Acórdão nº 1292/20.4T8FAR-A.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelROSA TCHING
Data da Resolução14 de Outubro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL *** I. Relatório 1. AA e BB intentaram a presente ação declarativa de condenação contra o Município ..., pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de € 150.000,00, acrescida de juros contados desde a citação, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais por eles sofridos em consequência da ocupação ilícita pelo réu de um prédio de que eram proprietários desde 2 de Junho de 2002 a 22 de maio de 2018, data em que o venderam ao réu.

2. O réu contestou, excecionando a prescrição do direito dos autores em virtude de ter decorrido mais de três anos desde a data em que os mesmos tiveram conhecimento desse direito.

3. Foi proferido despacho saneador sentença que, considerando que a referida ocupação consubstanciava um facto continuado, julgou improcedente a exceção perentória de prescrição e determinou o prosseguimento dos autos.

4. Inconformado com esta decisão, dela apelou o réu Município …... para o Tribunal da Relação de Évora que, por acórdão proferido em 15 de abril de 2021, julgou procedente a apelação e, em consequência, julgou verificada a exceção de prescrição, com a consequente absolvição do réu do pedido.

5. Inconformados com este acórdão, os autores dele interpuseram recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões, que se transcrevem: «1 – O despacho saneador impugnado nenhum reparo merece. De verdade 2 – Os A.A exercitaram o seu direito de acção em Junho de 2002, tendo sido notificados em 6 de Janeiro de 2006, da decisão deste processo.

3 – E o prazo de prescrição a considerar nos autos face à prova inequívoca da existência da prática de um crime é de cinco anos nos precisos termos do disposto no artº 498 nº 3 do C.C.

4 – O prazo prescricional foi assim interrompido em 6 de Janeiro de 2006, em 28 de Janeiro de 2008, e ainda 25 de Junho de 2015, até 22 de Maio de 2018, mostrando-se assim em tempo a presente acção exercida em 04-06-2020.

5 – Assim, o Acórdão invocado de 21-06-2018 do S.T.J não constitui situação idêntica à dos autos.

6 – Não é assim, verdadeira a conclusão deste tribunal de que em 2008, o prazo prescricional já havia decorrido.

7 - Aliás, o acórdão impugnado, não se pronunciou sobre o constante da decisão judicial, de que tal prazo se mostrava tempestiva e validamente interrompido, o que constitui manifesta nulidade do acórdão nos precisos termos do disposto no artº 615 nº 1 alínea b) do C.P.C, o que aqui se alega para os devidos efeitos. Ainda assim, 8 – O prazo de 3 anos ou de 5 anos, só começa a contar a partir do momento em que o lesado tomou conhecimento da produção efectiva destes novos danos.

9 – Tratando-se, como se trata de ocupação de um imóvel, em cada dia de “ocupação” um novo dano terá ocorrido.

10 – Donde, independentemente dos efeitos da declaração interrupção da prescrição, nunca o direito a indemnização, dos danos ocorridos nos últimos cinco / três anos, podia ser julgado prescrito, 11 – No processo Nº 76/08…, os danos reclamados, não foram apreciados em termos subsidiários face ao que dispõem o artº 1340 e 1341 do C.C., como da sentença do mesmo consta.

12 - Tudo conforme jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, entre outros o Ac. de 18-04-2002 – Proc. Nº 02B950 – In www.dgsi.pt 13 – Por outro lado os A.A, invocam na sua petição inicial também o enriquecimento injustificado do Réu, à custa dos recorrentes, e nessa medida, “O prazo de prescrição do direito a restituição por enriquecimento sem causa, porque só se conta a partir da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete (artº 482 C.C) não abarca o período em que com boa fé , se utilizou, sem êxito, outro meio de ser indemnizado ou restituído “ In Ac. S.T. Justiça de 17-03-2003 – Proc. Nº 03B3091 – In www.dgsi.pt 14 – Deve assim ser revogado, o aliás douto Acórdão e substituído por outro que mantenha a decisão de 1ª instância, tomada no despacho saneador, e mande prosseguir os autos para julgamento, com as legais consequências.

15 – Como decorre do princípio da legalidade, não são expropriáveis pela Administração pública, imóveis pela mesma previamente ocupados ilicitamente.

