Acórdão nº 2135/12.8TAFUN.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 12 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelARTUR VARGUES
Data da Resolução12 de Maio de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I - RELATÓRIO 1. Nos presentes autos com o NUIPC 2135/12.8TAFUN, da Comarca da Madeira Funchal - Instância Central – Secção de Instrução Criminal – J1, foi proferida, aos 17 de Novembro de 2014, decisão instrutória de não pronúncia dos arguidos T e B, após ter sido proferido despacho de arquivamento pelo Ministério Público e pela assistente “C & P, Lda.” sido requerida a abertura da Instrução imputando factos que, em seu entender, integravam a prática pelo primeiro de um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo artigo 256º, nº 1, alíneas d) e e) e um crime de abuso de confiança agravado, p. e p. pelos artigos 202º, alínea a) e 205º, nºs 1 e 3, alínea a), todos do Código Penal e, pelo segundo, de um crime de receptação, p. e p. pelo artigo 231º, nº 1, do mesmo diploma legal.

2. A assistente “C & P, Lda.” não se conformou com esse despacho e dele interpôs recurso, impetrando que se determine a prolação de decisão de pronúncia do arguido T pela prática de um crime de falsificação ou contrafacção de documento, p. e p. pelo artigo 256º, nº 1, alíneas d) e e) do Código Penal e, quando assim não se entenda, deverá ser ordenada a repetição da instrução”.

2.1 Retirou a recorrente/assistente da motivação as seguintes conclusões (transcrição): 1a A documentação da audiência é imposta por Lei para permitir o recurso da matéria de facto.

  1. A falta e ou imperceptibilidade dos depoimentos gravados em audiência, além de omitir acto imposto por Lei, impede o recurso sobre a matéria de facto.

  2. A gravação dos depoimentos das testemunhas PR, JC, CS e J F é de todo imperceptível ou inaudível.

  3. Consequentemente verifica-se nulidade da decisão ora recorrida por violação do artigo 363.º do CPP.

  4. O crime de falsificação de documento, na sua modalidade ideológica, traduz-se numa declaração falsa juridicamente relevante, para prejudicar terceiro ou para que dela o autor retire benefício ilegítimo.

  5. Ora a decisão recorrida dá como provada falsidade em acta de assembleia geral societária.

  6. Das regras da experiência comum resulta que a acta de dissolução duma sociedade é acto juridicamente relevante por extinguir definitivamente uma pessoa e extinguir ou modificar defensivamente as relações jurídicas por ela estabelecidas.

  7. Resulta dos autos que o recorrido descaminhou valores e bens da sociedade querendo e logrando o prejuízo da ora recorrente e ou o benefício ilegítimo dele.

  8. Incorreu assim a decisão recorrida em erro de julgamento resultante da própria decisão recorrida por si só ou conjugada com as regras da experiência comum e, consequentemente no vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea c) do CPC.

  9. Sem prescindir, a decisão recorrida omite, quando devia conhecer importantes elementos do crime de falsificação de documento, tais como: - a determinação dos prejuízos causados pelo arguido ao recorrente; - a identificação do total do activo ocultado ou descaminhado da sociedade "T SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA."; - e a identificação de quem presentemente detém tal activo, ou seja, quem foi prejudicado por essa premeditada ocultação e quem com ela ilegitimamente beneficiou.

  10. Por esta razão a decisão recorrida incorre na nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, al. c) do CPP.

  11. Como no mesmo vício incorre ao ter omitido a responsabilidade criminal resultante do uso de documento falso para registo, violando a alínea e), do n.º 1, do artigo 256.º Código Penal, em conjugação com o artigo 153.º, n.º 1, do Código de Registo Predial (aplicável subsidiariamente ao registo comercial por força do artigo 115.º do Código do Registo Comercial).

  12. Consequentemente a decisão viola por erro de interpretação e de aplicação as sobreditas normas, designadamente as seguintes: os artigos 256.º, n.º 1, al.s d) e e), 255.º, alínea a), e 363.º do Código Penal, o artigo 153.º, n.º 1, do Código de Registo Predial (aplicável subsidiariamente ao registo comercial por força do artigo 115.º do Código do Registo Comercial), os artigos 146.º, n.ºs 1 e 2, 147.º e 163.º do Código das Sociedades Comerciais, os artigos 3.º, 18.º e 186.º do CIRE, o artigo 1020.º do Código Civil e os artigos 363.º, 379º, n.º 1, al. c), e 410.º, n.º 2, alínea c) do Código Processo Penal Nestes termos e nos melhores de direito, deve ser revogada a decisão recorrida, substituída por outra que pronuncie o arguido T pelo crime de falsificação ou contrafacção de documento, p.p. pelo artigo 256.º, n.º 1, al.s d) e e) do Código Penal e, quando assim não se entenda, deverá ser ordenada a repetição da instrução, assim se fazendo JUSTIÇA.

