Acórdão nº 1358/15.2T9CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Março de 2017
Magistrado Responsável | ALCINA DA COSTA RIBEIRO |
Data da Resolução | 08 de Março de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em Conferência na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO 1.
A decisão proferida em 29 de Abril de 2016 condenou o arguido em multa de 2,5UCS, por falta injustificada à audiência de discussão e julgamento, para a qual se encontrava devidamente notificado.
2.
Por sentença datada de 5 de Maio de 2016, foi o arguido, A.... , melhor identificado nos autos, condenado pela prática, como autor material, de um crime de desobediência previsto e punido pelo artigo 348º, nº 1, alínea b), do Código Penal, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de 7,50€.
3.
Inconformado com as condenações, delas recorre o arguido formulando as seguintes conclusões: 1. No caso dos autos a falta do arguido foi tempestiva e devidamente justificada, porquanto se encontra demonstrada a imprevisibilidade da mesma, pelo que o facto da sua ausência na leitura de sentença no dia 29 de Abril de 2014 não foi um acto voluntário, nem consciente, nem premeditado e consequentemente não lhe pode ser imputável.
2. Se a doença é crónica que pode implicar espaçadamente ou não crises, não havia hipóteses de o arguido vir aos autos justificar a sua ausência com 5 dias de antecedência, uma vez que não era previsível, cumprindo, assim, o nº 2, do artigo 117º, do Código de Processo Penal.
3. Deve, pois ser revogada a condenação em multa aplicada ao arguido.
4. A douta decisão recorrida, não fez a correta interpretação dos factos e a adequada aplicação do Direito, pelo que o Recorrente está convicto de que Vossas Excelências, reapreciando a situação factual e subsumindo-a nos comandos legais aplicáveis, tudo no mais alto e ponderado critério, não deixarão de revogar a decisão ora recorrida, ordenando a sua substituição por outra que corrija a pena concretamente aplicada, e reponha a justiça; 5. Com o devido respeito, entende o Arguido que o Tribunal a quo valorou de forma errada a prova produzida em sede de julgamento, o que impõe necessariamente a sua reformulação; 6. Assim, em estrita obediência à forma processualmente exigida para a impugnação da matéria de facto, e de modo a facultar aos Venerandos Desembargadores os meios necessários à formação da sua própria convicção, o Recorrente discriminou detalhadamente quais os factos que considera terem sido incorretamente julgados, fazendo referência aos concretos elementos probatórios que impõem um julgamento diverso; 7. Na verdade, o tribunal a quo desconsiderou injustificadamente o teor de toda a prova testemunhal produzida em julgamento, bem como ignorou ostensivamente toda a prova documental que inequivocamente foi produzida no sentido de provar que o arguido agiu na convicção de que a notificação efetuada sob cominação se tratava de um lapso de repetição do Tribunal de Família e Menores, sendo que julga já ter dado a devida resposta a tal notificação; 8. O Tribunal a quo lavra em clamoroso erro lógico que reside na circunstância (aparentemente simplista) de entender não poder dar como provado que o arguido respondeu a todas as notificações do Tribunal de Família e Menores, não obstante o próprio Tribunal ter criado confusão entre o que era o processo principal e os seus apensos; 9. Razão pela qual o Tribunal a quo deveria ter dado como provados os seguintes factos relevantes: Facto n.º 7: 10. “O arguido não efetivou o desconto ordenado, tendo no entanto respondido ao Tribunal, a 23 de dezembro de 2014, informando que o visado era funcionário dos quadros da empresa e que auferia, à data, o salário mínimo nacional.
” Facto n.º 8: 11.
“O arguido, agindo de acordo com indicações que lhe haviam sido transmitidas pelo seu mandatário, optou por não responder à notificação do Tribunal, na convicção da mesma se tratar de um lapso do Tribunal (repetição), uma vez que julgava já ter dado resposta à mesma em 23 de dezembro de 2014.” 12. Como se alcança, a aplicação do direito efetuada na sentença recorrida assenta sobre pressupostos errados, que não se adequam à prova produzida em audiência, o que conduz necessariamente à distorção das premissas factuais que vieram a merecer acolhimento, e sobre as quais naturalmente incidiu uma desadequada aplicação do direito, que assim se repudia; 13. Desde logo, o Arguido nunca foi notificado pelo Tribunal de Família e Menores de Coimbra a título pessoal, mas sim enquanto legal representante da sociedade “D.... Lda.”; 14. Pelo que, a considerar-se haver desobediência (que não há) sempre teria que ser a pessoa coletiva a ser incriminada, e não o Arguido a título pessoal, tudo nos termos expressamente previstos no artigo 11.º n.º 2 do Código Penal; 15. Razão pela qual o arguido, isoladamente, não tem qualquer responsabilidade pessoal nos factos descritos na acusação, pelo que deveria ter sido liminarmente absolvido do crime de que vem acusado; 16. Mas mesmo que assim não se entenda, 17. O Arguido, na sua convicção fundamentada (uma vez que suportada no parecer técnico do causídico que lhe prestava apoio jurídico), considerava que os requerimentos apresentados máxime o requerimento efetuado pela D... , Lda. a 23 de dezembro de 2014, davam cabal resposta às notificações provenientes dos mencionados autos, respeitantes à penhora de salário, do qual a concreta notificação que deu origem aos presentes autos, constituía mera repetição; 18. Assim, face ao descrito supra, entendemos inexistir qualquer situação que possa configurar dolo do Arguido, na medida em que este representou como cumprida a obrigação de resposta aos comandos legais mobilizados; 19. No máximo, seria discutível a eventual negligência do Arguido, que, caso tivesse formação jurídica, ou prática com a lide dos Tribunais, sempre poderia ter repetido novamente a resposta já dada, por cautela; 20. No entanto tal jamais poderia preencher o elemento subjetivo do ilícito típico do crime de desobediência.
