Acórdão nº 542/22 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Agosto de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução16 de Agosto de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 542/2022

Processo n.º 815/2022

Plenário

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. Hugo Alexandre Antunes do Rosário (o ora impugnante), na qualidade de militante do partido político Chega, veio impugnar, com base no artigo 103.º-D da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, adiante designada por LTC), a deliberação tomada pelo Conselho de Jurisdição Nacional, órgão daquele partido político, da qual foi notificado, por e-mail, no dia 16/05/2022. Como incidente da ação, requereu, em simultâneo, a suspensão de eficácia da deliberação ao abrigo do artigo 103.º-E, n.º 1, da LTC.

1.1. O requerimento apresentado tem, em síntese, o seguinte teor:

“[…]

O Impugnante é o Militante n.º 861 do Partido CHEGA, conforme cópia do Cartão de Militante que anexa, vide documento n.º 1 que se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, sendo, por isso, parte legítima no presente processo, ao abrigo do disposto no art,º 103º-C, n,º 2, da L.T.C.

[…]

A presente ação é apenas admissível quando estiverem esgotados todos os meios internos previstos nos estatutos para apreciação da validade e regularidade do ato, conforme art.º 103º-C, n.º 3, da L.T.C., o que se verifica in casu, de acordo com o n.º 5 do art.º 26º dos Estatutos do Partido CHEGA (‘Das decisões do Conselho de Jurisdição cabe sempre recurso para os Tribunais e nada nos presentes Estatutos e demais regulamentação interna poderá limitar o acesso aos Tribunais por parte dos órgãos do CHEGA e dos seus militantes’).

4. Das Medidas Cautelares

4.1. Ao abrigo do art.º 103.º-E da LTC preceitua tal normativo legal que como preliminar ou incidente das ações reguladas nos artigos 103.º-C e103.º-D, podem os interessados requerer a suspensão de eficácia das eleições ou deliberações impugnáveis, nos prazos previstos no n.º 7 do artigo 103º-C, com fundamento na probabilidade de ocorrência de danos apreciáveis causados pela eficácia do ato eleitoral ou pela execução da deliberação.

4.2. Sucede que o Impugnante é Conselheiro Nacional n.º 59, vide site oficial do Partido CHEGA em https://partidochega.pt/orgaos-nacionais/, conforme impressão que junta como documento n.º 4 e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais,

4.3. E encontra-se convocado o X Conselho Nacional do Partido CHEGA, para o próximo dia 29 de maio de 2022, na Guarda, onde dois dos pontos da ordem de trabalhos são de extrema importância, sendo o ponto 1 a apresentação e aprovação das contas anuais do Partido CHEGA, relativas ao ano 2021, e o ponto 2 alterações aos Regulamentos Eleitoral e Disciplinar, vide site oficial do Partido CHEGA em https: / / partidochega.pt/convocatoria-conselho-nacional-guarda/, conforme impressão que junta como documento n.º 5 e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

4.4. Assim, desde já o Impugnante requer a suspensão de eficácia da deliberação impugnada,

4.5. Dado que, para o Impugnante, advirão danos apreciáveis causados pela execução da deliberação do C.J.N.,

4.6. Ficando ao Impugnante vedada a presença no próximo Conselho Nacional do Partido CHEGA,

4.7. E o mesmo impossibilitado de discutir e votar matérias tão sensíveis e importantes para o Partido como a apresentação e aprovação das contas anuais do Partido Chega, relativas ao ano 2021, e as alterações aos Regulamentos Eleitoral e Disciplinar,

4.8. Sendo a deliberação em crise contrária â lei, aos estatutos e ao regulamento disciplinar,

4.9. Pelo que, e nos termos do preceituado nos art.º 380º e 381º do Código de Processo Civil, ex vi do art.º 103º-E, da L.T.C., e com as necessárias adaptações, se requer a suspensão de eficácia da deliberação aqui impugnada.

5. Questão prévia – da nulidade da decisão por falta de assinatura

5.1. A decisão em crise do CJ.N. do Partido CHEGA não contém nem a data em que foi proferida,

5.2. Nem tampouco qualquer assinatura de algum dos membros do aludido órgão,

5.3. Ou sequer vem acompanhada de alguma ata ou lista de presenças da reunião,

5.4. Pelo que se desconhece quem a terá elaborado, sendo o Relator do mesmo,

5.5. E até quais os elementos que compõem o órgão e que terão estado presentes na reunião e votado tal decisão,

5.6. Pelo que expressamente deverá a mesma, por este motivo, ser considerada nula,

5.7. Violando o art.º 615º, n.º 1, do C.P.C.

6. Da nulidade da decisão por falta de menção da defesa do Impugnante, em sede de audiência prévia.

6.1. Foi o Impugnante notificado, a 27.03.2022, da proposta de decisão referente a processo contra si instaurado enquanto Militante do Partido CHEGA, conforme email de notificação que junta como documento n.º 6 e que se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais,

