Acórdão nº 186/21.0T8MTR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 02 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelRAQUEL BATISTA TAVARES
Data da Resolução02 de Novembro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO A Herança indivisa de AA, representada pelos seus herdeiros, BB, cônjuge viúva, natural da Freguesia ..., concelho ..., e os filhos CC, solteiro, maior, e DD, solteiro, maior, ambos naturais de ..., ..., todos com residência em ..., ..., ..., ..., ..., habitualmente com domicílio em ...., ..., ..., ..., EE, vieram intentar a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra FF, residente no ..., Bairro ..., ..., peticionando a condenação deste a restituir-lhes a quantia de €30.000,00, acrescida de juros vencidos e vincendos devidos pelo apresamento do referido capital, desde 16 de Abril de 2007, à taxa legal de 4%, até efetivo e integral pagamento.

Para o efeito alegaram, em suma, que AA e sua esposa BB, decidiram construir em ..., ..., uma habitação num terreno que aí possuíam, mas, porque estavam emigrados nos ..., sem possibilidades de vir a Portugal com a frequência necessária ao acompanhamento da construção, acordaram com o réu, seu familiar, para que este acompanhasse a execução da obra, verificando as fases da construção e efetuasse os correspondentes pagamentos devidos ao empreiteiro.

Mais alegaram que autorizaram o Réu a movimentar as suas contas bancárias, o que este fez, mas o Réu movimentou tais contas não só para efetuar os pagamentos atinentes aos encargos da obra, tendo utilizado quantia superior a €30.000,00 para fins e satisfação de interesses absolutamente estranhos àqueles e que, apesar de interpelado, nunca apresentou contas ao AA e sua esposa, enquanto aquele foi vivo, nem posteriormente aos seus herdeiros.

Regularmente citado, o Réu apresentou contestação.

Convidado a aperfeiçoar a contestação, juntou nova contestação.

Foi proferido despacho saneador no qual foi julgada improcedente a invocada exceção de caso julgado, e despacho que entendeu que a nova contestação não supria os vícios que haviam sido apontados, designadamente, por não serem impugnados especificadamente os factos articulados na petição inicial, limitando-se a remeter para documentos, e que se consideravam admitidos por acordo os factos constantes da petição inicial.

Foi determinada a notificação das partes nos termos e para os efeitos do artigo 567º, n.º 2, do Código de Processo Civil, concedendo o prazo de 10 dias para alegações escritas.

Considerando inexistir factualidade controvertida, o Tribunal a quo conheceu de mérito proferindo a seguinte decisão: “Em conformidade e decorrência das razões de facto e de direito expostas, julga-se a ação totalmente procedente, por totalmente provada, e, em consequência: a) condena-se o réu o restituir aos herdeiros de AA a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros), acrescida de juros vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, desde 16 de Abril de 2007 até efetivo e integral pagamento, b) condena-se o réu nas custas da ação.

Registe e notifique.

” Inconformado, apelou o Réu da sentença, concluindo as suas alegações da seguinte forma: “1-Os AA. tendo optado por intentaram ação com base no instituto do enriquecimento sem causa, que lhe estava vedada, a fim de pedir a restituição da sinalizada quantia ao R., seu mandatário, pois tinham ao seu dispor, para atingir esse desiderato, outros meios processuais, vg. ação de indemnização por responsabilidade contratual e/ou extracontratual; procedimento criminal por abuso de confiança e ainda ação especial para prestação de contas, infringiram o princípio da subsidiariedade do instituto do enriquecimento sem causa previsto no artigo 474º do Código Civil, que constitui exceção perentória e determina a improcedência da ação.

2-Não tendo absolvido o R. do pedido, pela manifesta infração do princípio da subsidiariedade, o tribunal a quo violou o disposto nesse artigo 474º.

3-Os AA. radicaram o pedido de restituição no enriquecimento sem justa causa; sem que nada o fizesse prever a restituição foi decretada com fundamento na responsabilidade por factos ilícitos., decisão essa proferida na ausência de prévia notificação pelo tribunal ao R. da possibilidade da sentença ser prolatada com base em figura distinta do enriquecimento sem causa em que os AA., fundaram a sua pretensão não tendo o R. oportunidade de se pronunciar, o que constitui decisão-surpresa, por inobservância e violação do preceituado no s artigos 3º, nº 3 do CPC, cometendo o tribunal a quo, por omissão, uma nulidade processual, o qual influiu no exame e decisão da causa e produziu a referida decisão-surpresa, já que, no mínimo, é alheia ao, ou se sita fora do, módulo ou do plano jurídico perfilhado e assumido claramente e de forma indubitável vg. pelos autores.

4-E, assim, tornando a própria sentença nula – cfr. artigo 195º, nºs 1 e 2 do CPC.

