Acórdão nº 1250/20.9T8VIS.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Setembro de 2023

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução12 de Setembro de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

AA propôs, no Juízo Central Cível de Viseu, do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, contra BB, acção declarativa de condenação, com processo comum, pedindo a condenação da última a pagar-lhe a quantia de € 88 107,84 e juros desde a citação até pagamento.

Fundamentou esta pretensão no facto de ter vivido em união de facto com a ré desde .../.../2007 até Agosto de 2019, com economias separadas, repartindo apenas as despesas comuns, de por escritura pública de 24 de Agosto de 2016 ter adquirido por € 38 500,00 o usufruto de uma fracção autónoma de prédio urbano, tendo a ré adquirido, por€ 75 500,00 a nua propriedade, fracção que foi paga com dinheiro próprio, tendo ainda suportado todos os emolumentos e impostos relativos à aquisição, de ter suportado uma dívida da ré, no valor de € 9 601,81 à Autoridade Tributária, e pago o vencimento, no valor de € 152,00 mensais, dos meses de Dezembro de 2018 e Maio e Junho de 2019, da empregada doméstica contratada pela ré para a limpeza da sua habitação, de ter emprestado à ré € 5 256,03, sem ter sido convencionado prazo para o reembolso, e de a última ter ficado enriquecida com a nua propriedade do imóvel e com as quantias que pagou por sua conta, sem causa legítima para tal, na medida em que o relacionamento, união de facto, que o justificou, entretanto terminou.

A ré defendeu-se por excepção dilatória, alegando a nulidade de todo o processo por ineptidão, por contradição entre o pedido e a causa de pedir, e por impugnação, negando a veracidade dos factos articulados pelo autor, com excepção dos relativos à vivência em comum, mas apenas até Junho de 2019, e afirmando que os valores para a aquisição do imóvel lhe foram doados e que o autor pagou a dívida à Autoridade Tributária e transferiu para a sua conta a quantia de € 5 256,03, com espírito de liberalidade.

Oferecido pelo autor o articulado de réplica - no qual alegou que suportou o pagamento, designadamente, do preço da aquisição do imóvel, dos emolumentos e encargos relacionados com a aquisição, e o vencimento da empregada doméstica apenas porque vivia em união de facto com a ré e que o único pagamento em que alegou um empréstimo é o relativo à quantia de € 5 256,03, mútuo, caso se conclua que existiu, é nulo por falta de forma - a Sra. Juíza de Direito julgou verificada a excepção dilatória da nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial e absolveu a ré da instância, decisão que, todavia, foi prontamente revogada por decisão sumária desta Relação.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, a sentença final da causa absolveu a ré do pedido.

É esta sentença que o autor impugna no recurso - no qual pede a sua revogação e substituição por outra que condene a apelada a pagar-lhe a quantia de € 88 107,84 acrescida de juros desde a citação até integral pagamento, a título de enriquecimento sem causa - tendo rematado a sua alegação com estas conclusões: I. O Recorrente discorda da decisão do facto do Tribunal recorrido, desde logo por ter sido julgado não provado “Que o Autor tenha entregue à Ré o montante de €5.256,03 (cinco mil duzentos e cinquenta e seis euros e três cêntimos) a título de empréstimo.” E “Que a Ré tenha dito necessitar de tal montante para fazer face a dívidas contraídas.” II. Resulta, inequivocamente, do depoimento de parte do A., aqui Recorrente, corroborado nessa parte pelo depoimento das testemunhas CC e DD, que este entregou à Recorrida o montante de €5.256,03 a título de empréstimo, de que esta última necessitava para fazer face às dívidas que resultavam das obras realizadas na sua casa III. Ao considerar como não provada a existência do empréstimo o Tribunal a quo contradiz flagrantemente a matéria que consta dos pontos 1.21. e 1.22., onde se dão como provados os elementos caracterizadores do contrato de empréstimo.

  1. Nesta conformidade, ao elenco dos factos provados, deverão ser acrescentados dois pontos com o seguinte teor: 1. 48. - “O Autor entregou à Ré o montante de € 5.256,03 (cinco mil duzentos e cinquenta e seis euros e três cêntimos) a título de empréstimo”, e 1.49. “A Ré disse necessitar de tal montante para fazer face a dívidas contraídas”.

  2. Ainda no que toca à matéria de facto, entende o ora recorrente que, dos transcritos depoimentos, de parte do A. e das suas testemunhas, era forçoso que o ponto 1.25. do elenco dos factos provados tivesse uma redacção mais abrangente, de forma a considerar que foi também em razão da união de facto, que o A. efectuou as demais transferências patrimoniais (pagamentos) em benefício da A.. Assim, o ponto 1.25. deverá passar a ter a seguinte redacção: 1.25. “Foi em razão dessa causa - a união de facto - que a R. adquiriu a propriedade exclusiva do imóvel e que o A. efectuou os pagamentos referidos em 1.23”.

  3. Os pontos 1.28., 1.29., 1.30., 1.33., 1.34., 1.35., 1.36., 1.37., 1.38., 1.39., 1.43., 1.46. e 1.47. foram incorrectamente julgados, ao considerar que tudo aconteceu por mero altruísmo e espírito de liberalidade do A., pelo que deverão os mesmos ser expurgados de todas as considerações que justificam a actuação do A. com essa motivação e alguns deles suprimidos in totum, como a seguir se explicita.

