Acórdão nº 376/21.6T8LAG.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 29 de Setembro de 2022
Magistrado Responsável | MARIA ADELAIDE DOMINGOS |
Data da Resolução | 29 de Setembro de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de ÉVORA I – RELATÓRIO Ação Declarativa de condenação, sob a forma de processo comum Autor A… Réu B… Pedido Condenação do Réu a pagar ao Autor €50.000,00, mais juros de mora vencidos e vincendos até integral e efetivo pagamento.
Causa de pedir O Autor emprestou ao Réu €75.000,00, para o mesmo adquirir um lote de terreno onde o Réu iria construir um prédio urbano, comprometendo-se o Réu a devolver-lhe para além da quantia emprestada, pelo menos, mais €90.000,00.
O acordo não foi realizado por escrito.
Em função do acordado, o Autor entregou ao Réu, em 04-04-2004, 09-07-2005 e 26-02-2006, respetivamente, cheques com as quantias de €12.500,00, €37.500,00 e €25.000,00.
Em 2009, o Réu devolveu ao Autor €25.000,00, nada mais tendo devolvido.
O lote terreno que o Réu pretendia adquirir e para o qual pediu o valor emprestado ao Autor foi adquirido, em 16-03-2005, não pelo Reu, mas pela sociedade V…, Ld.ª, que, entretanto, foi declarada insolvente, tendo o terreno sido vendido a um particular no âmbito do processo de insolvência, pelo que o Autor viu gorada a expetativa de receber €140.000,00, peticionando apenas que lhe seja ressarcido o montante de € 50.000,00, que emprestou.
Contestação O Réu não celebrou qualquer contrato com o Autor, mas sim com a sociedade V…, Sociedade de Construções, Ld.ª, da qual o Réu era sócio, sendo que o contrato celebrado foi um contrato-promessa de compra e venda de imóvel, não reduzido a escrito, correspondendo os valores entregues ao sinal e subsequentes reforços.
O Autor desistiu da compra do imóvel e, dada relação de amizade entre as partes, o Réu acedeu devolver ao Autor o valor do sinal no valor de €25.000,00, que pagou através de uma empresa terceira, por a sociedade V…, Lda. se encontrar descapitalizada.
A sociedade V…, Lda. foi declarada insolvente, não tendo o Autor reclamado o seu crédito no processo de insolvência, tendo o imóvel que havia sido prometido vender, sido vendido aquando da liquidação.
Sentença Julgou a ação totalmente improcedente e absolveu o Réu do pedido.
Recurso Inconformada, o Autor recorreu apresentando as seguintes CONCLUSÕES: «
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Na presente acção peticionou o recorrente que recorrido fosse condenado a pagar-lhe a quantia de €50.000,00, por força de um contrato de mútuo da quantia de €75.000,00, concretizado somente pela entrega de três cheques ao recorrido, em 04/04/2004, 09/07/2005 e 26/02/2006, nas quantias de €12.500,00, € 37.500,00 e € 25.000,00.
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Tal mútuo nunca foi reduzido a escrito, padecendo de forma legal, abdicando o recorrente dos formalismos dos art.º 1143.º e 1146.º do Código Civil, por desconhecimento da lei.
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O recorrido devolveu ao recorrente, em 20/08/2009, a quantia € 25.000,00, nada mais lhe pagando até à presente data.
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Em 12/11/2018 o recorrente descobre que os pressupostos que o levaram a mutuar ao recorrido a mencionada quantia não são verdadeiros, desconhecendo que destino este deu à quantia mutuada, e que as expectivas de receber a remuneração acordada para o referido mútuo estavam goradas, com o que decidiu instaurar a presente acção para lhe ser restituída somente a quantia mutuada.
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Em contestação, o recorrido confessou o recebimento da quantia de €75.000,00, alegando, contudo, que não se tratava de um mútuo, mas sim do pagamento de um sinal a título de uma promessa de compra e venda de uma fracção autónoma a uma sociedade de que era sócio.
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O Tribunal deu como provado, nos pontos 4 e 5 da matéria de facto provada, que "...O Autor entregou ao Réu, através de cheques passados à ordem deste, em 04/04/2004, 09/07/2005 e 26/02/2006, as quantias de €12.500,00, €37.500,00 e €25.000,00 respectivamente..." e que "Em 2009, através de cheque passado pela sociedade U…, Lda., o Réu entregou ao Autor a quantia de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros)." g) Constituía causa de pedir do A. que havia celebrado com o recorrido um contrato de mútuo através do qual lhe emprestou a quantia de €75.000,00, e que, por falta dos formalismos exigidos pela lei, o referido contrato de mútuo era nulo e que, em consequência dessa nulidade, recaía sobre o recorrido, por força do art.º 289.º, n.º 1 do Código Civil, a obrigação de restituir ao recorrente tudo o quanto havia recebido deste, designadamente restituir ao recorrente a quantia de €50.000,00, com isso perfazendo a referida quantia mutuada de €75.000,00.
