Acórdão nº 363/00 de Tribunal Constitucional (Port, 05 de Julho de 2000

Magistrado ResponsávelCons. Sousa Brito
Data da Resolução05 de Julho de 2000
EmissorTribunal Constitucional (Port

Acórdão nº 363/00

Proc. nº 838/98

  1. Secção

Relator: Cons. Sousa e Brito

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:

I – Relatório

  1. Inconformados com a decisão do Tribunal da Relação de Coimbra de fls. 915 a 932 dos autos, que lhes indeferiu os recursos por si interpostos (o primeiro a fls. 765 a 770; o segundo a fls. 842 a 857; o terceiro a fls. 875 a 878), os arguidos A. S. e J. R. (ora recorrentes) recorreram para o Tribunal Constitucional a fim de que fosse apreciada a inconstitucionalidade:

    "

    1. Do artigo 116º, nº 2 do Código de Processo Penal, na douta interpretação que lhe é dada por esse Venerando Tribunal, no Acórdão proferido no processo à margem identificado, por entenderem que esse preceito, nessa interpretação, viola o disposto no art. 27º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa;

    2. Do artigo 180º do Código Penal (anterior artigo 164º), na douta interpretação que lhe é dada por esse Venerando Tribunal, no Acórdão proferido no processo à margem identificado, por entenderem que esse preceito, nessa interpretação, viola o disposto no art. 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa;

    3. Do artigo 107º, nº 2 do Código de Processo Penal e 146º do Código de Processo Civil, na douta interpretação que lhes é dada por esse Venerando Tribunal, no Acórdão proferido no processo à margem identificado, por entenderem que esse preceito, nessa interpretação, viola o disposto no art. 32º, nº 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa".

  2. Já neste Tribunal foram os Recorrentes notificadas para alegar, o que fizeram, tendo concluído nos seguintes termos:

    "1 – Nos presentes autos foi ordenada, com base no art. 116º, nº 2 do Código de Processo Penal, em 13/1/97, a detenção do recorrente A. S. a fim de que este estivesse presente na audiência de julgamento a realizar no dia seguinte.

    2 – O arguido é primário, o crime em causa não justificava a prisão preventiva, era a primeira vez que com base na falta de um arguido era adiada uma diligência processual, e quanto a este recorrente o processo não tinha sequer natureza urgente, nem tinha ainda decorrido o prazo legal de 5 dias para a justificação da falta.

    3 – Entendeu, assim, o Tribunal a quo, ao considerar legal e justificada tal detenção, que o art. 116º, nº 2, permite a detenção de quem tiver faltado a uma, mesmo ainda antes de ter decorrido o prazo para a justificação da falta, e sem que se mostre justificado não existirem outros meios para assegurar a sua comparência, nem se possa, com razoabilidade, supor que o faltoso não se apresentará voluntariamente, pode ser ordenada a sua detenção.

    4 – Assim, tal norma do Código de Processo Penal, nessa interpretação que lhe foi dada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no douto acórdão recorrido, é inconstitucional, por violar o disposto no art. 27º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, devendo tal inconstitucionalidade ser declarada por esse Venerando Tribunal Constitucional.

    5 – Vinham os arguidos acusados do crime de difamação, p.p. no art. 180º do Código Penal (anterior art. 164º).

    6 – A douta sentença da 1ª instância, mantida integralmente pelo acórdão da Relação de Coimbra de que se recorre, entendeu que não se considerou provada a intenção dos arguidos, ora recorrentes, em ofender, isto é, o dolo específico.

    7- Ora, não obstante o muito respeito pela opinião e jurisprudência contrárias, é todavia de entender que a existência desse dolo e a sua prova é essencial para se considerar verificado o crime de difamação pelo qual os arguidos foram condenados.

    8 – Com efeito, a douta posição defendida no acórdão da Relação de Coimbra leva à existência implícita de uma presunção do ânimo de ofender resultante da materialidade das expressões utilizadas.

    9 – Tal interpretação viola, assim, o princípio acusatório do processo penal, bem como o da presunção da inocência do arguido, consagrado no art. 32º, nºs 2 e 5 da CRP.

    10 – Pelo que deve ser declarado inconstitucional o art. 180º do Código Penal (anterior art. 164º), por violação do disposto no art. 32º, nºs 2 e 5 da CRP, na douta interpretação constante do acórdão recorrido de que, no crime de difamação não é necessário qualquer dolo específico, bastando um dolo genérico consubstanciado na objectividade da injúria.

