Acórdão nº 2415/18.9T8LRA.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução28 de Setembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relator: Henrique Antunes Adjuntos: Mário Rodrigues da Silva Cristina Neves Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

AD... S.A, pediu ao Sr. Juiz de Direito, do Juízo Central de Leira, do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, contra VD..., Lda., que considerasse nulos, por simulação, os contratos de sublocação datados de 06.02.2015, 02.04.2015 e 01.05.2015, que condenasse a ré pagar-lhe a quantia de € 65 000,00, acrescida de juros de mora, desde a data da sua citação e até efetivo e integral pagamento, calculados à taxa supletiva legalmente aplicável, e que considerasse igualmente nulas as faturas emitidas pela última relativamente às rendas dos meses de agosto de 2017 a janeiro de 2018, no montante total de € 15.000,00 e, bem assim, a desonerasse de pagar à ré qualquer quantia relacionada com tais faturas, em função da referida simulação.

Fundamentou estas pretensões, na parte útil, no facto de, no dia 6 de Fevereiro de 2015, a ré ter celebrado um contrato promessa de sublocação com o seu administrador AA, actuando em seu nome, pelo qual se comprometeu a pagar rendas por um prédio misto localizado em ..., ..., relativamente ao qual a ré celebrou, no dia 25 de Março de 2015, com o Banco Comercial Português um contrato de locação financeira, de, no dia 2 de Abril de 2015, a ré ter celebrado um contrato definitivo de sublocação daquele imóvel, com AA, atuando em seu nome, por um período de 5 anos, renovável, pela renda mensal de € 2 500,00, e uma caução de € 30 000,00, acordo assinado sem o número suficiente de assinaturas para a vincular, e que não obteve prévia deliberação favorável do seu conselho de administração e relativamente ao qual os outros administradores, em reunião informal, se manifestaram contra, por não ter qual racional económico-financeiro, nunca tendo utilizado o imóvel, pelo que, face à não aprovação do negócio, foi preparada, sob impulso de AA, uma minuta, que não foi assinada pelas partes, de um novo contrato de sublocação, datada de 1 de Maio de 2015, de um armazém sito na ..., ..., pela renda mensal correspondente a € 2 500,00, mas que serviu de base à facturação das rendas, das quais as relativas a Maio de 2015 a Julho de 2017, foram pagas, tendo ainda sido facturadas rendas relativas a Agosto de 2017 a Janeiro de 2018, e de estas transacções visarem apenas beneficiar a ré e AA, não passando as rendas de financiamento da ré para aquisição do prédio misto localizado em ..., sendo, por isso, os contratos nulos por simulação, estando a ré constituída no dever de a indemnizar com base numa responsabilidade extracontratual, ou caso assim se não entenda, no dever de, com fundamento em enriquecimento sem causa, de lhe restituir aquilo com que, injustamente, se locupletou.

A ré defendeu-se por impugnação, afirmando que celebrou com a autora um contrato promessa e um contrato de sublocação respeitante ao imóvel localizado em ..., ..., que não sobe se foi utilizado pela autora, contrato que foi cumprido nos seus exactos termos, mas que a aquela, sem justa causa, suspendeu, cessando o pagamento da renda, pelo que o resolveu, que desconhece a existência do contrato de sublocação do pavilhão da ..., que nunca foi assinado por qualquer das partes, que não houve qualquer conluio com o administrador da autora, AA, ou qualquer intuito de, com o contrato de sublocação, enganar terceiros, que ainda que se considere haver simulação, esta seria relativa, por as partes pretenderem celebrar um contrato promessa de bem futuro, entendendo-se as prestações pagas como sinal que se reserva o direito de fazer seu, e que mesmo que se considere haver falta de poderes de AA, sempre haveria que concluir pela ratificação do negócio pelos restantes administradores, que não poderiam desconhecer que as rendas daquele contrato vinham a ser sucessivamente pagas.

A ré pediu, em reconvenção, a condenação da autora a pagar-lhe a quantia de € 15 000,00.

Fundamentou a pretensão reconvencional no facto de ter resolvido o contrato de sublocação, por falta de pagamento da renda, tendo, porém, ficado em dívida, rendas no valor de € 15 000,00.

A sentença final julgou improcedentes, tanto a acção como a reconvenção.

É esta sentença que a autora – e só esta - impugna no recurso, no qual pede:

  1. A junção dos documentos n.ºs 1 a 3 que acompanham a alegação; b) A revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que: i. Considere nulos, por simulação, os contratos de sublocação, supra melhor identificados, datados de 06.02.2015, 02.04.2015 e 01.05.2015; e ii. Condene a Recorrida a pagar à Recorrente a quantia total de EUR 65.000,00, acrescida de juros de mora, desde a data da sua citação e até efetivo e integral pagamento, calculados à taxa supletiva legalmente aplicável; e iii. Considere serem igualmente nulas as faturas emitidas pela Recorrida à Recorrente relativamente às rendas dos meses de agosto de 2017 a janeiro de 2018, no montante total de EUR 15.000,00 (quinze mil euros) e, bem assim, deve ser a recorrente desonerada de pagar à Recorrida qualquer quantia relacionada com tais faturas.