  4. Deverá, assim, a redacção desses pontos ser alterada nos seguintes termos: VII.I. 1.28. “Ao tempo em que o autor e a ré viviam em condições análogas às dos cônjuges o autor aumentou os ativos da ré à custa do seu património”.

    VII.II. 1.29. “Fê-lo com transferência de dinheiro para as despesas decorrentes da comunhão da vida, para pagamento de compromissos”.

    VII.III. 1.30. “A vontade do autor era que a ré tivesse dinheiro para cumprir com os seus compromissos”.

    VII.IV. Os pontos 1.33., 1.34., 1.36., 1.37., 1.38., 1.39. e 1.43. devem ser excluídos do elenco de factos provados, até pela sua intrínseca contradição com a demais matéria aprovada.

    VII.V. 1.35. “O pagamento do preço do imóvel e demais despesas inerentes à aquisição do mesmo, foi efectuado pelo autor por sua iniciativa”.

    VII.VI. 1.46. “O autor, antes da presente ação, solicitou a restituição do imóvel da ... e das restantes quantias com que favoreceu a Ré, designadamente através de email de 10 de janeiro de 2020 e de carta assinada pela sua mandatária”.

  5. VII. 1.47. “O valor de €5.256,03 foi transferido pelo autor para a conta da ré, por sua iniciativa”.

  6. Mesmo que nenhuma modificação fosse promovida ao acervo factual considerado provado pelo tribunal recorrido, ainda assim, bastaria este para levar à procedência da acção, o que apenas não aconteceu por erro na aplicação das regras do bom direito aos factos, o que se assinala sempre com o respeito que é devido por opinião diversa.

  7. Resultou provado que o Recorrente pagou a dívida da Recorrida à Autoridade Tributária e Aduaneira no valor de € 9.608,81, assim como lhe entregou € 5.256,03, transferidos para a sua conta bancária, pagamentos que o Recorrente fez em razão da união de facto, e na condição da subsistência dessa relação.

  8. O mesmo sucedeu com o imóvel da ..., cujo preço de aquisição foi integralmente suportado pelo A., juntamente com os respectivos emolumentos e impostos, malgrado a nua propriedade tenha ficado em nome da Ré/recorrida, por causa da união de facto, no pressuposto da manutenção dessa relação.

  9. Uma vez que os pagamentos foram feitos no âmbito de uma união de facto, quando esta deixa de existir, como sucedeu no caso em apreço, cessa a causa que os justificavam, presumindo-se, por isso, que eles foram feitos na pressuposição da manutenção da vida em comum. Existe uma presunção natural da não definitividade da atribuição realizada pelo autor em favor da Ré, uma presunção de condicionamento no sentido em que a atribuição fica condicionada à subsistência da relação, ainda que tal condição não esteja explicitada.

  10. Encontram-se, pois, preenchidos todos os pressupostos do enriquecimento sem causa previstos no artigo 473° do CC: existe um enriquecimento da Recorrida, a causa deste enriquecimento - a União de Facto- deixou de existir e este enriquecimento foi obtido à custa do empobrecimento do Recorrente.

  11. O enriquecimento existe a despeito do A. ter ficado com o usufruto do imóvel, pois ao invés do que concluiu a sentença recorrida, a nua propriedade tem valor e foi, aliás, atribuído o valor da respectiva avaliação na escritura de compra do imóvel.

  12. Ao decidir que, por existir usufruto, a Ré não viu enriquecido o seu património em virtude de apenas ser detentora da nua propriedade, a decisão recorrida fez incorrecta aplicação do direito aos factos, desconsiderando o carácter temporário do usufruto, interpretando incorrectamente o preceituado nos art°s 473°, 1305°, 1439°, 1443° e seguintes do Código Civil.

  13. Deve, pois, a Recorrida ser condenada no pagamento da quantia peticionada, correspondente ao seu enriquecimento e ao concomitante empobrecimento do A./recorrente, ao abrigo das regras do instituto do enriquecimento sem causa, A ré na resposta - depois de observar que o recorrente transcreveu o seu depoimento e os depoimentos das testemunhas EE, CC sem indicar o dia sessão do menciona os concretos depoimentos que impunham uma decisão diferente quanto aos factos dados como provados e não provados, não cumprindo, assim, o ónus da impugnação da decisão da matéria de facto, pelo que o recurso deve, nessa parte, ser liminarmente indeferido - concluiu pela improcedência do recurso.

    2.

    Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

    2.1. O Tribunal de que provém o recurso decidiu a matéria de facto nestes termos: 1.

    Factos Provados (Da petição inicial) 1.1. O A. viveu em união de facto com a R. de .../.../2007 até junho de 2019.

    1.2. Viviam em comunhão de cama, mesa e habitação.

    1.3. Tomavam junto as refeições, dormiam na mesma cama, partilhavam a mesma casa, sita na Urbanização ..., em ..., ....

    1.4. Repartiam as despesas do dia a dia.

    1.5. A residência permanente do casal (“casa morada de família”) era a casa do A., sita...

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