Acórdão nº 396/21 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução07 de Junho de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 396/2021

Processo n.º 376/21

3.ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Manuel António dos Santos impugnou, junto deste Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 103.º-D, n.º 1, da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, doravante designada por LTC), o «Acórdão proferido pela Comissão Nacional de Jurisdição do Partido Socialista», de 30 de março de 2021, que lhe aplicou a sanção de suspensão de eleger e ser eleito pelo período de dois anos.

2. O ora impugnante alegou o seguinte:

«[…]

II. Da Violação do Artigo 17.º, Número 8., do Regulamento Processual e Disciplinar do Partido Socialista, Consubstanciada na Aplicação de Sanção Disciplinar Inaplicável ao arguido, ora Impugnante

5.º

Foi aplicada ao ora Impugnante, Manuel António dos Santos, pela Comissão Nacional de Jurisdição do Partido Socialista, a sanção disciplinar de suspensão do direito de eleger e ser eleito pelo período de 2 (dois) anos (vide página 15., do Acórdão da Comissão Nacional de Jurisdição, que constitui o documento número 1., já junto à presente petição).

6.º

Ora, tal sanção encontra-se prevista no artigo 17.º, número 1.5., do já supracitado Regulamento Processual e Disciplinar do Partido Socialista, no qual se dispõe:

“Os membros do Partido estão sujeitos à disciplina partidária, pelo que em caso de infração aos deveres a que estão sujeitos, podem ser-lhes aplicadas as seguintes sanções:

(…)

5. Suspensão do direito de eleger e ser eleito até dois anos.”

7.º

No mesmo artigo 17.º, número 8., do invocado Regulamento, determina-se, taxativamente, e sem qualquer margem para dúvidas interpretativas, o seguinte:

“A suspensão do direito de eleger e ser eleito até dois anos é aplicável por infração cometida por quem sendo dirigente do Partido manifeste grave e reiteradamente desrespeito à observância dos deveres de militância, em especial às deliberações tomadas pelos órgãos competentes.” (negrito e sublinhado nossos).

8.º

Ora, o Arguido e ora Impugnante, para além de não ter cometido nenhuma infração disciplinar e para além de não lhe terem sido concedidas as mais básicas e elementares garantias de defesa, tendo a instrução do processo disciplinar sido uma autêntica catástrofe e hecatombe em termos legais e processuais, tudo como infra amplamente se demonstrará, não exerce, nem exercia, à data dos factos que lhe são imputados, qualquer cargo de dirigente no Partido Socialista.

9.º

Sendo que a última vez que o ora Impugnante exerceu qualquer cargo dirigente no Partido Socialista foi no mandato do Secretário Geral António José Seguro, que cessou em 2014, tendo sido, a partir desse momento, militante de base, condição que mantém até à presente data.

10.º

Facto que é do conhecimento público e, natural e inegavelmente, do conhecimento do Partido Socialista, tanto mais que foi julgado, em primeira instância, pela Comissão Federativa de Jurisdição do Porto, decisão da qual recorreu para a Comissão Nacional de Jurisdição, culminando tal recurso com a decisão ora impugnada.

11.º

Comissão Federativa de Jurisdição do Porto que instruiu e julgou, em primeira instância, o ora Impugnante, exatamente por este não ser dirigente, já que se o ora Impugnante, então Arguido, fosse dirigente, integrando os órgãos nacionais ou das Federações do Partido Socialista, a instrução e julgamento do processo disciplinar caberia exclusivamente à Comissão Nacional de Jurisdição, como resulta do disposto no artigo 4.º, número 4., do Regulamento Processual e Disciplinar do Partido Socialista.

[…]

15.º

Não podendo, por essa razão, e em confronto com o disposto no já supra indicado número 8., do artigo 17.º, do Regulamento Processual e Disciplinar do Partido Socialista, ser aplicável ao ora Impugnante, como erroneamente foi, a sanção de suspensão do direito de eleger e de ser eleito, pelo prazo de 2 (dois) anos.

16.º

Assim sendo, e face ao que fica supra exposto, terá forçosamente que ser declarada nula, por violação, manifesta e grosseira, do artigo 17, número 8., do Regulamento Processual e Disciplinar do Partido Socialista, a sanção disciplinar aplicada ao Arguido, ora Impugnante, sendo tal sanção, nos termos regulamentares previstos, inaplicável ao caso sub judice.

17.º

Nulidade que, desde já, se invoca, e que se requer seja declarada por esse Venerando Tribunal.