21. De facto, não nos parece ser de censurar a atuação do Arguido que se fundou no parecer direto do causídico que o acompanhava e que referiu, sem margem para dúvidas, que o Arguido não tinha que responder à notificação porquanto a mesma se trataria certamente de lapso do Tribunal; 22. Pelo que jamais poderá considerar-se que o Arguido teve como intenção direta e intencional desobedecer à ordem formulada, pelo que deverá ser absolvido do crime de que vem acusado.
3.
O Ministério Público, em primeira instância, respondeu à motivação do Recorrente, concluindo pela manutenção da sentença recorrida.
4.
Nesta Relação, o Digno Procurador-Geral-Adjunto secunda a posição do Ministério Público em primeira instância.
5.
Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, nada obstando ao conhecimento de mérito do Recurso.
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AS DECISÕES RECORRIDAS 1.
Despacho interlocutório Para apreciação da questão suscitada no recurso interlocutório, relevam os seguintes actos processuais: Em 14 de Abril de 2016 (primeira sessão de audiência de julgamento), o arguido e o seu ilustre defensor foram notificados, pessoalmente, para comparecerem na leitura de sentença designada para o dia 29 de Abril do mesmo ano (data acordada com o ilustre defensor do arguido).
Em 29 de Abril de 2016, pelas 14:47M, declarada reaberta a audiência, a ilustre defensora oficiosa presente, com substabelecimento que, no momento, foi junto aos autos, no uso da palavra que lhe foi concedida, disse: «Face à ausência do arguido A... (…) e por impedimento do mesmo estar presente na leitura de sentença ao dia 29 de Abril, às 14:30 horas, venho por este meio solicitar e requerer a dispensa do arguido na presente leitura de sentença».
Sobre este requerimento, foi proferido o seguinte despacho: «O arguido encontra-se regularmente notificado para a presente sessão de audiência de julgamento, respeitante à leitura da sentença.
Não se descobre, salvo o devido respeito por contrário entendimento, qualquer fundamento para a pretendida “dispensa”.
Acresce que tratando-se de impossibilidade de comparência, deveria, nos termos do artigo 117º, nº 2, do C.P.P. ser indicado (sob pena de não justificação de falta) o concreto motivo, o local onde o faltoso pode ser encontrado e a duração provável do impedimento, o que não sucede.
Pelo exposto, indefiro a requerida “dispensa” e, considerando a falta do arguido, visto o preceituado nos artºs. 116º, nº 1 e 117º, nº 2, do C.P.P. condeno o mesmo na multa processual de 2,5UC».
Em 3 de Maio de 2016, o arguido requereu a justificação da falta à audiência de 29 de Abril de 2016, com fundamento na necessidade urgente de procurar auxílio médico junto do Centro de saúde (...) , por ter sido assolado de doença crónica de que padece, o que constitui um motivo naturalmente imprevisível, não tendo sido possível comunicá-lo ao tribunal no mesmo dia.
Juntou aos autos documento emitido pelo Centro de Saúde onde consta que o arguido ali compareceu no dia 29 de Abril, das 14H às 18:30, para marcar e ir a consulta.
Este requerimento foi indeferido pelo Senhor Juiz a quo com os seguintes argumentos: «Da comunicação efectuada na pretérita sessão de audiência de julgamento não foi dado pontual cumprimento ao disposto no artigo 117º, nº 2, do C.P.P, não indicando o arguido o concreto motivo, local onde pudesse ser encontrado, nem a duração previsível do impedimento.
Por outro lado, o documento ora junto alude a uma marcação de consulta e ida a consulta, não demonstrando que se trata de uma situação de urgência.
Por último, sobre a pretendida justificação da falta já o tribunal, na pretérita sessão se pronunciou, considerando a falta injustificada e condenando o arguido em multa processual.
Pelo exposto, indefiro o ora requerido quanto à pretendida justificação da falta e ao “dar sem efeito” a condenação em multa».
2.
Sentença A primeira instância deu como provados os seguintes factos: «1 – Correm os seus termos sob o n.º 678/12.2TMCBR no Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Instância Central – Secção de Família e Menores, autos atinentes ao incumprimento de responsabilidades...
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