    11 – Antes de interporem recurso da decisão final, e dentro do prazo legal deste, pretenderam os arguidos consultar as actas da audiência o que lhes foi negado.

    12 – A impossibilidade de consultar as actas de julgamento coarcta o direito de defesa que assiste aos recorrentes, pois que, para fundamentarem devidamente o recurso, designadamente para poderem efectuar as respectivas remissões, os recorrentes precisam de ter acesso a essas actas.

    13 – O facto de os recorrentes terem estado representados em audiência por defensor, com conhecimento de tudo o que nela se passou, não torna desnecessária a consulta das actas tanto mais que o julgamento durou sensivelmente duas semanas e as actas em causa têm 268 páginas, num processo com cerca de 800 folhas.

    14 – Pelo que, querendo os arguidos recorrer da matéria de facto, tais actas, quer para uma maior precisão, quer por necessidade de remissões ou de concretização do afirmado, quer ainda para uma maior certeza no afirmado ao longo da motivação do recurso, eram indispensáveis aos arguidos para poderem apresentar o mesmo.

    15 – Como se sublinhou nos doutos acórdãos do Tribunal Constitucional (Ac. nº 395/95, de 5 de Dezembro de 1995, Ac. nº 117/96, de 6 de Fevereiro de 1996), o acesso pelos arguidos ao processo a fim de poderem preparar a defesa (neste caso o recurso) é um elemento essencial no próprio direito de defesa.

    16 – Deste modo, estavam os recorrentes impedidos de interpor o seu recurso, enquanto não lhe fosse permitida a integral consulta do processo, designadamente da acta de julgamento.

    17 – Assim, a interpretação dos art.s 107º, nº 2 do CPP e 146º do CPC, no sentido de que a impossibilidade de consulta das actas do julgamento não constitui justo impedimento para a interposição do recurso viola o art. 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa".

  3. Notificado para responder, querendo, às alegações das recorrentes, disse o recorrido particular, a concluir:

    "1º - O presente recurso interposto pelos arguidos não tem qualquer fundamento válido, nem moral, nem legal, e;

    1. - Visa exclusivamente um fim: a prescrição do procedimento criminal contra os arguidos, através do expediente, levado a cabo pelos arguidos desde o início do processo, de embaraçarem, atrasarem e paralisarem o mais possível e por todos os meios, o processo, obstruindo de toda a maneira o que deveria ser o exercício normal da administração da justiça, numa clara e autêntica actuação de fraude à lei, inadmissível a todos os títulos num Estado de Direito.

    2. - O douto acórdão recorrido não deu qualquer interpretação a quaisquer normas legais que sejam violadoras de quaisquer normas da Constituição da República Portuguesa, designadamente, dos seus artigos 27º, nº 1 e 32º, nºs 1, 2 e 5.

    3. - No douto acórdão recorrido não foi cometida qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade ou qualquer norma interpretada ou aplicada de forma inconstitucional ou ilegal".

  4. Por sua vez, igualmente notificado para responder, querendo, às alegações dos recorrentes, disse o Ministério Público, a concluir a sua legação:

    "1. A interpretação acolhida na decisão recorrida de que o artigo 116º, nº 2, do Código de Processo Penal, permite a detenção do arguido que, regularmente notificado, tenha faltado a um acto processual, antes de decorrido o prazo para a justificação da falta, é inconstitucional, por violação do art. 27º, nº 1 da Constituição.

  5. O artigo 180º do Código Penal (anterior artigo 164º), na interpretação constante do acórdão recorrido, de que não é necessário o dolo específico, bastando o dolo genérico, não é inconstitucional, por violação dos artigos 32º, nºs 2 e 5, da Constituição.

  6. Os artigos 107º, nº 2 do Código de Processo Penal e 146º, nº 1 do Código de Processo Civil, na interpretação perfilhada na decisão recorrida, não violam o art. 32º, nº 1, da Constituição".

    Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

    II – Fundamentação.

  7. A questão de constitucionalidade reportada à norma do artigo 116º, nº 2 do Código de Processo Penal, na redacção anterior à Lei nº59/98.

    5.1. Tendo o arguido A. S., devida e regularmente notificado, faltado à audiência marcada...

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