16 – E contrariamente ao afirmado, os A.A recorrentes, como alegam, não venderam o imóvel porque quiseram, mas tão só pressionados, e para encontrar uma forma de evitarem a execução e esquadrejamento da praça pública previamente marcada, aceite como tal pelos comuns cidadãos daquela localidade, e assim evitando o alarme social, daquele quase inevitável acto.

17 – E apesar de ter aceite o preço do imóvel à data de 22 de Maio de 2018, jamais se discutiu o ressarcimento por parte do Réu de todos os danos que ao longo de dezasseis anos provocaram aos A.A, que do ponto de vista material, quer moral, devido ao facto de face à ocupação, nunca terem podido beneficiar das utilidades, que aquele imóvel sua propriedade legitima, lhe podia ter proporcionado e não proporcionou. Assim, 18 – Contrariamente, ao infirmado naquele Acórdão foram e são os A.A., que através de um exercício legitimo de um direito, na defesa do direito de propriedade judicialmente reconhecido, puseram fim à situação ilícita e de abuso de poder do Réu recorrido.

18 – Assim, o aliás douto acórdão violou além do mais o disposto no artº 323, 326, 327, 482 e 498 nº 1 e 2 e 564 do C.C, e artº 615 nº 1 alínea b) do C.P.C Termos em que deve ser julgado procedente e provado o presente recurso e 1 – Revogado o Acórdão, por nulidade face ao disposto no artº 615 nº 1 alínea b) do C.P.C e nessa medida mantida na íntegra a decisão judicial, da 1ª instância, que julgou improcedente a invocada excepção de prescrição do direito de indemnização dos recorrentes.

2 – Serem os autos mandados baixar à 2ª instância, caso assim se entenda, para fundamentação e reapreciação da matéria quanto à interrupção da prescrição ( artº 602 nº 4 e 5 do C.P.C ), mantendo-se a decisão de 1ª instância que julgou improcedente a invocada excepção da prescrição do direito à indemnização reclamada pelos recorrentes A.A.E, 3 – Sempre, o Acórdão revogado e mandado substituir por outro que julgue improcedente a excepção de prescrição do direito à indemnização reclamada pelos recorrentes, e assim mantendo-se a decisão de 1ª instância do despacho saneador, com todas as legais consequências».

8. O réu não respondeu.

9. Por acórdão proferido em 30 de junho de 2021, o Tribunal da Relação pronunciou-se, nos termos do artigo 617.º, n.º 1, aplicável por força do artigo 666.º, n.º 1, do CPC, sobre a nulidade prevista na al. d), do n.º 1, artigo 615.º, do Código de Processo Civil e imputada pelos autores ao acórdão recorrido, julgando-a improcedente 10. Após os vistos, cumpre apreciar e decidir.

*** II. Delimitação do objeto do recurso Como é sabido, o objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do C. P. Civil, só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa[1].

Assim, a esta luz, as questões a decidir consistem em saber se: 1ª- o acórdão recorrido padece das nulidades previstas no art. 615º, nº 1, als. b) e d), do CPC; 2ª- está prescrito o direito de indemnização exercitado pelos autores.

*** III. Fundamentação 3.1. Fundamentação de facto As Instâncias consideraram provados os seguintes factos: 1 - Os AA foram os proprietários do prédio rústico identificado nos autos (fls 35v), com a área de 1118 m2, desde 1980 até 2018.

2 - O Réu Município ... em 18 de Junho de 2002, mandou que entrassem na propriedade dos AA máquinas e ocupou o terreno dos AA.

3 - Por tais factos correram termos nos serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial ..., processo crime, com o n.º 178/02…, que foi arquivado em 02.12.2004, não tendo sido exercida acção penal.

4 - Foi instaurada pelos AA. acção de Processo Ordinário que correu com o n.º 76/08… do então Tribunal da comarca ..., tendo o Réu sido condenado por sentença proferida nos autos em 10.05.2012, confirmada pelo Tribunal da Relação de Évora em 05.06.2014, transitada em julgado, a reconhecer o prédio como legitima propriedade dos AA. e que o Réu Câmara Municipal o ocupou ilicitamente, numa área de 1180 m2, construindo uma praça pública em pedra branca e cinzenta e arrancando duas figueiras de grande porte.

5 - Condenou-se a Câmara a restituir aos AA. o referido imóvel livre e desocupado, no seu estado primitivo, desfazendo para o efeito a obra realizada nesse terreno.

6 - Os AA. deduziram processo de execução de sentença com o número 2682/15… (1.º secção do Tribunal ...) e foi...

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