instrutor em relação a um participante queixoso, no caso, Joaquim Barreto, Presidente da Federação;

23) Os impugnantes indicaram testemunhas, para serem ouvidas, no que respeita ao incidente de suspeição, mas, em decisões sumárias, o Presidente da Comissão Nacional de Jurisdição decidiu indeferir os incidentes de suspeição suscitados, não obstante os fundamentos serem pertinentes;

24) O indeferimento infundado do incidente de suspeição é mais uma razão violadora do princípio da imparcialidade e da justeza;

25) Entretanto, mais umas eleições internas se avizinhavam no Partido Socialista, desta feita para a constituição de listas de Delegados ao Congresso Nacional e antes que os impugnantes patrocinassem e participassem, mais uma vez, uma lista candidata contra o status quo, havia que rapidamente os expulsar, mas, como a pressa é inimiga da perfeição, foi cometido erro formal quando, através dos ofícios da CNJ, de 13 de Outubro de 2006 (que o primeiro impugnante recebeu no dia 18 e o segundo impugnante no dia 19), lhes foram remetido os acórdãos das decisões finais, capeados por cartas assinadas, digitalmente, pelo Presidente da CNJ do PS, mas sem que os acórdãos estivessem assinados, talvez porque ainda não tivessem recolhido as assinaturas bastantes para formar quorum, existindo dúvidas quanto à existência de alguma reunião, no dia 12 de Outubro, na Sede Nacional do PS;

26) Assim sendo, os acórdãos que decidiram as expulsões são nulos e de nenhum efeito;

27) Acresce à nulidade dos acórdãos por falta de assinaturas (cf. artigo 39.º, n.º 2, do Regulamento Disciplinar e artigo 668.º, n.º 1 alínea a), do CPC, aplicado por analogia), o facto de terem sido remetidos em correio simples (não registado), em clara violação do disposto no artigo 21.º, n.º 3, do Regulamento citado;

28) Como a recolha de assinaturas poderia atrasar a expulsão (e esta era urgente por razões eleitorais, como se explanou), então enviaram-se os acórdãos mesmo não assinados, para que, internamente, produzissem efeitos a tempo de impedir a capacidade eleitoral dos impugnantes, tendo, assim, a irregularidade formal cometida por fundamento a urgência da decisão de expulsão, postergando os mais elementares direitos de defesa e as regras de tramitação processual;

29) Acerca do mérito das decisões, resulta do teor dos acórdãos que se tratou de decisões “encomendadas”;

30) Na verdade, não há precedente no PS que numa situação deste jaez conduzisse a tão grave efeito: a expulsão;

31) Basta ver que muitos militantes da Comissão Concelhia de Vila Nova de Famalicão constituíram um movimento independente e concorreram contra o PS nas eleições autárquicas, nomeadamente para a Câmara, Assembleia Municipal e Assembleias de Freguesia, e nada lhes aconteceu;

32) Aliás, em Vila Nova de Famalicão, nas eleições autárquicas de 2001, formou-se um movimento denominado Movimento Agostinho Fernandes (MAF), constituído essencialmente por militantes do PS e nada lhes aconteceu, não obstante terem concorrido contra...

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