Acórdão nº 40/08 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Janeiro de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução23 de Janeiro de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 40/2008 Processo n.º 651/07 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. Relatório

A. reclamou para o Presidente do Tribunal da Relação de Évora, nos termos do artigo 405.º do Código de Processo Penal (CPP), contra o despacho do Juiz do Tribunal de Instrução Criminal de Évora, de 6 de Outubro de 2006, que não admitiu recurso por ele interposto de despacho do mesmo Juiz, de 8 de Setembro de 2006, que indeferiu impugnação da deliberação do Instituto de Solidariedade e Segurança Social de Lisboa, que lhe havia negado a concessão de apoio judiciário, por ele peticionada nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação e pagamento de honorários de patrono, tendo em vista a sua constituição como assistente em processo penal pendente no DIAP de Évora (Proc. n.º 348/05.8TAEVR).

A reclamação foi deferida por despacho do Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Évora, de 31 de Outubro de 2006, com a fundamentação seguinte:

“A questão que se coloca na presente reclamação consiste em saber se a tramitação da impugnação da decisão administrativa proferida sobre o pedido de apoio judiciário, formulado ao abrigo da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, admite recurso para o Tribunal da Relação.

O regime de acesso ao direito e aos tribunais consagrado na Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, ao regular a tramitação da impugnação da decisão administrativa proferida sobre o pedido de apoio judiciário, dispunha no seu artigo 29.º, n.º 1, que «é competente para conhecer e decidir o recurso em última instância o tribunal da comarca em que está sediado o serviço de segurança social que apreciou o pedido de apoio judiciário, ou, caso o pedido tenha sido formulado na pendência da acção, o tribunal em que esta se encontre pendente».

Nos termos deste regime, não havia dúvida que a tramitação da impugnação judicial da decisão sobre o pedido de apoio judiciário era decidida, em última instância, pelo tribunal de comarca, não cabendo recurso da decisão deste tribunal para o Tribunal da Relação.

Entretanto, o regime consagrado na Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, foi revogado pela Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, que estabeleceu novo regime, transpondo para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2003/8/CE, do Conselho, de 27 de Janeiro, relativa à melhoria do acesso à justiça nos litígios transfronteiriços através do estabelecimento de regras mínimas comuns relativas ao apoio judiciário no âmbito desses litígios.

Este diploma legal, no seu artigo 28.º, n.º 1, estatui que «é competente para conhecer e decidir a impugnação o tribunal da comarca em que está sediado o serviço de segurança social que apreciou o pedido de protecção jurídica ou, caso o pedido tenha sido formulado na pendência da acção, o tribunal em que esta se encontre pendente».

Por seu turno, o artigo 29.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, sob a epígrafe «Alcance da decisão final», refere que «a decisão que defira o pedido de protecção jurídica especifica as modalidades e a concreta medida do apoio concedido».

Conjugando estas duas disposições legais temos, pelo menos, uma decisão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24 de Maio de 2006, in www.dgsi.pt/jtrc, proferida em sede de reclamação, que concluiu:

«A tramitação desta impugnação, a processar nos termos dos artigos 27.º e 28.º da Lei n.º 34/2004, contempla apenas a intervenção do tribunal da comarca, isto é, da decisão deste tribunal não cabe já novo recurso para o Tribunal da Relação.

A referência a ‘decisão final’, constante do artigo 29.º da Lei n.º 34/2004, reforça a ideia de que o tribunal de comarca tem a última palavra em matéria de apoio judiciário, a menos que se suscite alguma inconstitucionalidade.»

Nós próprios, ao decidir a Reclamação n.º 1542/06-1, na linha desta decisão do Tribunal da Relação de Coimbra, concluímos que a tramitação da impugnação judicial da decisão sobre o apoio judiciário, descrita nos artigos 27.º e 28.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, admitia apenas recurso para o Tribunal de Comarca que decidia em última instância.

Entretanto, o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu várias decisões, em sede de reclamação, nas quais, embora reconhecendo que a questão é duvidosa, abre a possibilidade de admissão de recurso para o Tribunal da Relação [cf. decisão das Reclamações n.º 2606/06-3, 2378/06-9, 3103/06-9 e 2137/06-9].

Esta posição escora-se nos seguintes argumentos:

– No artigo 28.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, não está expressamente prevista a irrecorribilidade da decisão proferida pelo tribunal de 1.ª instância sobre o pedido de apoio judiciário;

– Esta disposição legal apenas regula a atribuição da competência para conhecimento de recursos das decisões administrativas e regras de definição de competência entre tribunais duma mesma comarca, mas não se pretende estabelecer uma regra de irrecorribilidade;

– A Lei n.º 30/2000, de 20 de Dezembro, no seu artigo 29.º, previa apenas uma instância de recurso, pelo que o respectivo desaparecimento expresso a tal limitação na Lei n.º 34/2004 parece levar à conclusão da admissibilidade de recurso para o Tribunal da Relação.

