Acórdão nº 358/04 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Maio de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Fernanda Palma
Data da Resolução19 de Maio de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 358/04

Proc. nº 807/2003

  1. Secção

Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

I

Relatório

  1. A. requereu a constituição de assistente e a abertura de instrução no processo crime a correr termos na Comarca de Ílhavo, que havia sido arquivado dado que os factos apurados não integravam o crime previsto no artigo 215º, nº 1, do Código Penal.

    A Juíza de Instrução Criminal admitiu a intervenção como assistente e rejeitou o requerimento para abertura da instrução por inadmissibilidade legal da instrução (fls. 106 a 117). A fundamentação de tal decisão foi, em síntese, a seguinte:

    - Não resultava dos factos alegados pelo assistente em que concreto lugar e data terão os mesmos sido praticados, não podendo ser levada em consideração a remissão feita para os factos alegados na participação.

    - Além disso, o requerimento apresentado contrariava o disposto nos artigos 287°, n° 2 e 283°, n° 3, alínea b), do Código de Processo Penal porque não continha a narração de factos que consubstanciassem um crime, faltando um dos pressupostos típicos do crime de usurpação de coisa imóvel, que era a utilização de violência ou ameaça grave.

    - Em consequência, o arguido nunca poderia ser condenado pela prática do crime referido no requerimento para abertura de instrução com base na prova dos factos ali alegados, não podendo também, logicamente, ser pronunciado por esses factos e, se o fosse por outros não alegados, tal constituiria uma alteração substancial dos factos fazendo com que a decisão instrutória que pronunciasse o arguido naqueles termos, fosse nula ou mesmo juridicamente inexistente.

    - Nos termos do artigo 287°, n° 3, do Código de Processo Penal o requerimento para abertura de instrução deve ser rejeitado por inadmissibilidade legal da instrução e esta só seria legalmente admissível se aquele requerimento obedecesse aos requisitos previstos no n° 2 do artigo 287° do Código de Processo Penal.

    - Ora, o requerimento em causa nestes autos enfermaria de nulidade, prevista no artigo 283°, n° 3, do Código de Processo Penal, para que remete o artigo 287°, n° 2, pois não continha a narração dos factos que fundamentasse a aplicação ao arguido de uma pena [artigo 283°, n° 3, alínea b)] não podendo tal nulidade considerar-se suprível.

    - Sendo o prazo para requerer a instrução peremptório e em obediência ao princípio da estrutura acusatória do processo penal (artigo 32°, n° 5, da Constituição da República Portuguesa) não deve o assistente, ser convidado a apresentar novo requerimento sendo certo que, no caso dos autos, a eventual apresentação de novo requerimento aperfeiçoado seria extemporâneo porque necessariamente apresentado fora do prazo para requerer a instrução.

  2. O assistente interpôs recurso da decisão de rejeição do requerimento para abertura de instrução para o Tribunal da Relação de Coimbra, sustentando a inconstitucionalidade dos artigos 287º, nºs 2 e 3, e 283º, nº 3, alíneas b) e c), do Código de Processo Penal, interpretados no sentido de a narração dos factos constante do requerimento de abertura da instrução apresentada pelo assistente não poder ser efectuada por remissão para o auto de notícia ou para a denúncia.

    O Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 8 de Outubro de 2003, negou provimento ao recurso com fundamento idêntico ao do despacho da Juíza de Instrução Criminal.

  3. A. interpôs recurso de constitucionalidade do acórdão de 8 de Outubro de 2003, ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional.

    A Relatora proferiu o seguinte despacho:

  4. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que figura como recorrente A. e como recorridos o Ministério Público e B., o recorrente pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional, através de um recurso interposto ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, uma interpretação das alíneas b) e c) do nº 3 do artigo 283º e dos nºs 2 e 3 do artigo 287º do Código de Processo Penal, bem como uma dada interpretação dos artigos 105º, nº 1, 419º, nº 4, alínea a), e 420º do Código de Processo Penal.

    Contudo, quanto aos artigos 105º, nº 1, 419º, nº 4, alínea a), e 420º do Código de Processo Penal não foi suscitada durante o processo qualquer questão de constitucionalidade normativa. Com efeito, a questão apenas foi mencionada pela primeira vez no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade (o que sempre consubstanciará uma suscitação tardia da questão de constitucionalidade normativa). Não se verifica, portanto, o pressuposto processual do recurso interposto, consistente na suscitação da questão de constitucionalidade normativa durante o processo, o que inviabilizará o conhecimento de tal questão.

  5. Notifique-se o recorrente para produzir alegações quanto à questão relativa aos artigos 283º, nº 3, alíneas b) e c), e 287º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Penal, suscitando-se, nos termos do artigo 3º do Código de Processo Civil, aplicável nos autos por força do artigo 69º da Lei do Tribunal Constitucional, a questão prévia relativa aos artigos 105º, nº 1, 419º, nº 4, alínea a), e 420º, do mesmo Código.

