Acórdão nº 177/02 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Abril de 2002

Magistrado ResponsávelCons. Maria dos Prazeres Beleza
Data da Resolução23 de Abril de 2002
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 177/02

Processo nº 546/01

Plenário

Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

Acordam, no Plenário

do Tribunal Constitucional:

  1. Nos termos do disposto no artigo 82º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, o Procurador-Geral Adjunto no Tribunal Constitucional veio requerer a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da "norma constante do artigo 824º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, na medida em que permite a penhora até 1/3 das prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de outra regalia social, seguro, indemnização por acidente ou renda vitalícia, ou de quaisquer outras pensões de natureza semelhante, cujo valor não seja superior ao do salário mínimo nacional então em vigor".

    Invocou, para o efeito, ter sido a mesma norma julgada inconstitucional, "por violação do princípio da dignidade humana contido no princípio do Estado de direito, que resulta das disposições conjugadas dos artigos 1º, 59º, nº 2, alínea a), e 63º, nºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa", pelo acórdão nº 318/99 (Diário da República, II Série, de 22 de Outubro de 1999) e pelas decisões sumárias nºs 120/01 e 165/01.

  2. Notificado para o efeito, nos termos previstos nos artigos 54º e 55º, nº 3, da Lei nº 28/82, o Primeiro Ministro veio apresentar a sua resposta, pronunciando-se no sentido da não inconstitucionalidade.

    Em síntese, o Primeiro Ministro sustenta que, para a Constituição, o salário mínimo representa a garantia de uma "retribuição mínima pelo trabalho desenvolvido", imposta pelo princípio da justiça, não tendo natureza de "prestação de carácter assistencialista" nem reflectindo um critério de "garantia do rendimento mínimo, adequado e necessário a uma existência condigna"; a querer encontrar um critério de aferição desse mínimo, seria mais adequado recorrer aos que são utilizados no domínio dos regimes de segurança social ou para a fixação do rendimento mínimo garantido.

    Para além disso, o julgamento de inconstitucionalidade importaria a adopção de um critério de protecção do executado desnecessariamente rígido e inflexível, uma vez que os nºs 2 e 3 do artigo 824º do Código de Processo Civil prevêem que o tribunal tome em conta as suas condições económicas ao fixar a extensão em que os rendimentos em causa podem ser objecto de penhora, permitindo mesmo isentá-los se tal for necessário para garantir a "salvaguarda dos meios de subsistência adequados e necessários a uma vida condigna do executado".

    Finalmente, esse julgamento tornaria impenhoráveis, independentemente das circunstâncias do caso, os rendimentos abrangidos. Essa impenhorabilidade poderia, por um lado, ser injustificadamente prejudicial aos interesses do exequente, como sucederia na hipótese de o executado receber duas prestações diferentes, de entre as previstas na al. b) do nº 1 do artigo 824º, mas ambas de valor não superior ao salário mínimo nacional; e poderia, por outro, prejudicar o próprio executado, como aconteceria se ele tivesse outros bens penhoráveis, já que esses bens seriam necessariamente atingidos pela penhora ainda que o executado preferisse que ela incidisse sobre a prestação isenta.

    Assim, o Primeiro Ministro, observando que a circunstância de uma norma ter sido julgada anteriormente inconstitucional em três casos diferentes não implica a automática declaração da sua inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, concluiu no sentido de que o Tribunal Constitucional não deve declarar a inconstitucionalidade da norma objecto deste processo.

    Nos termos do disposto nos nº 1 e 2 do artigo 63º da Lei nº 28/82, foi apresentado, discutido e aprovado por maioria, em plenário, o memorando do Presidente do Tribunal.

    Cumpre agora decidir.

  3. O artigo 824º do Código de Processo Civil tem a seguinte redacção, resultante do artigo 1º do Decreto-Lei nº 180/96, de 25 de Setembro:

    Artigo 824º

    Bens parcialmente penhoráveis

  4. Não podem ser penhorados:

    1. Dois terços dos vencimentos ou salários auferidos pelo executado;

    2. Dois terços das prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de outra qualquer regalia social, seguro, indemnização por acidente ou renda vitalícia, ou de quaisquer outras pensões de natureza semelhante.

  5. A parte penhorável dos rendimentos referidos no número anterior é fixada pelo juiz entre um terço e um sexto, segundo o seu prudente arbítrio, tendo em atenção a natureza da dívida exequenda e as condições económicas do executado.

