Acórdão nº 2048/15.1T8STS.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA ABREU
Data da Resolução04 de Julho de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO AA intentou acção declarativa de condenação sob a forma do processo comum contra BB, pedindo a condenação da Ré a reconhecer que: a) o pagamento dos bens imóveis descritos na petição inicial foi efectuado pelo Autor; b) retirou sem qualquer justificação da casa do Autor bens que são propriedade deste; c) os bens móveis e imóveis identificados na petição inicial pertencem ao Autor, ordenando-se o cancelamento dos registos existentes em nome da Ré e a realização de registo predial em nome do Autor. Sem conceder, não sendo possível a restituição dos bens que são do Autor, d) condenar-se a Ré a restituir ao Autor os valores que este pagou para a aquisição dos imóveis, ou seja, €37.250,00 e o valor dos móveis de €2.500,00, acrescidos de juros à taxa sucessiva que vigorar desde a data em que o autor se viu privado do valor e/ou dos bens.

Fundamentou o seu pedido, em síntese, em enriquecimento sem causa da Ré, decorrente de o Autor, enquanto viveu em economia comum com esta, ter adquirido, com dinheiro só dele, os referidos bens, os quais, por comodidade, ficaram em nome da Ré que se arroga ser sua proprietária e se recusa a abrir mão dos mesmos.

Regularmente citada, contestou a Ré impugnando parte dos factos peticionados e sustentando a improcedência do pedido.

Proferido o despacho saneador, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova, realizou-se a audiência final após o que foi proferida sentença que absolveu a Ré/BB dos pedidos.

Inconformado, recorreu de apelação o Autor/AA, tendo o Tribunal a quo conhecido do interposto recurso, proferindo acórdão em cujo dispositivo foi consignado: “Confirma-se a sentença recorrida. Custas pelo recorrente - artigo 527º do Código de Processo Civil.” Inconformado com o proferido acórdão, o Autor/AA interpôs recurso de revista excepcional, ao abrigo do disposto no art.º 672º n.º 1, alíneas a) e c) do Código de Processo Civil, formulando as respectivas conclusões.

“1. O douto Acórdão de que se recorre decidiu que o Recorrente não alegou nem provou que havia, aquando da realização da prestação por si efetuada à Ré, um acordo entre ambos no sentido de que a causa da contribuição daquele residia na subsistência da união de facto.

  1. O Recorrente havia formulado os seus pedidos com base no instituto do enriquecimento sem causa.

  2. A decisão de que se recorre diverge frontalmente do decidido em outros Acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça e pelos Tribunais da Relação, nomeadamente dos Acórdãos que se seguem: - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no âmbito do Processo n.º 390/09.0TBBAO.S1, de 03.11.2016, consultável em www.dgsi.pt, - Acórdão da Relação de Lisboa proferido no âmbito do Processo n.º 25664-12.9T2SNT.L1-8, de 12.03.2015, consultável em www.dgsi.pt; - Acórdão da Relação de Guimarães proferido no âmbito do Processo n.º 1289/04-1, de 29.09.2004, consultável em www.dgsi.pt; - Acórdão da Relação de Guimarães proferido no âmbito do Processo n.º 1065/16.9T8VRL.G1, de 27.09.2018, consultável em www.dgsi.pt; - Acórdão da Relação de Coimbra, proferido no âmbito do Processo n.º 712/04, de 11.05.2004, consultável em www.dgsi.pt.

  3. Além disso, está em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor apreciação do Direito.

  4. Nestes Acórdãos encontrava-se em discussão situações em tudo idênticas àquela que se discute nestes autos, ou seja, a verificação do enriquecimento sem causa de um dos membros da união de facto entretanto dissolvida.

  5. Todos os supra citados arestos foram proferidos no domínio da mesma legislação e relativamente a esta mesma questão fundamental de Direito tendo decidido que quando se dissolve a união de facto extingue-se a causa jurídica da contribuição monetária efetuada, motivo pelo qual deixa de haver justificação para a privação da contribuição efetuada.