III. Dos Vícios do Procedimento Disciplinar e da Decisão IMPUGNADA

18.º

A decisão ora impugnada, tal como a decisão da primeira instância, é manifestamente inválida por, no procedimento que culminou na aplicação de sanção disciplinar ao ora Impugnante, terem sido violadas, de forma clara e flagrante, além do mais e como infra melhor se dilucidará, todas as formalidades essenciais e as mais elementares garantias de defesa do então Arguido, ora Impugnante, fazendo-se tábua rasa do disposto na Lei, nos Estatutos e no Regulamento Processual e Disciplinar do Partido Socialista, numa manifestação que se está em crer, sob pena de total alienação do património e do ideário do Partido Socialista, ser única e irrefletida e não consubstanciar, por consequência, um sinal alarmante de degeneração democrática do Partido Socialista e de capitulação deste partido na já sinalizada e amplamente discutida corrosão dos partidos.

[…]

► Dos Vícios do Procedimento Disciplinar em Concreto

A. Da Ausência de Participação Disciplinar e da Violação do Artigo 25.º, do Regulamento Processual e Disciplinar do Partido Socialista

21.º

Compulsado o processo disciplinar, verifica-se inexistir qualquer participação disciplinar, tendo o processo na sua génese um e-mail remetido por “Catarina Faria”, junto a fls. 2., dirigido ao Exmo. Senhor Dr. Luciano Vilhena Pereira, do qual resulta expresso o seguinte:

“Por incumbência da secretária-geral Adjunta, Ana Catarina Mendes, envio o conteúdo da deliberação tomada na Comissão Permanente, pedindo-lhe a melhor atenção”.

22.º

Após a assinatura surge transcrito, no indicado e-mail, o seguinte texto:

“A Comissão Permanente do Partido Socialista, considerando a informação agora conhecida do arquivamento - atenta a intenção de não participar disciplinarmente da visada e sem prejuízo da compreensão que tal decisão do ponto de vista pessoal possa merecer - mas considerando que as declarações proferidas pelo militante Manuel dos Santos são, objetivamente, graves, atentatórias e vexatórias do Partido Socialista, da sua história, da sua Declaração de Princípios e dos seus Estatutos, porque eivadas de um preconceito rácico e misógino inaceitáveis no Partido; de uma linguagem e referências inapropriadas entre militantes e de uma intenção de ofensa censurável, delibera, por unanimidade:”

23.º

Tal e-mail foi reencaminhado para os serviços administrativos, pelo Exmo. Senhor Dr. Luciano Vilhena Pereira, digníssimo Presidente da Comissão Federativa de Jurisdição do PS Porto, que determinou a sua autuação como processo disciplinar e a sua distribuição, encontrando-se a fls. 4., lavrado despacho, assinado pelo identificado Presidente da Comissão Federativa de Jurisdição do PS Porto, datado de 23 de maio de 2018, com o seguinte teor:

“Face à participação que antecede autue como processo disciplinar e distribua pela ordem de sorteio recentemente efetuado.”

24.º

No que respeita à participação disciplinar, dispõe, expressamente, o artigo 25.º, do Regulamento Processual e Disciplinar do Partido Socialista, o seguinte:

“1. O procedimento disciplinar depende da participação de órgão ou filiado do Partido no pleno gozo dos seus direitos.

2. A participação revestirá a forma escrita e deverá vir assinada com a indicação da morada ou sede do participante e ainda da sua Secção quando se trate da pessoa singular.

3. O participante deverá descrever sumariamente os fatos imputados e fornecer os meios de prova.

4. Verificando‑se que a participação não satisfaz os requisitos indicados nos números anteriores, deverá o participante ser notificado para a corrigir ou completar no prazo de cinco (5) dias sob pena de, não o fazendo, se ordenar o arquivamento do processo.”

25.º

Da supra citada disposição do Regulamento Disciplinar do Partido Socialista resulta uma primeira e inevitável conclusão: o órgão disciplinar não pode promover o procedimento disciplinar na ausência de participação disciplinar, por o procedimento disciplinar depender de participação de órgãos ou filiado do Partido no pleno gozo dos seus direitos.

26.º

Sendo que a existir tal participação disciplinar esta terá que obedecer aos requisitos expressamente definidos nos números 2., e 3., do artigo 25.º, supra transcritos, e, quando os não satisfaça, o participante deverá ser notificado para a corrigir ou completar no prazo de cinco dias, sob pena de, não o fazendo, se ordenar o arquivamento do processo.

27.º

Ora como se viu, no que respeita ao presente procedimento disciplinar, verifica-se que não consta do mesmo, qualquer participação disciplinar, ou seja, qualquer manifestação inequívoca de um militante do Partido Socialista, no pleno gozo dos seus direitos, ou de um órgão do Partido Socialista, da vontade de que seja iniciado um procedimento disciplinar contra o arguido.

28.º

Muito pelo contrário, do teor do e-mail, junto a fls. 2., que deu origem ao procedimento, resulta tão só, reitera-se que é pedida “a melhor atenção” para o conteúdo da deliberação tomada na Comissão Permanente que, a ter existido, o que não é do conhecimento do Arguido, não é transcrita e não consta dos autos de procedimento sub judice.

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