    O recorrente apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:

    1. Nos termos conjugados do artigos 69º da Lei do Tribunal Constitucional e do artigo 690º-2/b e /c do Código de Processo Civil

      1- No toca à questão prévia, vem o recorrente dizer que a inconstitucionalidade do artigo 105º do Código de Processo Penal foi invocada na motivação de recurso interposto perante o Tribunal da Relação de Coimbra, nomeadamente nos artigos 108º, 105º, 106º, 107º e 109º a 112º daquela peça processual; já quanto aos artigos 419º-4/a e 420º do Código de Processo Penal, porque foram aplicados no acórdão recorrido, só foi possível ao recorrente suscitar a inconstitucionalidade da sua interpretação e aplicação no requerimento de interposição do presente recurso.

      2- Com efeito, o recorrente não podia prever antecipadamente a rejeição do recurso antes que o mesmo fosse rejeitado com base naquelas normas, nem podia invocar a inconstitucionalidade in abstracto sensu, até mesmo a partir do simples parecer do Ministério Público, antes que o Tribunal soberanamente se pronunciasse.

      3- Aliás, no caso em apreço, o espírito da lei constitucional permite que quando sejam aplicadas normas consideradas inconstitucionais num acórdão da Relação, sem que o recorrente possa prever antecipadamente tal aplicação nem disponha de oportunidade processual para suscitar tais inconstitucionalidades, designadamente, sem possibilidade de interpor recurso ordinário, a sua suscitação seja efectivada no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.

      4- Pois, só assim se poderão garantir os direitos fundamentais do recorrente, nomeadamente, o direito a uma tutela constitucional efectiva conforme o preceituado nos artigos 20º, 202º e 221º da Constituição.

      5- Com efeito, o requerimento para abertura da instrução só pode ser rejeitado com base na sua inadmissibilidade legal, quando seja formulado no âmbito de um processo especial, sumário e sumaríssimo; ou, por quem não tenha legitimidade para tal, verbi gratia, por parte civil, pelo Ministério Público, ou pelo assistente quando se trate de crimes particulares em sentido estrito. Confrontar Simas Santos e Leal-Henriques, in Código de Processo Penal Anotado, II Volume, 2ª edição, página 163.

      6- Ainda que “do próprio requerimento para abertura de instrução resulte falta de tipicidade da conduta (...), somos a entender que, mesmo assim, a instrução não poderá nem deverá ser logo recusada por inadmissibilidade –sublinhado nosso- servindo, todavia, para analisar também essas questões. De resto, cotejando o texto deste n.º 3 com o art. 329º do C.P.P. de 1929, forçosamente será de concluir que o legislador não quis um âmbito tão lato de denegação de instrução –sublinhado nosso-, arredando agora as situações em que o juiz verifique não ter havido crime (...)”. Confrontar Simas Santos e Leal-Henriques, in obra citada, página 163.

      7- De mais a mais, “O n.º 2 do art. 287º parece revelar a intenção do legislador restringir o mais possível os casos de rejeição do requerimento da instrução.

      O que aliás resulta directamente da finalidade assinalada à instrução pelo n.º 1 do art. 286º: obter o controle judicial da opção do M. P..

      Ora, se a instrução surge na economia do código com o carácter de direito, e disponível, nem por isso deixa de representar a garantia constitucional, da judicialização da fase preparatória.

      A garantia constitucional esvaziar-se-ia, se o exercício do direito à instrução se revestisse de condições difíceis de preencher, ou valesse só para casos contados”. Confrontar José Souto de Moura, in Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, Centro de Estudos Judiciários, página 119.

      8 - “Por maioria de razão, será de afastar a rejeição da instrução assente na sua “inadmissibilidade legal”, se esta se cifrasse na opinião do juiz segundo a qual, não há crime (...). É que haver ou não crime (...), para além de dizer respeito ao mérito da pretensão, pode muito bem ser o diferendo que se quer ver resolvido pelo juiz, na sequência dum mínimo de contrariedade que só se assegurará pelo debate instrutório, quanto mais não seja”. Confrontar José Souto de Moura, in obra citada, página 120.

      9 - “Não pode ser rejeitada a instrução com fundamento na inadmissibilidade legal da mesma, apoiando-se tal conclusão na inexistência nos autos de indícios suficientes para integrar os crimes que são imputados ao arguido no requerimento de abertura de instrução”. Confrontar Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26 de Abril de 2000.

      10 - “A insuficiência dos factos, suas consequências e seus autores não integra o conceito de inadmissibilidade legal, a que se refere o n.º 2 do art. 287º do C.P.P. e por isso a sua reapreciação está...

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