Acórdão nº 80/16.7GCORQ.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelJOÃO AMARO
Data da Resolução08 de Setembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO Nos autos de instrução nº 80/16.7GCORQ, do Juízo de Competência Genérica de Ourique, veio a assistente UV recorrer do despacho que não pronunciou o arguido TAFL

Entende a assistente que estão indiciados nos autos factos que integram a prática pelo arguido de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artigo 137º, nº 1, do Código Penal

Da motivação do recurso a assistente extraiu as seguintes (transcritas) conclusões: “1º- O presente recurso prende-se com o despacho de não pronúncia do arguido pela pratica do crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo artigo 137º, nº 1, do C. Penal. 2º- O Meritíssimo Juiz de Instrução baseou a sua não pronúncia no facto de que os “argumentos da assistente e feita a súmula das diligências realizadas, dir-se-á, em primeiro lugar, que os factos narrados no requerimento de abertura de instrução não são suficientes e claros para, em abstrato, permitirem alcançar as circunstâncias do embate entre o veículo e a vitima e, consequentemente, imputar objetiva e subjetivamente ao arguido o resultado morte que veio a ocorrer”. 3º- O requerimento de abertura de instrução não foi rejeitado pelo douto tribunal, pelo que o mesmo deve configurar, equivaler in totum a um despacho acusatório, com a descrição, narração factual bem apontada e delimitada e, bem assim, deve conter o elemento subjetivo da infração

  1. - Se o M.M. Juiz de Instrução considerasse que o mesmo não continha uma narração sintética dos factos, incluindo o empol da sua prática ou mesmo que os factos descritos no requerimento de instrução não estavam especificados nem continham uma narração lógica, devia tê-lo rejeitado liminarmente

  2. - Não deve o M.M. Juiz de Instrução fundamentar a sua não pronúncia por ter resultado do debate instrutório prova divergente daquela que consta do requerimento da abertura de instrução

  3. - No decurso do debate a prova é produzida segundo a orientação do Juiz, o qual decide, sem formalidades, quaisquer questões que a propósito se suscitarem (artigo 302º, nº 3, do C.P.P.). 7º- A disciplina do debate, a sua direção e organização, competem ao Juiz de instrução (art.º 301º do C.P.P.), tendo o juiz o dever de levar a cabo, antes do debate ou durante ele, os atos de instrução cujo interesse para a descoberta da verdade se tenha entretanto revelado (art.º 299º do C.P.P.)

  4. - Não pode o M.M. Juiz de instrução fundamentar a sua não pronúncia em eventuais lacunas ou imprecisões do RAI, nem de não ter praticado determinadas diligências de prova, por os mesmos não terem sido alegados pela Assistente, porque é lhe concedido o poder de praticar na instrução quaisquer atos que sejam relevantes para a descoberta da verdade

  5. - O M.M. Juiz de Instrução, após concluir o debate instrutório e se considerasse que a prova recolhida era divergente daquela constante do requerimento de abertura de instrução, tinha meios legais ao seu dispor para proceder a uma alteração não substancial dos factos constantes no requerimento de abertura de instrução, bem como poderia ter praticado todos atos com vista ao apuramento da verdade. 10º- Não se vislumbra que possa ser acolhida a argumentação usada pelo M.M. Juiz de Instrução que, em fase de debate instrutório e proferimento da decisão final, esteja limitado aos factos descritos no requerimento de instrução

  6. - Se, no decurso do debate instrutório, se verificar uma nova arrumação, uma clarificação e um expurgar de factos vertidos no requerimento de abertura de instrução, mantendo-se, porém, a descrição que define o objeto daquela; tudo sem que tenha sido alterada a qualificação jurídica ou tenham sidos imputados crimes diversos ao arguido ou se tenha verificado a agravação de limites máximos de sanções aplicáveis

  7. - A decisão de pronúncia há de conter-se dentro dos elementos factuais que constituem o acervo investigatório e probatório do processo, podendo o juiz de instrução - que é necessariamente diverso do juiz de julgamento, o que constitui evidente salvaguarda do princípio do acusatório - proceder, nesta fase, à correção dos lapsos e à integração das lacunas de que padeça o libelo acusatório, desde que não altere a sua estrutura ontológica essencial e observe os procedimentos impostos pelo artigo 303º, nº 1, do CPP

