Acórdão nº 1046/12.1T2SNT-B.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 26-10-2023

Data de Julgamento26 Outubro 2023
Ano2023
Número Acordão1046/12.1T2SNT-B.L1-2
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

Em 16/1/2012 Banco Comercial Português, S.A. intentou acção executiva contra AA J. e outros, apresentando como título executivo um contrato de mútuo com hipoteca e fiança outorgado por escritura pública, e visando o pagamento da quantia de € 87.091,30, juros e demais acessórios.
Em 7/5/2021 a exequente requereu, para além do mais, “a renovação da presente execução – extinta por inutilidade superveniente da lide nos termos do artigo 750.º, n.º 2, do CPC – indicando para esse efeito a penhora da pensão do Executado AA, com valores penhoráveis nos meses de Julho e Dezembro”.
Em 7/7/2021 o agente de execução lavrou auto de penhora tendo por objecto a pensão auferida pelo executado AA J., junto do Centro Nacional de Pensões, e fazendo constar do mesmo auto que “Na sequência da notificação para penhora de vencimento, nos termos do disposto no artigo 779º do CPC e tendo em conta os limites impostos pelo artigo 783º do mesmo compêndio legal, fica penhorado à ordem da identificada acção executiva subsídios de férias e natal, auferidos pelo executado. O referido montante será depositado em conta cliente de Agente de Execução, nos termos do disposto no artigo 779º nº 2 do CPC”.
Tal auto de penhora foi notificado ao executado AA J., através de notificação expedida em 7/7/2021, por via postal registada, para a ilustre patrona nomeada ao mesmo.
Não consta dos autos que tenha sido depositada pelo Centro Nacional de Pensões qualquer quantia relativa à penhora certificada pelo auto de 7/7/2021.
Em 23/5/2023 o executado AA J. apresentou requerimento com o seguinte teor:

O Executado, aufere mensalmente o valor ilíquido de 634,18€ (…).

Tem os seguintes encargos mensais:
- 250,00€ (…), a título de comparticipação de renda habitacional;
- 90,00€ (…), a título de despesa com electricidade;
- 72,00€ (…), a título de despesas de telecomunicações;
- 150,00€ (…), a que corresponde o montante médio mensal que o Executado despende para aquisição de bens alimentares;
- 57,00€ (…), para aquisição de medicamentos (…).

Assim, o Executado depois de todas as despesas mensais fixas, fica apenas com um saldo positivo de 15,18€ (…), o que o impossibilita de fazer face a alguma despesa “surpresa” que lhe possa surgir.

O que pode suceder, porquanto foi diagnosticado ao Executado um glaucoma ocular, estando a ser seguido no Hospital de Portimão para acompanhamento da evolução da doença (…).

Ora, é assim evidente que o Executado vive com dificuldades dos seus parcos rendimentos para fazer face às suas necessidades básicas.

Impondo-se por isso, uma redução da penhora dos montantes auferidos pelo Executado quer a título de pensão mensal, quer relativamente aos subsídios (férias e de natal), em face do disposto no art. 738º, nº 6 do C.P.C. (Código do Processo Civil), o que se requer para todos os legais efeitos.

Sem prejuízo, e como se ensina os Tribunais Superiores:
“Os subsídios de Natal e de férias (de trabalhadores no activo ou de pensionistas) que sejam inferiores ao montante legalmente fixado para o salário mínimo nacional serão, em qualquer caso, impenhoráveis, nos termos do art. 738.º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil. “ – Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 28.06.2017, do Relator Pedro Vaz Pato, no âmbito do Proc. 114/96.0TAVLG-A.P1, disponível em www.dgsi.pt).

In casu, como supra se disse, o Executado aufere mensalmente a pensão, no valor de 634,18€ (…), recebendo o subsídio de férias e de natal, do mesmo montante.