Ponderando sobre estes argumentos, parece-nos que a questão não é linear, o que é, desde logo, motivo para que se admita a reclamação.

Na verdade, a eliminação do segmento que constava no artigo 29.º, n.º 1, da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, «em última instância», poderá significar que o legislador, na Lei em vigor, terá optado por seguir a regra geral de recorribilidade em dois graus de recurso, aplicando-se as regras gerais constantes nos artigos 399.º e 400.º do Código de Processo Penal.

Pelo exposto, julga-se procedente a reclamação e revoga-se o despacho impugnado, ordenando-se a sua substituição por outro que admita o recurso.”

Na sequência deste despacho, o recurso foi admitido no Tribunal de Instrução Criminal de Évora e remetido ao Tribunal da Relação de Évora, mas, aí, o representante do Ministério Público suscitou a questão prévia da inadmissibilidade do recurso, porquanto, “de acordo com a melhor interpretação do disposto nos artigos 26.º, 27.º e 28.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, só existe uma instância de recurso da decisão sobre o pedido de protecção jurídica”.

Notificado deste parecer, nos termos e para os efeitos do artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o recorrente apresentou resposta, na qual defende como mais correcta a interpretação dos artigos 26.º a 28.º da Lei n.º 34/2004 no sentido da admissibilidade de recurso para a Relação, até porque, “na falta de norma expressa na lei em vigor aplica-se, sem sombra de maior dúvida, a regra geral dos artigos 399.º e 400.º da lei adjectiva penal”, suscitando desde logo a questão da inconstitucionalidade, por violação dos artigos 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, 32.º, n.ºs 1 e 7, 202.º, n.º 2, e 203.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), de interpretação diversa daquelas normas, isto é, de interpretação que considerasse incabível recurso para a Relação das decisões dos tribunais de comarca que neguem provimento a impugnação judicial da decisão administrativa que indeferiu a concessão do benefício de apoio judiciário.

Por acórdão de 17 de Abril de 2007, o Tribunal da Relação de Évora rejeitou o recurso, por manifesta improcedência, nos termos do artigo 420.º, n.º 1, do CPP, com base na seguinte argumentação:

“No actual regime de apoio judiciário, decorrente da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, à semelhança, aliás, do que sucedia no âmbito da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, a decisão proferida sobre tal matéria pelo máximo dirigente dos Serviços da Segurança Social está sujeita a impugnação judicial – v. artigo 26.º, n.º 2, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho.

Invoca o recorrente que a referência a última instância feita no artigo 29.º, n.º 1, da Lei n.º 30-E/2000 já não consta do correspondente preceito da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, ou seja, do artigo 28.º, n.º 1, desta Lei.

Por tal facto, o certo é que a tramitação actual da impugnação judicial da decisão proferida no procedimento administrativo que decidiu o apoio judiciário prevê tão-somente a intervenção do Tribunal de Comarca e, logo, de um só grau de jurisdição em matéria de recurso.

Se tivesse havido o propósito de ser fixado um duplo grau de jurisdição, com recurso para o Tribunal da Relação, isso não teria deixado de estar expressamente consagrado no texto da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho.

Conforme salienta o Ex.mo Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, na decisão da Reclamação n.º 61/2005, datada de 24 de Maio de 2006, «a referência a decisão final constante do artigo 29.º da Lei n.º 34/2004, reforça a ideia de que o Tribunal de Comarca tem a última palavra em matéria de apoio judiciário, a menos que se suscite alguma inconstitucionalidade».

No mesmo sentido se pronunciou o Ex.mo Presidente do Tribunal da Relação do Porto, na decisão da Reclamação n.º 0612090, datada de 2 de Abril de 2006, ao escrever taxativamente: «Não há, segundo a lei, recurso para o Tribunal da Relação, em matéria de apoio judiciário, conforme se infere de todo o regime actual, apenas se prevendo a ‘impugnação’ que é para o Tribunal de Comarca».

Atenta a natureza da matéria em causa, aliás, sempre seria incompreensível a fixação de um duplo grau de jurisdição, devendo manter-se, à luz do actual quadro legal (Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho), o entendimento existente, de uma forma inquestionável, ao abrigo da anterior Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro.”

É contra este acórdão que pelo recorrente vem interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade, por violação dosprincípios do...

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