Acórdão nº 6222/20.0T8STB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução13 de Dezembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relator: Henrique Antunes Adjuntos: Mário Rodrigues da Silva Cristina Neves Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

AA pediu, em acção declarativa de condenação, com processo comum, a condenação de BB a entregar-lhe a quantia de € 15.000,00 com que indevidamente se enriqueceu à custa do seu empobrecimento em consequência da venda da referida fração autónoma, acrescida dos juros de mora civis vencidos, desde a data de 22.11.2019, e vincendos, até efetivo e integral pagamento, ou, sem conceder, supletivamente, a entregar-lhe a quantia, a apurar nos presentes autos ou em liquidação de sentença, com que indevidamente se enriqueceu à custa do seu empobrecimento, em consequência da venda da referida fração autónoma, acrescida de juros de mora até efetivo e integral pagamento, com todas as consequências legais daí advenientes.

Fundamentou estas pretensões no facto de, em 2013, ter passado a partilhar com o réu, cama, mesa e habitação e, em 11 Dezembro de 2015, com o propósito de restabelecerem uma plena comunhão de vida, terem adquirido, para habitação própria permanente, a fracção autónoma, letra ... do prédio urbano sito na Quinta ..., em Coimbra, pelo preço de € 191 500,00, parte do qual foi pago – € 30 000,00 – foi pago com dinheiro seu, por lhe ter sido dado pelos seus pais, no pressuposto de iriam viver permanentemente um com outro, tendo a parte remanescente do preço sido pago com dinheiro emprestado pela C..., SA, de, em Maio de 2019, terem posto termo à vida em comum e, em 22 de Novembro do mesmo ano, vendido aquela fracção, pelo preço de € 227 500,00, com os quais pagaram ao mutuário € 153 752,68, e de o remanescente do preço a repartir entre ambos ser apenas de € € 43.747,32 (€ 227.500,00 - € 153.752,68 - € 30.000,00), ficando para cada um a quantia de € 21.873,66, pelo que ao receber apenas € 36.873,66, ficou com menos € 15.000,00 do que devia ter recebido relativamente ao preço da venda que legalmente lhe cabia (€ 30.000,00 + € 21.873,66 = € 51.873,66) e o réu ao receber € 36.873,66, ficou com mais € 15.000,00 do que efetivamente lhe cabia (€ 21.873,66), enriquecendo-se assim indevida e injustificadamente com esse montante, que corresponde ao seu indevido e injusto empobrecimento, importância que, apesar das suas insistência, o réu se recusou a entregar-lhe.

O réu, na contestação, defendeu-se por impugnação, alegando a falsidade de parte dos factos articulados pela autora como causa petendi, e afirmando que parte do valor da aquisição da fracção foi adiantado por familiares da autora a esta - € 10 000,00, por doação dos seus pais, e € 20 000,00 por mútuo dos seus avós - que no período compreendido entre 11 de Dezembro de 2015 e 22 de Novembro de 2019, assumiu, conforme acordado, o pagamento de prestações. bancárias, impostos, quotas de condomínio, consumos domésticos e restituição de parte do valor adiantado pelos avós da autora a esta, pagamentos que ascendem a € 43 664,53, tendo ainda gasto € 3 000,00 com a aquisição de mobiliário que a autora foi dissipando, pelo que detém um crédito sobre a autora, no valor de € 8 332,27, e que foi só com a acção que a autora o interpelou pela primeira vez para pagar a quantia de € 15 000,00.

Pediu, em reconvenção, a condenação da autora a pagar-lhe a quantia de € 8 332,27.

Fundamentou a pretensão reconvencional no facto de ter feito pagamentos no valor de € 46 664,53, quando apenas deveria ter pago € 3 000,00, pelo que a autora se enriqueceu, injustificadamente, no valor de € 8 332,27.

Oferecida a réplica e realizadas a audiência prévia e a audiência de discussão e julgamento, a sentença final, com fundamento em que a união de facto não é modo de aquisição do direito de propriedade, pelo que, a cessação da relação de união de facto entre autora e réu não importou a cessação da compropriedade naquela fracção, mantendo-se ambos, não obstante a cessação da união de facto, como se manteriam quaisquer outras duas pessoas, comproprietários da fracção, que, assim, se a causa para a aquisição da fracção na proporção de metade para autora e réu foi a relação de união de facto que os mesmos mantinham e no pressuposto de que a mesma se manteria, a partir do momento em que autora e réu decidiram comprar a referida fracção na proporção de metade para cada um, em compropriedade, a extinção dessa compropriedade no imóvel não se produziu com a extinção da relação de união de facto, mantendo-se ambos, não obstante a extinção da união de facto, comproprietários da fracção na proporção de metade, que, no caso vertente, sendo autora e réu comproprietários na proporção de metade para cada um deles da fracção em referência, extinta a compropriedade com a venda dessa fracção, assistia à autora o direito a receber do comprador a parte que lhe competia em razão da sua quota, o que sucedeu, e só assim não seria se autora e réu tivessem acordado em contrato de coabitação, ou de divisão da coisa comum, que uma vez dissolvida a união de facto, a divisão do produto resultante da venda do imóvel adquirido em compropriedade se operaria de forma diferente, ou seja, que neste caso, assistiria à autora uma parte diferente daquela que a lei presume, e tal não decorre, minimamente da factualidade provada, concluiu que não se está, pois, perante uma situação enquadrável no instituto do enriquecimento sem causa, julgou a acção e a reconvenção improcedentes e absolveu o réu e autora dos pedidos correspondentes.