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Refere a sentença recorrida que nada se provou quanto à celebração do contrato de mútuo, assim como nada se provou quanto à celebração de um suposto contrato promessa de compra de venda com a sociedade V…, Sociedade de Construções, Lda., mais decidindo que "...ao contrário do que pelo Autor é propugnado na sua alegação, não resultou demonstrado a existência de qualquer vontade negocial do Autor e do Réu, conducente à celebração entre eles de um contrato de mútuo...", "...pelo que, por falta de prova da convergência entre o Autor e o Réu de vontades negociais conducentes à celebração de um contrato de mútuo, deverá o pedido formulado pela Autor improceder na sua totalidade, absolvendo-se o Réu do mesmo." i) Era também causa de pedir do A., conforme alegado nos art.ºs 27.º a 35.º do articulado da p.i. que, ainda que a aludida entrega da quantia de €75.000,00 ao recorrido não fosse subsumível à figura do contrato de mútuo, ou que este contrato não se provasse, assistiria sempre ao recorrente o direito à restituição das quantias que entregou ao recorrido, tituladas pelos referidos cheques de €12.500,00, €37.500,00 e €25.000,00, porquanto estas foram recebidas sem causa ou justificação, o que se traduzia no enriquecimento do património do recorrido pelo menos nesse mesmo montante.
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O art.º 473.º do Código Civil dispõe que “…aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou…” e que “…a obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.” k) O recorrente alegou no articulado da p.i., a título de causa de pedir, que recaía sobre o R. a obrigação de restituir ao A. tudo o quanto deste recebeu, o que, no caso concreto, importava a obrigação de restituir ao A. a referida quantia de €75.000,00, da qual restavam ainda €50.000,00.
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A sentença recorrida não fez qualquer menção à supra mencionada questão, ignorando por completo tal matéria.
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Tal questão era essencial e merecia ser apreciada por constituir peça fundamental da causa de pedir e do pedido formulados pelo A. nos autos.
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Dispõe o art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, que é nula a sentença quando "O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar..." o) Tendo a sentença recorrida dado como provado (pontos 4 e 5 dos factos provados) que o A. havia entregue ao R. a quantia €75.000,00, e não tendo ficado provado a que título tal entregue tinha ocorrido, nomeadamente não se tendo provado a versão dos factos invocados pelo R., então o Tribunal não podia deixar de se pronunciar sobre o invocado enriquecimento sem causa do R..
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Por tal razão incorre a sentença em nulidade insanável que deve ser declarada, com a sua consequente revogação e substituição por decisão que conheça do alegado enriquecimento sem causa do R..
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Atenta a factualidade provada, designadamente a prova da entrega ao R. da quantia de €75.000,00, e a inexistência de prova do R. justificativa do recebimento de tal quantia, deve ser proferida decisão que declare procedente, por provado, o enriquecimento sem causa do R. na quantia de €75.000,00, mais o condenando na restituição ao A. da quantia de €50.000,00.
Termos em que deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que se pronuncie sobre o invocado enriquecimento sem causa do R., declarando procedente, por provado tal enriquecimento sem causa na quantia de €75.000,00, e condenando o R. a restituir ao A. a quantia de €50.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até ao integral pagamento.» Foi apresentada resposta ao recurso, defendendo o recorrido a confirmação da sentença.
II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A 1.ª instância proferiu a seguinte decisão de facto: FACTOS PROVADOS «1. A… é residente nos Estados Unidos da América, para onde emigrou há vários anos, contudo, visto ter família e amigos em Portugal, visita o país com alguma frequência.
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A…. é padrinho de baptismo do filho do Réu B… 3. B… é empresário do ramo imobiliário, construindo, comprando e vendendo imóveis, o que fazia em nome próprio ou em nome de empresas suas.
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O Autor entregou ao Réu, através de cheques passados à ordem deste, em 04/04/2004, 09/07/2005 e 26/02/2006, as quantias de €12.500,00, €37.500,00 e €25.000,00 respectivamente.
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Em 2009, através de cheque passado pela sociedade U…, Lda., o Réu entregou ao Autor a quantia de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros).
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O Réu juntamente com uma terceira pessoa de nome C… constituiu em 11 de Maio de 1999 uma sociedade comercial por quotas denominada “V…, Sociedade de Construções, Lda”.
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O Réu e o C… foram os sócios fundadores e gerentes da sociedade V…, Lda.
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A sociedade “V…, Lda.”, requereu Processo Especial de Revitalização, tendo sido nomeado Administrador Judicial Provisório o Sr. Dr. (…), com endereço profissional em (…), no dia 23/04/2015.
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O Processo Especial de Revitalização foi declarado encerrado sem aprovação do plano, tendo a sociedade V…, Lda. sido declarada insolvente por sentença judicial datada de 07/06/2016.
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O Autor não reclamou o seu crédito na insolvência da V…, Lda.
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No âmbito da insolvência da sociedade V…, Lda., mostra-se reconhecido pelo Sr. Administrador de Insolvência o crédito da CGD, S.A., no valor total de capital €5.946.995,29 (cinco milhões novecentos e quarenta e seis mil novecentos e noventa e cinco euros e vinte e nove cêntimos), acrescido de juros de mora no...
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