6.2. Trazendo anexa a referida proposta, cuja cópia se junta como documento n.º 7 e que se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

6.3. Apresentou o Impugnante defesa, no dia 09.04.2022, cuja cópia se junta como documento n.º 8 e que se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais,

6.4. E que em nada foi tida em conta na decisão final,

6.5. Pelo que expressamente deverá a mesma, por este motivo, ser considerada nula, uma vez que foram preteridas as disposições relativas ao direito a defesa,

6.6. Sendo violado o art. 22º da Lei dos Partidos Políticos, o qual preceitua que "1 – A disciplina interna dos partidos políticos não pode afetar o exercício de direitos e o cumprimento de deveres prescritos na Constituição e na lei, 2 – Compete aos órgãos próprios de cada partido a aplicação das sanções disciplinares, sempre com garantias de audiência e defesa e possibilidade de reclamação ou recurso.’

7. Da nulidade da decisão por falta da descrição sumária dos factos.

7.1. A decisão aqui colocada em crise contém, de forma deficiente e incipiente, a descrição sumária dos factos.

7.2. Vejamos porquê;

7.3. Refere a douta decisão que ‘1.º O militante nos Autos denunciado é acusado de falta de respeito para com militantes do distrito de Santarém, especificamente de insultar de palhaço e ameaçar o Dr. Pedro Frazão através do seu perfil de Facebook.

Ainda publicamente, usando o mesmo perfil, o militante através de respostas a outros militantes instiga ou pelo menos tenta instigar um clima de instabilidade dentro do partido entre os militantes em relação a determinadas pessoas que dirigem o partido, Dra. Manuela Estevão e ao próprio Presidente do partido Dr. André Ventura: onde refere o seguinte ‘a culpa só tem um nome André Ventura. ‘Eu sei que para a Sra, Presidente distrital de Santarém o Chega é o baú de tesouro que toda a vida procurou, mas existem limites para a decência’. Num outro POST denomina a Dra. Manuela Estêvão de Ana Gomes’.

7.4. Na decisão aqui impugnada referem-se factos com os quais o Impugnante nunca foi confrontado no processo disciplinar interno,

7.5. Dado que lhe enviaram digitalização dos autos apenas em 11.04.2022, após requerimento a solicitar a consulta dos mesmos no dia 27.03.2022 decorria já mais de metade do prazo que lhe fora concedido para se pronunciar justificando com a ‘impossibilidade de consultar o processo fisicamente vide email do C.J.N, dessa data, cuja cópia se junta como documento n.º 9 e que se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

7.6. Exemplificando: não foi referido na proposta de decisão referente a processo contra si instaurado, que lhe foi notificada, nem na decisão final, quem seja a pessoa do Dr. Pedro Frazão,

7.7. Elemento com relevo nos presentes autos,

7.8. Ou sequer que funções desempenha no Partido, se é que desempenha – sendo que para integrar as listas às eleições legislativas e ser eleito Deputado não significa necessariamente ser militante do Partido ou membro de algum órgão interno.

7.9. Igualmente não refere tal proposta de decisão qualquer ofensa ao Presidente do Partido Dr. André Ventura,

7.10. Pelo que não poderá deixar de ser a mesma nula, por se darem como provados factos com os quais o Impugnante nunca foi confrontado em sede de processo disciplinar interno, violando o n.º 2 do art. 22º da 165 Lei dos Partidos Políticos.

7.11. Igualmente não contém a decisão elementos outros fácticos concretos,

7.12. Acerca de datas de publicações na rede social Facebook,

7.13. Ou das alegadas conversas em grupos de WhatsApp nem que grupos seriam esses (rede esta mencionada na proposta de decisão, mas completamente omissa na decisão ora impugnada).

7.14. Relativamente à prova, é nula a referência aos elementos probatórios na decisão impugnada, pelo que se desconhece quais são e a forma como foram valorados e contribuíram para a tomada da decisão em causa de expulsão do Militante Impugnante.

7.15. Ora, respigada a informação constante da decisão final, e na qual a mesma se baseia, tal não passa de formulação de meras conclusões e juízos de valor, sem que se enuncie factos que possam consubstanciar o alegado,

7.16. Pelo que esse facto sempre coartaria a possibilidade do Impugnante exercer a sua cabal defesa,

7.17. Quer no decurso do processo disciplinar interno,

7.18. Quer até em sede de decisão final,

7.19. Dado que não sabe concretamente o que foi dado como provado, daquilo de que era acusado.

7.20. Igualmente não se entendem as discrepâncias entre a proposta de decisão e a decisão final.

7.21. Por exemplo, a primeira refere que ‘4.º De referir que o aqui denunciado já tinha sido suspenso pela Comissão de Ética, em 3 de maio de 2021, suspensão provisória do denunciado pelo período de 60 (sessenta) dias em virtude...

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