É esta sentença que a autora impugna no recurso – no qual a sua revogação e a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de € 15.000,00, acrescida dos correspondentes juros de mora vencidos e vincendos - tendo encerrado a sua alegação com estas conclusões: 1. O Réu enriqueceu à custa da Autora, em virtude de uma causa que deixou de existir, com o correspondente empobrecimento da Autora. 2. Verifica-se, assim, manifestamente no caso em apreço uma situação de “condictio ob causam finitam (enriquecimento por virtude de causa que deixou de existir).” 3. Esse enriquecimento sem causa justificativa cifrou-se em € 15.000,00. 4. Com efeito, a Autora contribuiu com a quantia de € 30.000,00 (que lhe havia sido doado pelos pais, e que, portanto, era exclusivamente sua) a mais do que o Réu para o pagamento do preço da aquisição, feita em partes iguais para ambos, da fracção autónoma em causa nos autos no pressuposto, que acabou por não se verificar, da permanência da vida em comum existente entre ambos (vd. Pontos 4 5 e 6 dos factos provados e Documentos n.ºs ... a ... juntos à petição inicial) e recebeu a mesma quantia que o Réu aquando a revenda desse imóvel (vd. Pontos 15, 16, 17 e 18 dos factos provados).

  1. A aplicabilidade das regras do enriquecimento sem causa, designadamente do disposto no artigo 474.º do Código Civil, ao caso em apreço é manifesta uma vez que: o enriquecimento do Réu e o correspondente empobrecimento da Autora se deram quando aquele ficou a ser comproprietário de metade do imóvel apesar de esta ter contribuído para a sua compra com mais € 30.000,00 (no pressuposto da permanência da vida em comum); a causa do enriquecimento deixou de existir quando Autora e Réu puseram termo à vida em comum e o enriquecimento do Réu e o empobrecimento da Autora tiveram expressão pecuniária concreta aquando da venda do imóvel. 6. A união de facto encerrou e constituiu a causa jurídica da contribuição monetária realizada pela Autora para a aquisição da fracção autónoma e a dissolução da união de facto implicou a extinção da causa jurídica dessa contribuição (vd., neste sentido, douto Acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 04.07.2019, no âmbito do Proc. n.º 2048/15.1T8STS.P1.S1).

    7. Face a tudo quanto antecede e por não haver na lei outro meio que permita à Autora ser restituída, a douta sentença recorrida violou, por errada interpretação, as regras do instituto do enriquecimento sem causa, especialmente as normas consagradas nos artigos 473.º, n.ºs 1 e 2, e 474.º do Código Civil, que deveria ter aplicado e erroneamente não aplicou. 8. A ação proposta pela Autora contra o Réu deve ser julgada totalmente procedente. O apelado, na resposta, depois de observar que estamos perante um recurso de matéria de direito, mas que a apelante não observou as formalidades mencionadas no art.º 639.º. nºs 1 e 2, concluiu que o recurso deve ser liminarmente rejeitado ou, subsidiariamente, que lhe deve ser negado provimento.

    2.

    Factos provados.

    2..1. O Tribunal de que provém o recurso julgou provados os factos seguintes: 1. Autora e réu conheceram-se há mais de dez anos e, depois de encetarem uma relação amorosa, passaram a partilhar cama, mesa e habitação no ano de 2013.

  2. Em 2015, com o propósito de estabelecerem uma plena comunhão de vida, autora e réu, que até aí residiam num apartamento arrendado em Coimbra, decidiram adquirir uma casa para habitação própria permanente na mesma cidade.

  3. Assim, com tal finalidade, mediante contrato de compra e venda formalizado por escritura pública de compra e venda, mútuo com hipoteca, e fiança, outorgada na ... Conservatória do Registo Predial ..., em 11 de Dezembro de 2015, a autora e o réu, declararam comprar a CC, que declarou vender-lhes, livre de ónus ou encargos, a fração autónoma designada pela letra ..., correspondente ao ...andar... – um apartamento com dois estacionamentos com os n.ºs 17 e 18 no piso -1 – do prédio urbano sito na Quinta ..., Lote ...1, ..., freguesia ..., concelho ..., distrito ..., descrita na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...66 – M e inscrita na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo n.º ...38, destinada a habitação própria e permanente de autora e réu, pelo preço de € 191.500,00.

  4. Parte do preço da compra, no montante de € 30.000,00, foi pago com dinheiro próprio da autora, através do cheque da titularidade desta, com o n.º ...09, datado de 2015.11.06, sacado sobre a C..., SA e emitido à ordem do vendedor CC.

  5. E foi entregue pela autora no acto da...

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