    Ordenada para inculcar o mal fundado da decisão recorrida, a apelante – decerto no convencimento de que concluir muito é concluir bem – extraiu da sua latitudinária alegação estas igualmente numerosas e fartas conclusões: OBJETO DO RECURSO.

    (1) O presente recurso tem por objeto a Decisão Recorrida, no âmbito da qual o Tribunal a quo considerou totalmente improcedente a presente ação instaurada pela Recorrente, bem como a reconvenção deduzida pela Recorrida, não se conformando a Recorrente com o segmento decisório da Decisão Recorrida de absolvição da Recorrida dos pedidos contra si formulados.

    (2) Nos presentes autos, o que está em causa é a construção (e desmontagem) de um esquema fraudulento, à margem de todas as regras e lógica empresarial, arquitetado, pelos Senhores AA, BB e CC, com o único propósito de providenciar, às custas da Recorrente, verbas à ora Recorrida, sem qualquer contrapartida para a primeira, a qual foi, por isso, prejudicada em benefício da segunda.

    (3) A Recorrente teve o cuidado de elucidar o Tribunal a quo sobre o histórico do Senhor AA no exercício das suas anteriores funções de administrador das sociedades do GCC..., das quais resulta um modus operandi absolutamente desleal e fraudulento do Senhor AA, enquanto administrador das diversas sociedades do GCC..., incluindo da Recorrente, e que, uma vez atendidas, demonstram bem que a situação ora em causa nos presentes autos não passa de mais um episódio, entre tantos outros, de desvios das sociedades do GCC... para seu benefício próprio e/ou dos seus familiares – cfr. decisões judiciais confirmadas pelas instâncias superiores dos nossos Tribunais supra citadas.

    (4) São inúmeras as evidências – devidamente alegadas e demonstradas nos presentes autos – que confirmam que o complexo contratual pretensamente celebrado entre a Recorrente e a Recorrida não têm qualquer substrato económico subjacente ou jurídico, tendo constituído uma montagem documental destinada, puramente, a servir de justificativo contabilístico à emissão de faturas que, após validação pelo próprio AA, sustentaram a deslocação indevida de verbas do património da Recorrente para o da Recorrida.

    SÍNTESE FACTUAL (5) O GCC... (do qual, recorde-se, faz parte a Recorrente) foi detido e exclusivamente administrado pelo Senhor AA até 2013 – ano em que tal situação se veio a alterar em virtude da situação de insolvência técnica em que se encontravam as sociedades do grupo.

    (6) A referida alteração deu-se, portanto, na sequência de uma reestruturação financeira do GCC... operada pelo FR..., que procedeu à aquisição de créditos bancários no valor global de EUR 101.162.310,92, bem como à injeção de capital no próprio GCC... e que, como é normal nesse tipo de operações, através da AR..., entrou no capital social da holding do GCC..., adquirindo uma participação de 50% do capital social da CC..., a qual detém 71,12% do capital social da Recorrente. Mais tendo ficado aí acordado que, dentro de determinadas regras estatutárias, o Senhor AA permaneceria responsável pela administração executiva das sociedades operacionais do GCC... (de entre as quais, a Recorrente).

    (7) Tal confiança veio, mais tarde, a demonstrar-se absolutamente desmerecida: o Senhor AA foi dando indícios de vários comportamentos desleais, o que levou os administradores das sociedades do GCC... designados pelo FR.../AR... a reagir, promovendo a realização da Auditoria Forense (cfr. Documento n.º 10 da Petição Inicial), da qual resultaram claramente evidenciados inúmeros, contínuos e sistemáticos desvios, que foram sendo operados ou perpetrados pelo Senhor AA, do património, dos recursos materiais, financeiros e humanos, das oportunidades de negócio e da clientela do GCC... em seu beneficio e dos seus familiares.

    (8) Na Auditoria Forense ficou também registada e documentada a apropriação do património as sociedades do GCC... pelo Senhor AA, através da imputação de despesas pessoais, de transferências bancárias e de esquemas fraudulentos – como o caso sub judice é disso exemplo (ainda que particularmente grave, pela manifesta confusão de esferas e abuso da qualidade de administrador que implicou).

    (9) De facto, tem vindo a ficar demonstrado junto de todas as instâncias dos nossos Tribunais que o Senhor AA adotou durante anos comportamentos absolutamente desleais, fraudulentos e ilícitos que prejudicaram a Recorrente e as demais sociedades do GCC... em montantes que ascendem a vários milhões de euros – cfr. Decisões supra mencionadas.

    VEJAMOS ENTÃO, EM CONCRETO, OS DETALHES RELATIVAMENTE AO ESQUEMA FRAUDULENTO ENVOLVENDO A RECORRIDA VD..., Lda.: (10) Para o que ora releva, o Senhor AA, abusando da sua qualidade de administrador da Recorrente, apropriou-se e ordenou a transferência dos recursos financeiros e monetários da Recorrente para satisfazer obrigações financeiras da Recorrida – que, à data dos factos, era detida...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT