Acórdão nº 433/02 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Outubro de 2002

Magistrado ResponsávelCons. Helena Brito
Data da Resolução22 de Outubro de 2002
EmissorTribunal Constitucional (Port

Proc. n.º 566/02 Acórdão nº 433/02

  1. Secção

Relatora: Maria Helena Brito

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:

I

  1. Por acórdão de fls. 1492 e seguintes do Tribunal Colectivo do Círculo Judicial de Évora foi, entre o mais, decidido "condenar o arguido A em nove anos de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado (p. e p. pelos arts. 21º, n.º 1 e 24º, als. b) e c), do D.L. n.º 15/93, de 22-1), em seis meses de prisão pela prática de um crime de receptação negligente na forma continuada (p. e p. pelos arts. 30º, n.º 2 e 231º n.º2 do Cód. Penal), em catorze meses de prisão pela prática de um crime de condução ilegal (p. e p. pelo art. 3º, n.º 2 do DL 2/98, de 3-1, com referência ao art. 121º do Cód. Estrada), em um ano de prisão pela prática de um crime de detenção ilegal de arma de defesa (p. e p. pelo art. 6º da Lei 22/97, de 27-6), em um ano de prisão pela de um crime de detenção de arma proibida (p. e p. pelo art. 275º, n.º 3 do Cód. Penal em conjugação com o art. 3º, n.º 1, al. f) do DL 207-A/75, de 17-4) e, em cúmulo jurídico, na pena única de 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de prisão".

  2. A apresentou, a fls. 1525 e seguinte, requerimento do seguinte teor:

    "[...] é a Requerer a transcrição integral das declarações gravadas em fita magnética e prestadas em audiência de julgamento, tanto dos arguidos, como de todas as testemunhas.

    Mais Requer que quando finda, o arguido dela seja informado.

    E que, na sequência, lhe seja facultada cópia das transcrições das gravações dos actos da audiência de julgamento, para efeitos de interposição de recurso.

    Sem conceder

    Caso se considere que a requerida transcrição constitui um ónus do recorrente, desde já, se Requer, que seja contratada pessoa singular ou colectiva, a quem seja incumbida tal função, entrando os respectivos encargos, em regra de custas finais.

    Na verdade, o arguido não possui meios financeiros para contratar alguém para levar a cabo a solicitada transcrição, conforme pedido de apoio judiciário, entretanto, formulado.

    Sob pena de violação do disposto, nomeadamente, nos arts. 13 e 20 da CRP.

    Em qualquer das situações, o prazo de recurso deve ser suspenso, imediatamente, até notificação de que a transcrição se encontra concluída e à disposição do mandatário do arguido."

    Por despacho de fls. 1527, foi determinado que se facultasse "a transcrição das cassetes e estas" e, no tocante à suspensão do prazo de interposição do recurso, indeferiu-se a correspondente pretensão, por carecer em absoluto de fundamento legal.

    A apresentou, a fls. 1579 e seguinte, novo requerimento do seguinte teor:

    "[...]

    Até à presente data, a referida transcrição ainda não foi sequer iniciada, conforme constatado, mediante informação prestada neste Juízo Criminal.

    Porém, o arguido dela não prescinde para efeitos de apresentação de recurso, visto constituir um instrumento fundamental, na sua elaboração e compreensão do desenrolar da respectiva audiência de discussão e julgamento.

    A não satisfação do solicitado pelo arguido, representa uma clara violação do disposto, nomeadamente, no art. 32 n.º 1 da CRP.

    O atraso na requerida transcrição, deferida por douto despacho de fls. , é totalmente alheia ao arguido, como resulta à saciedade.

    Pelo que, em momento ou circunstância alguma poderá o arguido ser prejudicado na sua defesa, por tal facto, concretamente, no que ao prazo de recurso diz respeito.

    O impedimento na apresentação do recurso pelo arguido, persiste, para os termos e efeitos do consignado no art. 107, n.ºs 2 e 3 do CPP.

    Destarte, o arguido continua a aguardar que lhe sejam facultadas as requeridas e deferidas transcrições, para efeitos de interposição de recurso."

    Por despacho de fls. 1581 foi, entre o mais, renovado o despacho de fls. 1527, já referenciado.

    A fls. 1607, apresentou A novo requerimento, em que disse o seguinte:

    "Foram facultadas no dia 11 de Fevereiro, as transcrições dos depoimentos, conforme requerido e deferido.

    Por conseguinte, cessou, neste momento, o impedimento para efeitos de apresentação do recurso.

    Face ao exposto, é a Requerer nos termos e para os efeitos do consignado nos números 2 e 3 do art. 107 do CPP, que lhe seja concedido um prazo não inferior a 8 dias para apresentação do recurso sobre o douto acórdão que condenou o arguido, em pena de prisão."

    Na sequência deste requerimento, foi proferido o despacho de fls. 1608, com o seguinte conteúdo:

    "O facto de o arguido para a interposição de recurso ter de se socorrer de audição do suporte magnético onde está registada a prova produzida na audiência de julgamento ou de ter de proceder à leitura da eventual transcrição que já tenha sido efectuada não constitui justo impedimento da interposição de recurso dentro do prazo legal. Com efeito, seja qual for a complexidade dos procedimentos necessários à interposição de recurso, a lei estabelece e peremptoriamente o mesmo prazo. É que complexidade e necessidade de maior labor na elaboração do requerimento de recurso estes se confundem com impedimento de prática atempada do acto.