  6. Em todos estes Acórdãos é referido que, dissolvida a união de facto, verifica-se o desaparecimento superveniente da causa que determinou a deslocação patrimonial a que corresponde a condictio ob causam finitam.

  7. Dúvidas não subsistem de que a Recorrida enriqueceu à custa da prestação efetuada pelo Recorrente, bem como que este empobreceu.

  8. Preenchidos todos os requisitos legais para o efeito, outra solução não restaria que não fosse a condenação da Recorrida na obrigação de restituir.

  9. Nesta conformidade se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça no já citado acórdão relativo ao Processo n.º 390/09.0TBBAO.S1, datado de 03.11.2016, tendo decidido o seguinte: “II - Com a dissolução da união de facto extingue-se a causa jurídica da contribuição monetária, deixando de ter justificação a privação da contribuição monetária prestada.

    III - A restituição opera, nomeadamente, por efeito do instituo do enriquecimento sem causa.” 11. No mesmo sentido decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra no Processo n.º 712/04, datado de 11.05.2004, no qual foi decidido que: “1. Pagando com o seu dinheiro metade do preço da casa onde a autora vivia com o réu e os respectivos actos notarias e de registo, agindo na convicção de que a união de facto entre ambos se manteria e de que, assim, contribuía para a formação de um património comum, ocorreu uma causa de deslocação patrimonial constitutiva do pressuposto do enriquecimento sem causa.

  10. O enriquecimento é injusto, não apresentando causa justificativa, quando não está de harmonia com a correcta ordenação jurídica dos bens aceita pelo sistema, em virtude de determinado valor se achar no património do beneficiado, quando o seu lugar era no património do prejudicado.

    3. A ruptura da união de facto, motivada por vontade unilateral de um dos seus membros, que expulsando o outro, continua a viver, sozinho, no apartamento, após aquele, com vista a adquirir a sua co-titularidade para servir como casa de morada de família de ambos, lhe ter entregue dinheiro para pagar metade do preço da compra e respectivas despesas de escritura e registo, determinou o desaparecimento subsequente da causa da deslocação patrimonial, constituindo um caso especial da obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa.“ 12. Também pelo Tribunal da Relação de Guimarães foi proferido Acórdão relativo ao Processo n.º 1065/16.9T8VRLG1, datado de 27.09.2018, no qual ficou decidido que: “3. A forma que o ex-membro de uma união de facto tem de ser indemnizado de despesas que tenha feito com bens que foram usados pelos dois mas que ficaram apenas na propriedade e posse do outro membro, é o recurso ao instituto do enriquecimento sem causa.” 13. O mesmo Tribunal da Relação de Guimarães no Processo n.º 1289/04-1, datado de 29.09.2004, decidiu que: “III - A cessação da união de facto determinou o desaparecimento posterior da causa da deslocação patrimonial verificada, e originou o nascimento do direito da autora a exigir a restituição em função do regime do enriquecimento sem causa, nos termos do artº 473º e segs. do Código Civil.” 14. Ainda, o Tribunal da Relação de Lisboa no Processo n.º 25664/12.9T2SNT.L1-8, datado de 12.03.2015, decidiu que: “ - A falta originária ou subsequente de causa justificativa do enriquecimento assume a natureza de elemento constitutivo do direito, pelo que, entregue uma quantia a uma pessoa e não tendo esta efetuado a restituição dessa importância, a simples prova da entrega não pode servir de fundamento para pedir a sua restituição, cabendo antes ao autor do pedido de restituição, por enriquecimento sem causa, o ónus da prova dos respetivos factos integradores ou constitutivos, incluindo a falta de causa justificativa desse enriquecimento, mesmo em caso de dúvida, cujo incumprimento se resolve em seu desfavor.” 15. Em todas estas decisões, das quais apenas se transcrevem os sumários ou parte deles, foi decidido que a cessação da união de facto ou vivência em condições análogas às dos cônjuges determina o desaparecimento da causa da prestação efetuada, ou seja, a conditio ob causam finitam.

  11. Do que se...

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