  6. Pode o juiz excepcionalmente isentar de penhora os rendimentos a que alude o nº 1, tendo em conta a natureza da dívida exequenda e as necessidades do executado e seu agregado familiar.

    Ao incorporar o texto constante do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, para o artigo 824º, acrescentando-lhe, porém, no nº 3, a possibilidade de a isenção de penhora abranger, não apenas "as prestações a que alude a alínea b) do nº 1"), mas também os vencimentos e salários referidos na al. a) do nº 1, o Decreto-Lei nº 180/96 veio manter a regra da impenhorabilidade parcial de certos rendimentos do executado (vencimentos, salários, certas prestações sociais ou indemnizações).

    Conservou, assim, no essencial, o regime que JOSÉ ALBERTO DOS REIS explicava que, embora não fosse o "mais humano e equitativo", como seria "o que subtrai inteiramente à penhora os pequenos vencimentos e salários, isto é, as quantias destinadas a assegurar o mínimo de subsistência" (Processo de Execução, 1º, 2ªed., reimp., Coimbra, 1982, págs. 384 e 391), se destinava, naturalmente, a permitir a subsistência do executado e do seu agregado familiar.

    Os vencimentos, salários e outras prestações ali referidas continuam, pois, a ser penhoráveis em 1/3 do seu montante (nº 1 do artigo 824º), cabendo ao juiz definir, caso a caso, qual o valor efectivamente penhorado, entre 1/3 e 1/6. Para o efeito, há-de ponderar as "condições económicas do executado" e "a natureza da dívida exequenda" (nº 2 do artigo 824º), não definindo a lei actual, diferentemente do que fazia o nº 4 do anterior artigo 823º, quais as dívidas que devem ser consideradas para tal ponderação.

    É, todavia, possível, agora, que o tribunal, atendendo também à "natureza da dívida exequenda" e às "necessidades do executado e seu agregado familiar", isente totalmente da penhora a parte dos vencimentos, salários e prestações que, de acordo com as regras referidas, é penhorável, como consta do nº 3. Note-se, aliás, que o preâmbulo do Decreto-Lei nº 329-A/95, ao referir esta possibilidade de isenção total de penhora, a relaciona com a jurisprudência constitucional (acórdãos nºs 349/91 e 411/93) que se pronunciou pela inconstitucionalidade da norma do nº 4 do artigo 45º da Lei nº 28/84, de 14 de Agosto, que previa a impenhorabilidade das pensões de segurança social, sem tomar em conta o montante dos rendimentos recebidos, e com a consequente necessidade de proibir a invocação, em processo civil, de disposições especiais que estabelecessem "a impenhorabilidade absoluta de quaisquer rendimentos, independentemente do seu montante"...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
51 temas prácticos
  • Acórdão nº 1358/15.2T9CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Março de 2017
    • Portugal
    • Court of Appeal of Coimbra (Portugal)
    • 8 March 2017
    ...do Código de Processo Civil de 1961, levada a cabo pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março – na sequência do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 177/2002, de 2 de Julho de 2002 (julgou inconstitucional a penhora de um terço sobre pensões ou outras regalias sociais, de valor inferior ao......
  • Acórdão nº 5315/21.1T8GMR-C.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19-12-2023
    • Portugal
    • Tribunal da Relação de Guimarães
    • 19 December 2023
    ...foi sendo reiterada pelo mesmo Tribunal Constitucional em decisões posteriores, levando à prolação do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 177/2002 (publicado no Diário da República, I, n.º 150, de 2 de Julho, págs. 546/01), que decidiu «declarar a inconstitucionalidade, com força obrigat......
  • Acórdão nº 475-A/1996.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Janeiro de 2011
    • Portugal
    • 20 January 2011
    ...em que priva o executado da disponibilidade de rendimento mensal correspondente ao salário mínimo nacional. Por sua vez, já o Acórdão do TC nº 177/02 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza) havia declarado “a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma que resulta da conjugação......
  • Acórdão nº 1046/12.1T2SNT-B.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 26-10-2023
    • Portugal
    • Tribunal da Relação de Lisboa
    • 26 October 2023
    ...sido concebido como o ‘mínimo dos mínimos’ não pode ser, de todo em todo, reduzido, qualquer que seja o motivo” (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 177/2002, de 23 de Actualmente o salário mínimo nacional está fixado em € 760,00 (Decreto Lei n.º 85-A/2022 de 22 de Dezembro). Para alguns......
  • Peça sua avaliação para resultados completos
41 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT