Acórdão nº 2/19.3YQSTR-G.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelMANUEL CAPELO
Data da Resolução07 de Julho de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Relatório Nos autos 2/19.3YQSTR que se iniciaram no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão e a que foram apensos os processos 27/19...., 39/19...., 43/19...., 45/19...., 52/19.... e 62/19...., sendo aí autoras - A Transmaior-Transportes Rodoviários S.A.; Mário-Logística e Distribuição S.A.; Transportadora Central de São Lázaro Limitada; Transportes Gama, S.A.; T..., Lda. e T..., Lda, e A..., S.A. e Ré RENAULT TRUCKS, SAS, foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a exceção de prescrição invocada e determinou o prosseguimento dos autos.

Inconformada com esta decisão a recorrente interpôs recurso de apelação que foi improvido, tendo sido confirmada a decisão de primeira instância que julgou improcedente a exceção de prescrição.

A recorrente vem interpor recurso de revista concluindo que: “1. O Tribunal a quo julgou totalmente improcedente a apelação deduzida pela Recorrente, declarando-se no Acórdão de que ora se recorre que (i) “o segmento da decisão recorrida através do qual foi julgada improcedente a invocação de prescrição dos direitos das Autoras suscitada por aquela demandada e aqui recorrente não é nulo por omissão de pronúncia” e que (ii) “os autos dispõem já de todos os elementos necessários para que o Tribunal, em qualquer das suas instâncias, possa apreciar, sem a produção de qualquer outra prova, se é ou não procedente a invocação de prescrição”, tendo confirmado “integralmente o segmento da decisão recorrida” em questão.

  1. Entendeu-se no Acórdão que “só com a publicação da deliberação condenatória da Comissão Europeia no JOUE, a 6 de abril de 2017, pode ser considerado que os lesados tiveram conhecimento do direito que lhes compete, para efeitos de início da contagem do prazo de prescrição estabelecido nesse nº1 do art.º 498.º do Código Civil”.

  2. É ainda expresso no Acórdão de que ora se recorre o entendimento de que são “completamente irrelevantes (…) todos os factos alegados nas várias contestações” pela Recorrente, pelo que não estava “a Mma Juíza a quo obrigada a tecer qualquer comentário, muito menos formular um julgamento acerca dessa factualidade”, pelo que “não ocorre qualquer nulidade por omissão de pronúncia”, concluindo-se que “é possível exercer pronúncia acerca dessa questão jurídica no despacho saneador, sem que se mostre necessária a produção de qualquer elemento de prova”.

  3. Com todo o devido respeito, a Recorrente não pode concordar com o entendimento vertido no Acórdão.

  4. Tanto o Tribunal de primeira instância como o Tribunal a quo se centraram apenas num facto – a publicação da Decisão da Comissão europeia no JOUE –, ignorando todas as restantes razões de facto e de direito alegadas pela Recorrente nas suas Contestações.

  5. O legislador português adotou para o início do prazo de prescrição a que alude a primeira parte do n.º 1 do artigo 498.º do CC um sistema subjetivo, que tem em conta o conhecimento do concreto lesado, algo que não foi tido em consideração nem no Despacho Saneador nem no Acórdão.

  6. A Recorrente vem recorrer do Acórdão, por considerar que o mesmo lhe é prejudicial, pugnando para que seja revogado e substituído por outro que (i) declare nulo o Despacho Saneador na parte relativa à decisão das exceções perentórias de prescrição invocadas pela Recorrente, por omissão de pronúncia, errada interpretação dos artigos 306.º, 309.º e 498.º, n.º 1 do CC e falta de prova sobre os factos controvertidos e que (ii) declare procedentes as exceções de prescrição invocadas pela Recorrente ou, subsidiariamente, relegue o conhecimento dessas exceções para final, pois que depende de produção de prova que, até este momento, não consta dos autos, e poderá impor uma decisão contrária à proferida.

  7. Cumpre sublinhar que o Acórdão de que ora se recorre não obteve unanimidade, tendo incluído um voto de vencido, razão pela qual a decisão nele contida é passível de recurso de revista, nos termos e para os efeitos dos artigos 671.º, n.º 1 e 3 e 674.º, n.º 1, alíneas a) e c) do CPC.

    DA NULIDADE DO DESPACHO SANEADOR NO QUE RESPEITA AO SEGMENTO DECISÓRIO IMPUGNADO, POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA, A QUAL DEVIA TER SIDO DECLARADA NO ACÓRDÃO 9. Desde logo, o Despacho Saneador enferma de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos previstos no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, que, não obstante ser um vício típico da sentença, é extensível aos despachos (cfr. artigo 613.º, n.º 3 do CPC).

  8. Com efeito, o Tribunal de primeira instância decidiu de forma una, genérica e perfunctória sobre as exceções perentórias de prescrição invocadas pela Recorrente nas suas Contestações, não logrando conhecer individual e discriminadamente de cada uma das exceções invocadas, que têm por base diferentes especificidades, inclusivamente factuais.

  9. É ainda sufragado no Acórdão o entendimento de que são “completamente irrelevantes (…) todos os factos alegados nas várias contestações” pela Recorrente, pelo que não estava “a Mma Juíza a quo obrigada a tecer qualquer comentário, muito menos formular um julgamento acerca dessa factualidade” e, consequentemente, “não ocorre qualquer nulidade por omissão de pronúncia”, concluindo o Tribunal a quo que não é nulo por omissão de pronúncia o segmento do Despacho Saneador que julgou improcedentes as exceções de prescrição invocadas pela Recorrente.

  10. Contudo, impunha-se que o Tribunal de primeira instância e o Tribunal a quo procedessem à análise dos factos relevantes em cada uma das ações e aferissem o exato momento a partir do qual se consideravam verificados os pressupostos necessários ao início da contagem de cada prazo de prescrição em causa.

  11. Isto porque as mencionadas exceções dependem, efetivamente, de circunstâncias concretas e específicas, que variam de caso para caso, como seja o momento do facto danoso, da produção do dano ou o conhecimento pelo suposto lesado do alegado direito indemnizatório que lhe compete e a data em que cada ação foi proposta e/ou a Recorrente foi citada.

  12. Ao não o fazer, o Tribunal de primeira instância incorreu em nulidade por omissão de pronúncia, afetando irremediavelmente a legalidade da sua decisão.

  13. Por outro lado, o Despacho Saneador, na parte em que decidiu sobre as exceções perentórias de prescrição, é ilegal, pois que incorreu numa errada interpretação e aplicação do regime jurídico da prescrição aos casos dos autos, em particular, dos artigos 306.º, n.º 1, 309.º e 498.º, n.º 1 do CC.

  14. Assim, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC (aplicável ex vi artigo 666.º, n.º 1 do CPC) deve o Despacho Saneador, no segmento decisório em questão, ser julgado nulo, por omissão de pronúncia, nulidade essa que aqui se argui e cuja declaração aqui se requer para todos os efeitos legais, devendo o Acórdão ser revogado e substituído por outro que o declare, assim como declare procedentes as exceções de prescrição invocadas pela Recorrente.

    DO MÉRITO DO RECURSO: DA ERRADA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO REGIME LEGAL DA PRESCRIÇÃO 17. No Acórdão foi decidido manter “integralmente o segmento da decisão recorrida” que julgou “improcedente a invocação de prescrição dos direitos das Autoras”, entendendo-se não serem “aqui aplicáveis as disposições contidas nos arts. 306.º e 309.º” do CC por estar em causa “uma questão de responsabilidade civil emergente da prática de um ato ilícito (uma contraordenação)”, sendo, ao invés, “o litígio regulado pelo estatuído nos arts. 483.º e 498.º, n.º 1”.

  15. Entendeu também o Tribunal a quo, à semelhança do Tribunal da primeira instância, que foi na data da publicação da Decisão da Comissão Europeia no Jornal Oficial da União Europeia, em 06.04.2017, que se iniciaram todos os prazos de prescrição, 19. Assim, segundo se consegue alcançar do Acórdão, entendeu o Tribunal a quo, que, por um lado, o prazo ordinário de 20 anos não é aplicável in casu, sendo apenas aplicável o prazo de 3 anos previsto no artigo 498.º, n.º 1 do CC, o qual - em consonância com o plasmado no Despacho Saneador - inicia a sua contagem em 06.04.2017, pelo que, à data das citações da Recorrente, tal prazo prescricional não se encontraria ainda decorrido.

  16. Sucede, porém, que ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, o prazo ordinário de prescrição de 20 anos previsto nos artigos 309.º e 498.º, n.º 1, in fine do CC é plenamente aplicável ao caso dos autos, sendo certo que, tanto este como o prazo de três anos previsto na primeira parte do n.º 1 do artigo 498.º do mesmo código se iniciaram muito antes da publicação da Decisão da Comissão Europeia, em 06.04.2017.

    DA PRESCRIÇÃO DO DIREITO DAS RECORRIDAS PELO DECURSO DO PRAZO ORDINÁRIO DE 20 ANOS 21. O Tribunal a quo desconsiderou o previsto expressamente no artigo 498.º, n.º 1, in fine do CC, o qual impõe que se considere a “prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso”.

  17. Para efeitos de início de contagem do prazo de prescrição ordinário de 20 anos, há que atender, no que para o caso dos autos releva, ao conceito de “facto danoso” a que alude a parte final do n.º 1 do artigo 498.º do CC, e não ao artigo 306.º, n.º 1 do CC.

  18. O “facto danoso” reconduz-se ao “facto que foi causa do dano”, coincidindo, desse modo, com o facto ilícito propriamente dito – vd. Doutrina e Jurisprudência supracitada.

  19. Ora, o facto ilícito que vem imputado à Recorrente teve o seu início, de acordo com as próprias. Recorridas e a Decisão da Comissão Europeia, em 17.01.1997 ― havendo que considerar, portanto, que foi nessa data que se iniciou a contagem do prazo de prescrição ordinário.

  20. O facto de estar em causa uma infração única e continuada não altera o entendimento ora exposto ou o decurso da prescrição, tal como a Jurisprudência tem vindo a entender a propósito da fixação do termo inicial do prazo de prescrição de 3 anos previsto no artigo 498.º, n.º 1, primeira parte do CC ― e que aqui se deve ter por inteiramente aplicável, mutatis mutandis (ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus).

  21. ...

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