Acórdão nº 185/03 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Abril de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Artur Maurício
Data da Resolução03 de Abril de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 185/2003

Proc. N.º 739/02

TC ? 1ª Secção

Rel.: Cons.º Artur Maurício

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:

1 ? A, B e C, todos com os sinais dos autos, propõem contra o Partido Comunista Português (PCP) acção de impugnação das deliberações do Comité Central do PCP, de 21/09/02, adiante melhor identificadas, nos termos do artigo 103º-D da LTC, pedindo a declaração da nulidade das referidas deliberações.

Na petição, depois de sustentarem que cabe na área da competência material do Tribunal Constitucional ?apreciar a regularidade formal e a verificação das formalidades essenciais que, constitucionalmente, são incontornáveis (...)? [artº 32º], os AA. definem o quadro legal e constitucional em que se movem no âmbito da presente acção [artºs 33º e segs.], invocando o disposto nos artigos 1º, 17º, n.º 1 e 19º do Decreto-Lei nº 595/74, de 7 de Novembro, 46ºe 51º (em particular o nº 4) e 103º-D e 103º-E da LTC.

Alegam, depois, que:

- A aplicação da pena de expulsão está reservada, em exclusivo, ao Comité Central do PCP [artº 48º, alegação repetida nos artºs 98º e segs. alargada à pena de suspensão imposta a C];

- ?(...) as três acusações estão estribadas em meras abstracções, imputações genéricas, conceitos vagos.? [artº 63º];

- ?(...) mesmo na imputação de comportamentos, as acusações não identificam quaisquer factos, nem muito menos as circunstâncias de tempo, lugar e modo de onde extraia a possibilidade de defesa dos aqui AA..? [artº 64º];

- ?(...) imputam-se aos AA. delitos emergentes das suas ideias, conjuntamente com as de centenas ou milhares de militantes, de reunir um Congresso, de eleger democraticamente os órgãos dirigentes, de censurar a prática política da Direcção ? quando elegeu o PS como inimigo principal , de manifestar em artigos de opinião e entrevistas as suas ideias, relativamente à sociedade, ao País e à Direcção do seu Partido face a uma e a outro? [artº 66º];

- ?Na qualificação destas condutas, a Acusação entende que:

  1. as mesmas são desenvolvidas em conjunto com outros membros do Partido, sem dizer como, com quem, por que meio e em que circunstâncias;

  2. os AA. incitam outros a seguirem as suas posições o que, não sendo ilícito e sendo, até, inerente à actividade política, não se estriba em qualquer facto de onde emirja tal ?acusação?;

  3. os AA. visam legitimar e impor na prática a constituição de ?fracções organizadas dentro do Partido?, esquecendo-se do essencial, ou seja, dos factos de onde se pode extrair essa imposição de fracções, quais os seus membros, os vínculos existentes entre eles, a sua organização, o seu ideário, a sua prática coerente, organizada e anunciada interna e externamente.? [artº 67º];

    - ?(...) os ingredientes que se aproximam da matéria de facto são meros delitos de opinião? [artº 69º];

    - ?As punições aplicadas a cada um dos AA.., mais uma vez, não contêm qualquer matéria de facto e cingem-se às apreciações genéricas sobre a conduta dos mesmos? [artº 78º];

    - ?(...) todas e cada uma das imputações e todo o processo visaram impedir os AA. de exercer o direito de opinião, de participar activamente na vida do Partido, de combater as afirmações que sobre si eram produzidas, de intervir civicamente, de reunir e conviver e expressar as suas convicções, em suma exercer direitos que lhes estão garantidos na CRP e na Lei.? [artº 90º];

    - ?bastaria a invocação da violação de direitos consagrados nos arts. 37º e 45º da CRP, aplicáveis directamente ex vi artº 18º, nº 1 da CRP, obviamente enquadrados na sua interpretação e aplicação, pelo contexto partidário em que se movem os AA. e o R, mas cuja postergação, mesmo neste contexto, não é juridicamente aceitável? [artº 91º]

    - ?No entanto, é claro o comando do artº 19º do DL nº 595/74 de 07 de Novembro que, respeitando o contexto partidário, impõe a compatibilização da disciplina partidária com o exercício dos direitos prescritos pela Constituição e pela Lei? [artº 92º]

    No que concerne ao procedimento em que o 1º Autor (A) foi punido, alegam ainda que:

    - Requerida prova testemunhal sobre toda a matéria de facto, ela não foi ouvida a qualquer ponto concreto da Acusação e da Defesa, não relevando, em momento algum, ?na decisão que previamente havia sido congeminada? [arts. 106º a 120º]

    - O sentido da pág. 7 da resolução punitiva (transcrita infra, alínea O) é o de que:

    ?A decisão estava tomada antes da reunião do órgão que deliberou;

    Foi uma pessoa ou órgão estranhos ao órgão que deliberou que formou a vontade desse órgão que deliberou;

    A decisão estava tomada antes de serem ouvidas as testemunhas;

    Fosse qual fosse o conteúdo dos depoimentos das testemunhas a decisão era imodificável? [artº 128º]

    Concluem os AA. no sentido de que ?é ostensiva:

  4. a violação de direitos fundamentais dos AA., mesmo e como membros do Partido Comunista Português;

  5. a violação dos Estatutos do PCP, quando o órgão que os puniu não foi o Comité Central;