    Nestes termos, uma vez mais, vai indeferido o requerido."

  3. Inconformado com o mencionado despacho de fls. 1608, A dele interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora (fls. 1626 e seguintes), tendo na motivação respectiva concluído do seguinte modo:

    "1. Atenta a extensão e complexidade do processo, no dia 20 de Dezembro, de 01, o ora recorrente requereu a transcrição integral das declarações gravadas em fita magnética e prestadas em audiência de julgamento, tanto dos arguidos, como de todas as testemunhas, para efeitos de interposição de recurso, relativamente ao douto acórdão condenatório, nos termos do disposto no art. 101, nº 2 do CPP.

  4. Só no dia 11 de Fevereiro de 02, são remetidas ao arguido, as requeridas transcrições.

  5. Nesse mesmo dia, o arguido requereu ao abrigo do consignado no art.107, n°s 2 e 3 do CPP, que lhe fosse concedido um prazo não inferior a 8 dias para apresentação de recurso sobre o douto acórdão condenatório.

  6. Em 18 de Fevereiro, o arguido é notificado do douto despacho de fls. 1608, que considerou não estarmos perante um caso de justo impedimento, indeferindo o requerido.

  7. Com o devido respeito que, aliás, é muito, não assiste razão à Meritíssima Juiz «a quo».

  8. Aliás, tal questão já foi objecto de apreciação, pelo Tribunal Constitucional, no âmbito do Acórdão nº 363/00, de 5 de Julho de 2000 – publicado no DR II Série, de 13.11.00 – em que se decidiu «julgar inconstitucional, por violação do artigo 32º, nº 1 da Constituição, os artigos 107º, n° 2 do Código de Processo Penal e 146º n° 1, do Código de Processo Civil (quando aplicado subsidiariamente em processo penal) quando interpretados no sentido de que a impossibilidade de consulta das actas do julgamento (quando tenha sido requerida a documentação em acta das declarações orais prestadas em audiência, nos termos do art. 364º, nº 1 do Código de Processo Penal), por as mesmas não estarem ainda disponíveis, não constitui justo impedimento para a interposição do recurso da decisão final condenatória em processo penal».

  9. Sendo que os fundamentos do acima mencionado Acórdão têm plena aplicação relativamente à situação ora em apreço.

  10. Ao contrário do entendimento perfilhado pela Meritíssima Juiz «a quo», o acesso por parte do arguido à transcrição dos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento são essenciais à preparação da sua defesa.

  11. É inconstitucional, por violação do art. 32°, nº 1 da CRP, o artigo 107°, nº 2 do CPP, quando interpretado no sentido de que a impossibilidade de acesso às transcrições das declarações orais prestadas em audiência (quando tenha sido requerida a sua respectiva gravação), por as mesmas ainda não estarem disponíveis, não constitui justo impedimento para a interposição do recurso da decisão final condenatória em processo penal.

    [...]."

    O representante do Ministério Público junto do Tribunal de Instrução Criminal e de Comarca de Évora apresentou a resposta de fls. 1637 e seguintes, nela tendo concluído do seguinte modo:

    "1º - O recorrente sempre teve à sua disposição todo o processo, incluídos os suportes técnicos (gravação da audiência);

    1. - O recorrente ignora ou faz errada interpretação do disposto no artº 412º nº 4 do CPP: é do recurso que apresentar e do respectivo âmbito – com eventual referência aos suportes técnicos que concretize – que se partirá para a transcrição, em auto, do teor das gravações;

    2. - Não se verificam os pressupostos do justo impedimento, já que foi o próprio recorrente que, por opção sua e alicerçado num errado entendimento da lei e dos casos concretos, decidiu, unilateralmente, que não tinha condições para motivar o recurso.

    3. - Se acaso a defesa do arguido não foi cabalmente assegurada – leia-se do ponto de vista subjectivo – não o foi por qualquer acção do tribunal, dado que, objectivamente, determinou, facultou e decidiu atempadamente sobre o entendimento dado à pretensa impossibilidade de recorrer sem o prévio acesso ao «auto de transcrição das declarações prestadas em audiência de julgamento»."

    O representante do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Évora emitiu o parecer de fls. 1648 e v.º, do seguinte teor:

    "Acompanha-se a resposta do Ministério Público na 1ª instância ao ora junto recurso do arguido, A, por com os mesmos se concordar, dando-os aqui por reproduzidos com a devida vénia.

    Restará tão só acrescer que, como se refere no Acórdão de 17/04/01, deste Tribunal da Relação de Évora [...]:

    I – A transcrição da prova, produzida em audiência de julgamento, só tem lugar quando haja recurso e neste se impugne matéria de facto.

    II – O recurso é elaborado com base nas gravações e respectivos suportes técnicos, e não na sua transcrição, pois esta não tem por finalidade permitir ao recorrente o acesso à prova produzida, mas, sim, facultar ao tribunal de recurso o reexame dessa prova.

    [...]."

    A respondeu a este parecer, nos seguintes termos (fls. 1650 e...

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