5-Invocaram os AA, na pi, que o R. está obrigado a restituir à herança autora a importância de 30.000, 00 € e também a pagar os respetivos juros legais a contar da recusa da restituição… mas, a final, peticionam juros com base na sentença de 16 de Abril de 2007, que considerou haver a obrigação do R. de prestar contas, e não a contar da recusa da restituição, o que configura divergência/contradição entre a causa de pedir e o pedido de juros.

6-Pelo que neste item a petição é inepta por contradição entre a causa de pedir e o pedido (cfr. artigo 186º, nº1, alínea b)), o que conduz à nulidade parcial do processado no que tange aos juros moratórios, com a consequente absolvição do R. da instância (artigo 278º, nº 1, alínea b), todos do Código de Processo Civil).

7-Verificando-se a exceção dilatória da ineptidão parcial da petição inicial (artigo 577º do CPC).

8- Admitindo por mera hipótese e sem conceder, que a apelação não prospere quanto à recorrida restituição da quantia de 30.000,00 € só serão devidos juros de mora a partir da citação do R. para os termos da presente ação, e não a partir de 16 de Abril de 2007, pelas razões acima expostas, nomeadamente pela suposta dívida ser ilíquida, até porque não se apurou na ação de prestação de contas saldo algum, ação que aliás culminou com a absolvição do R. da instância, por sentença de 21 de Janeiro de 2014, porque os AA., notificados para o efeito, não as prestaram, pelo que de iure não podia considerar-se que o R. entrou em mora naquela data.

9-Deve dar-se como não escrito o teor do ponto 28º dos factos provados, uma vez que que a definição de mora, implica uma valoração e um juízo, tratando-se de matéria conclusiva/de direito que não de matéria de facto.

10-Devia o tribunal a quo pronunciar-se, como devia, mas não fez, sobre a não apresentação das contas pelos AA, quando lhes foi deferido pelo tribunal a faculdade de as apresentar e em decorrência ajuizar dos efeitos da sentença de 21 de janeiro de 2014, que absolveu o R. da instância no aludido processo de prestação de contas, dada a sua relevância para apurar da invocada mora do R. e até eventualmente da mora dos AA., no confronto com a alegação e condenação do R. em mora reportada a sentença proferida, com anterioridade, no mesmo processo, em 16 de Abril de 2007, que julgou que o R. tinha obrigação de prestar contas.

11-Pelo que ocorreu omissão de pronúncia o que leva à nulidade da sentença, em consonância como o prescrito na alínea d), do nº 1, do artigo 615º do CPC”.

Pugna o Recorrente pela procedência do recurso e consequentemente pela procedência da exceção perentória da violação do principio da subsidiariedade do instituto do enriquecimento sem causa, sendo o Réu absolvido do pedido; caso assim no se entenda, seja decretada a nulidade da sentença final, por se tratar de decisão-surpresa, conhecendo-se, contudo, do objeto do processo por força do disposto no artigo 665º, nº 1 do Código de Processo Civil; caso assim não se considere deve ser declarada a ineptidão parcial da petição inicial, por contradição entre o pedido e a causa de pedir, no que toca aos juros moratórios, revogando-se a decisão recorrida quanto à condenação do Réu no pagamento de juros moratórios, sendo este absolvido da instância e caso assim não se julgue, deve ser decretado que os juros de mora a serem devidos, apenas são devidos desde a citação do Réu. para os termos do presente processo e considerar-se que ocorreu omissão de pronúncia, no que concerne à indicada questão, declarando-se a nulidade da sentença conforme previsto na alínea d), do nº 1, do artigo 615º do Código de Processo Civil, com as consequências que dela decorram.

A Autora contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

***II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do Código de Processo Civil, de ora em diante designado apenas por CPC).

As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelo Recorrente, são as seguintes: 1- Da nulidade da sentença; 2 - Da ineptidão parcial da petição inicial; 3 - Da subsidiariedade do instituto do enriquecimento sem causa; 4 - Dos juros de mora e da factualidade constante do ponto 28) dos factos provados.

***III. FUNDAMENTAÇÃO 3.1. Os factos Factos considerados provados em Primeira Instância: 1. AA, que foi casado sob o regime da comunhão geral com a autora BB, faleceu no dia .../.../... a .../.../..., em ..., nos ..., 2. Tendo-lhe sucedido a cônjuge BB e os filhos CC e DD, supra identificados.

  1. A herança de AA continua indivisa.

  2. Em 1990, o AA e sua esposa BB, decidiram construir em ..., ..., uma habitação num terreno que aí possuíam.

  3. Porque estavam emigrados nos ..., sem possibilidades de vir a Portugal com a frequência necessária ao acompanhamento da construção, acordaram com o requerido FF, seu familiar, para que este acompanhasse a execução da obra, verificando as fases da construção e efetuasse os correspondentes pagamentos devidos ao empreiteiro.

  4. Para tanto autorizaram o réu FF a movimentar as seguintes...

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