  6. a violação do direito de defesa do A quando, sem prova e independentemente dela, um ente diferente do que decidiu, ordenou, recomendou ou preconizou a mera formalização da audição de testemunhas, mesmo antes de elas serem ouvidas, dando por consumada a decisão, independentemente do teor, impacto, alcance, sentido e relevo da prova produzida, o que se veio a verificar, por via do exacto e rigoroso cumprimento formal e substantivo dessa ordem, recomendação ou opinião.? [artº 131º]

    Finalmente, reportam-se os AA. ao que qualificam de ?vícios autónomos? (das deliberações do Comité Central do PCP) e dizem que:

    - As deliberações são nulas por não virem assinadas [arts. 133º a 139º];

    - Os relatórios em que elas assentaram não têm qualquer conteúdo fáctico, sendo vagos e abstractos [arts. 140º a 150º];

    - Esta ?omissão de pronúncia (...) seja numa perspectiva civilista, seja sob um ponto de vista penalista, determina a nulidade das deliberações aqui impugnadas (artº 668º nº 1 alínea b) do CPC e artº 379º nº 1 alínea a) e artº 374º nº 2, ambos do CPP) ? [artº 155º];

    - Acrescendo que, no caso de C, não é sequer identificada a norma jurídica violada [artº 151º].

    Pedem os AA. que seja julgada procedente a presente impugnação e decretadas:

  7. A nulidade do processo disciplinar;

  8. A nulidade das deliberações do Comité Central que rejeitaram os recursos interpostos pelos 1º e 2º AA. e que confirmaram, quer a deliberação do Secretariado do Comité Central ? que os puniu com a pena de expulsão ? quer a deliberação da Comissão Central de Controlo, através da qual foram ratificadas as sanções aplicadas;

  9. A nulidade da deliberação do Comité Central que procedeu à ratificação da sanção de dez meses de suspensão aplicada ao 3º A por deliberação do Secretariado do Comité Central;

  10. Todas as legais consequências decorrentes dessas declarações de nulidade.?

    Contestou o Partido Comunista Português, por excepção e impugnação.

    Por excepção, suscitou o R as questões que infra se enunciam.

    Por impugnação, articulou, em síntese, que:

    - o Secretariado tem competência, no quadro dos Estatutos do PCP, para proferir as decisões que puniram os AA. (artºs 336º a 354º);

    - as deliberações impugnadas revelam que foram ponderados os factos, os quais se deram como provados, e referem as normas estatutárias violadas, tendo todos os membros do Comité Central disposto de toda a documentação pertinente (artºs 328º e 329º), tendo o mesmo órgão, no que respeita à ratificação da decisão que puniu C, feito sua a deliberação do Secretariado por remissão;

    - não se verifica o vício de falta de assinatura das resoluções do Comité Central, não se podendo, ainda, estabelecer qualquer similitude com a assinatura das sentenças (artºs 293º a 313º);

    - A não especificou a que factos deveriam ser ouvidas as testemunhas que ofereceu, não podendo ele pretender que elas fossem inquiridas sobre conclusões e apreciações subjectivas do próprio A, sendo certo que o A não contestou os factos que constam do ponto 2 da acusação (artºs 271º a 275º);

    - as testemunhas depuseram sobre tudo aquilo de que tinham conhecimento e, nada mais tendo declarado, não caberia à entidade instrutora adivinhar o que o A pretendia que fosse perguntado (artºs 276º a 280º);

    - é forçada a interpretação que se faz do que consta da pág. 7 da notificação feita a A, tendo ela sido elaborada porque só muito tarde as testemunhas apareceram e estava preparada a hipótese do seu não comparecimento (artº 282º);

    - não estava previamente decidida a sanção a aplicar aos AA., uma vez que a actuação dos AA. se arrastou durante vários meses sem sanções disciplinares (artºs 288º a 291º);

    - as acusações fazem imputações de factos aos AA., não assentando em imputações vagas e imprecisas ou em conceitos vagos, genéricos ou abstractos (artºs 142º, 225º a 227º, 243º, 246º e 247º);

    - os AA. confessaram, nas suas respostas, os factos que lhes foram imputados (artºs 189º a 191º, 228º a 231º, 248º a 252º);

    - os factos dados como provados integram infracções aos Estatutos do PCP.

    Nos respectivos articulados ofereceram as partes prova testemunhal e com eles juntaram documentos.

    Os requerentes foram ouvidos sobre as questões prévias, alegando que cumpriram rigorosamente os despachos de que foram notificados, despachos esses que nunca foram impugnados e transitaram em julgado.

    Cumpre decidir, em primeiro lugar, as questões prévias suscitadas pelo R.

    2 - Já no Acórdão n.º 5/2003, proferido no presente processo, sobre o pedido de suspensão de eficácia das deliberações impugnadas, se conheceram essas questões, embora com efeitos limitados a tal pedido.

    Não vê o Tribunal razões para abandonar aqui o entendimento então adoptado que, por isso, se transcreve e passa a constituir também parte do presente aresto.

    Escreveu-se no citado Acórdão, começando por elencar as questões suscitadas:

    ?- Consubstanciando o despacho que indeferiu a apensação aos Procs. nºs 554/02, 554-A/02 e 554-B/02, um despacho de indeferimento liminar, os requerentes deveriam ter apresentado uma nova petição no prazo de cinco dias após o...

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