3.

Respondeu o Ministério Público à motivação de recurso, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.

4.

Resposta apresentou também “T–Sociedade Unipessoal, Lda.” concluindo no sentido da improcedência do recurso, sendo que a ela não é de atender porquanto a sociedade não é afectada pelo recurso, visto que o arguido é a pessoa singular, não a sociedade e além disso intitula-se como executada e apelada, posição processual que nada tem a ver com o recurso interposto.

5.

Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto apôs o seu “Visto”.

6.

Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO 1. Âmbito do Recurso O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª Edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Edição, Editora Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. Pleno STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série –A, de 28/12/1995.

No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação do recurso, as questões que se suscitam são as seguintes: Nulidade da decisão recorrida por violação do artigo 363º, do CPP.

Verificação do vício previsto no artigo 410, nº 2, alínea c), do CPP.

Nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia.

2. A Decisão Recorrida 2.1 A decisão recorrida, na parte que para aqui releva, para tem o seguinte teor (transcrição): Findo o inquérito, o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento relativamente à denúncia apresentada por “C & P, Lda.” na imputava a T a prática de factos susceptíveis de integrar a prática de um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo art. 256.º, n.º 1, alíneas d) e e) e de um crime de abuso de confiança agravado, p. e p. pelos arts. 202.º, alínea a) e 205.º, n.º 1 e n.º 3, alínea a) do Código Penal e a B a prática de factos susceptíveis de integrar a prática de um crime de receptação, p. e p. pelo art. 231.º, n.º 1 do mesmo diploma legal.

Por discordar do teor do despacho de arquivamento, “C & P, Lda.” constitui-se assistente e requereu a abertura de instrução, nos termos do disposto no art.º 287.º n.º 1 al. b) do Código de Processo Penal, alegando, em síntese, que os factos em causa nos autos respeitam à produção pelo arguido T de uma acta da assembleia geral da sociedade “T-Sociedade Unipessoal, Lda.”, a acta número quinze datada de 13 de Dezembro de 2011 que assinou, na qual foi deliberada a dissolução dessa sociedade no pressuposto, falsamente feito constar dessa acta, que a sociedade se encontrava em condições de poder ser liquidada e dissolvida, em virtude de “à presente data já não ter qualquer activo nem passivo, bem como bens a partilhar (…) tudo conforme decorria da contabilidade social.” e com recurso à aprovação nessa mesma assembleia, consignada na discutida acta, de contas da sociedade inexistentes e/ou falsas.

Refere que os autos se reportam ainda à utilização pelo arguido T dessa acta falsa, com aprovação de contas inexistentes e/ou falsas, para proceder ao registo da dissolução e encerramento da dita sociedade, ou seja da sua definitiva extinção e à apropriação pelo arguido T de diversos bens da referida sociedade comercial que haviam sido penhorados em execuções movidas por si contra a dita sociedade, um estabelecimento oficinal e diversos equipamentos, máquinas e ferramentas, ou seja, apreendidos judicialmente, e haviam sido entregues e confiados ao arguido, na qualidade de seu fiel depositário, dando-lhes este um destino diferente, que consistiu na sua transmissão e/ou disponibilização para o arguido B, a quem o arguido cedeu o referido estabelecimento oficinal e entregou todos os ditos equipamentos, máquinas e ferramentas penhorados, tendo este B passado a ocupar o referido o estabelecimento e a nele exercer actividade, com utilização dos demais bens penhorados, colhendo para si as respectivas vantagens patrimoniais, bem como à sonegação pelo arguido T de importantes activos sociais da mencionada sociedade unipessoal.

Entende que, ao contrário do que consta do despacho de arquivamento, o facto de no processo de execução n.º 4366/11.9TBFUN ter sido integralmente paga pela adjudicação dos bens móveis penhorados nesses autos pertencentes ao arguido e aí executado em substituição da sociedade “T – Sociedade Unipessoal, Lda.”, não significou o pagamento de todos os prejuízo patrimoniais sofridos, uma vez que, como está suficientemente documentado nos autos, para além da dívida objecto de tal execução, se encontram ainda em dívida os valores peticionados nas execuções intentadas contra “T-Sociedade Unipessoal, Lda.”, que perfazem o valor total de €72.584,26, ao qual acrescem juros vencidos desde a data da sua interposição, custas judiciais e despesas e honorários da Agente de Execução, na ordem de múltiplos milhares de euros, ainda em dívida os quais, como é inquestionável, constituem um prejuízo seu.

Mais alega que as mencionadas execuções, nos termos do disposto no artigo 162.º do Código das Sociedades Comerciais, face à ilegal dissolução da executada “T– Sociedade...

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