Não auferindo quaisquer outros rendimentos.
10º
Tendo por isso um rendimento anual de 8.878,52€ (…), o que dividindo pelos 12 meses, perfaz um valor médio mensal no valor de 739,87€ (…).
11º
Em 2023, o salário mínimo nacional é de 760,00€ (…), nos termos do art. 3º do DL nº 85-A/2022 de 22.12.
12º
Ora, como supra demonstrado, fica claro que considerando o valor de pensão e respectivos subsídios
o Executado aufere, em média, o montante de 739,87€ (…), valor este inferior ao salário mínimo nacional.
13º
Pelo que, nos termos do disposto no art. 738º, nº 1 e nº 3 do C.P.C. e em face do entendimento jurisprudencial acima indicado, os rendimentos do Executado terão de ser considerados impenhoráveis, ponderação que se requer a este tribunal.
14º
Face a todo o supra exposto, porque os rendimentos médios mensais do Executado são inferiores ao salário mínimo nacional, requer-se nos termos do disposto no art. 738º, 1 e 3 do C.P.C. que sejam os rendimentos do Executado, considerados impenhoráveis.
15º
Caso assim não se entenda, deverá o Tribunal, nos termos do disposto no art. 738º, nº 6 do C.P.C., entender que em face dos parcos rendimentos do Executado e as elevadas despesas, deve a penhora ser reduzida, em proporção nunca superior a 1/6”.
Com tal requerimento o executado AA J. juntou declaração emitida pela Segurança Social, de onde resulta que em 2023 o valor mensal da pensão de velhice que lhe é entregue pelo Centro Nacional de Pensões ascende a € 634,18.
A exequente respondeu ao requerimento em questão, pugnando pelo indeferimento do “pedido de redução/isenção da penhora e, em consequência, ser ordenada a normal prossecução da execução até efectivo e integral pagamento”.
Seguidamente foi proferido despacho com o seguinte dispositivo:
(…) declaro impenhoráveis os subsídios de férias e de Natal do executado, determinando lhe sejam devolvidos os eventuais descontos já efectuados”.
A exequente recorre deste despacho, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
A. Em 07-05-2021, a ora Recorrente, Exequente, requereu à Senhora Agente de Execução a penhora da pensão do Executado, ora Recorrido, nos meses de liquidação de subsídios, tendo sido elaborado o respectivo auto de penhora em 07-07-2021.
B. O Sr. Agente de Execução procedeu à devida notificação do executado para, querendo, deduzir oposição à penhora.
C. O Executado não apresentou oposição à penhora.
D. Porém, em 23-05-2023 [quase dois anos depois do termo do prazo de oposição à penhora], o Executado apresentou aos autos um requerimento, que veio a nomear de “redução/isenção de penhora” que, na verdade, reveste uma verdadeira oposição à penhora.
E. Ora, nos termos do n.º 1 do artigo 785º do Código de Processo Civil, o Executado apenas podia deduzir a sua pretensão mediante a apresentação de oposição à penhora, nos 10 dias subsequentes à data da notificação que lhe foi dirigida pelo Sr. Agente de Execução (em 07-07-2021).
F. Portanto, atendendo a que os factos alegados pelo Executado constituem fundamento de oposição mediante embargos, nos termos da alínea a) do n.º1 do art.º 784.º do CPC, e não tendo sido apresentada oposição dentro do prazo legal, tal requerimento deveria ter sido considerado, desde logo, extemporâneo.
Bem assim, e porque a apresentação de oposição depende de liquidação de taxa de justiça, pelo que, não o tendo sido feito, deveria tal requerimento, para além de considerado extemporâneo, ser desentranhado por falta de liquidação da taxa de justiça devida.
G. Analisados os fundamentos do requerimento, verificamos que o único fundamento que permitiria ao Executado ter apresentado o requerimento aqui em causa, seria o pedido de redução de penhora – facto esse sobre o qual o douto Tribunal se deveria ter pronunciado, mas não o fez!
H. Contudo, em resposta ao susodito requerimento, em 22-06-2023 o douto Tribunal proferiu despacho que decidiu, em suma, declarar “…impenhoráveis os subsídios de férias e de Natal do executado, determinando lhe sejam devolvidos os eventuais descontos já efectuados”.
I. Ao pronunciar-se, nesta fase processual, acerca da (im)penhorabilidade dos salários, a decisão proferida pelo Douto Tribunal viola claramente o princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança, que se assumem como princípios classificadores do Estado de Direito Democrático, devidamente previstos no artigo n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
J. Portanto, deverá o despacho recorrido ser revogado e substituído por um que aprecie apenas o pedido de isenção/redução de penhora.
K. Ademais, da análise ao despacho recorrido não se verifica qualquer pronúncia sobre o pedido de redução efectuado, sendo por isso nula por omissão de pronúncia sobre os factos que devia conhecer, tal como prevê a alínea d) do artigo 615º do Código de Processo Civil.
L. Prosseguindo, e acautelando desde já a possibilidade (que por mera cautela de patrocínio se admite) de este Venerando Tribunal não entender revogar a decisão recorrida, sempre se terá de analisar a questão da (im)penhorabilidade dos subsídios de férias e de Natal, o que se faz de seguida.
M. Alegou o executado que aufere uma pensão mensal ilíquida no valor de 634,18€.
N. O Tribunal decidiu declarar a impenhorabilidade dos subsídios de Natal e férias auferidos pelo Executado, após ter multiplicado tal valor por 14 e, após, dividir o resultado da operação por 12.
O. Todavia, não se pode concordar com o entendimento do Tribunal “a quo”, como se irá demonstrar.
P. Relembre-se que, no entendimento do Distinto Tribunal Constitucional, “constituindo o subsídio de férias e o subsídio de Natal um complemento à pensão normalmente devida, não se vislumbra que possam corresponder a uma quantia que deva ser qualificada como garantia desse mínimo essencial à subsistência condigna do recorrente” (negrito e sublinhado nosso).
Q. Da mesma forma, o artigo 738º do C.P.C., em toda a sua envolvente refere-se à apreensão/penhora como aferição mensal dos rendimentos e não anual, “(…) são impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado.” (negrito
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