  8. - A instrução, fase judicial compreendida a meio caminho entre a acusação e o julgamento, nos termos do artigo 287º do CPP, visa a obtenção judicial da legalidade ou ilegalidade processual da acusação ou abstenção de acusar, através do cumprimento do seu âmbito, tal como se acha descrito naquele artigo 287º e seu nº 4, conjugado com o artigo 289º do mesmo diploma

  9. - O juiz pratica todos os atos essenciais à realização das finalidades previstas no art. 286.º, n.º 1, do CPP, onde se aponta aquele fim, dispondo o art. 291.º, n.º 1, que o juiz de instrução efetua os atos respetivos reputados essenciais à descoberta da verdade, indefere, por ato irrecorrível, os que não interessarem à descoberta da verdade ou servirem apenas para protelar o andamento do processo, e pratica ou ordena oficiosamente aqueles que repute úteis, sem prejuízo da possibilidade de reclamação

  10. - Os atos de instrução a praticar dependem, pois, da livre resolução do juiz, que não está vinculado ao requerido no RAI. 16º- Pelo que o douto tribunal violou o correto entendimento dos artigos 283, 286, 287, 289, 291, 299, 300, 301, 302 e 303 todos do C.P.P

  11. - No que tange a factualidade, fundamenta o despacho de não pronúncia, na sua não pronúncia, por “ter o arguido negado ter visto a vítima em algum momento, além do croqui e dos registos fotográficos (que contêm os dados objetivos registados após o embate - local onde ficou a vitima, o veículo e o estado destes -) e das testemunhas LG e VP, militares da GNR que estiveram no local (tendo o último elaborado o croqui e feito os registos fotográficos), apenas a testemunha MJ, que seguia no veículo como passageiro, no lugar dianteiro ao lado do condutor, presenciou o acidente

  12. - O seu depoimento, como se referiu, foi inseguro, confuso, inconstante e contraditório, não permitindo criar uma convicção segura do que realmente se passou. Não permitindo apurar as concretas circunstâncias em que o embate ocorreu, designadamente quando se apresentou a vítima a iniciar a travessia da via, nem a razão pela qual o arguido não reagiu, nomeadamente quando foi alertado pela testemunha. E tais factos poderiam ser decisivos, se pudessem ser adquiridos para o processo (uma vez que, como se referiu, não foram alegados pela assistente no requerimento de abertura de instrução), designadamente para apurar se a vítima surgiu no local de forma repentina e sem observância das regras que se lhe impunham”. 19º- Ora, verifica-se que o Juiz de Instrução, pese embora tivesse considerado pertinentes as questões - as concretas circunstâncias em que o embate ocorreu, designadamente quando se apresentou a vitima a iniciar a travessia da via, nem a razão pela qual o arguido não reagiu, nomeadamente quando foi alertado pela testemunha, considerando que as mesmas poderiam ser decisivas para a descoberta da verdade -, escusou-se de se debruçar sobre as mesmas , alegando que tais questões não tinham sido alegadas no RAI

  13. - No decurso do debate, a prova é produzida segundo a orientação do Juiz, o qual decide, sem formalidades, quaisquer questões que a propósito se suscitarem (artigo 302º, nº 3, do C.P.P.)

  14. - A disciplina do debate, a sua direção e organização competem ao juiz de instrução (art.º 301 do C.P.P.), tendo o juiz o dever de levar a cabo, antes do debate ou durante ele, os atos de instrução cujo interesse para a descoberta da verdade se tenha entretanto revelado (art.º 299 do C.P.P.)

  15. - A instrução, fase judicial compreendida a meio caminho entre a acusação e o julgamento, nos termos do art. 287.º do CPP, visa a obtenção judicial da legalidade ou ilegalidade processual da acusação ou abstenção de acusar, através do cumprimento do seu âmbito, tal como se acha descrito naquele art. 287.º e seu n.º 4, conjugado com o art. 289.º do mesmo diploma

  16. - O juiz pratica todos os atos essenciais à realização das finalidades previstas no art. 286.º, n.º 1, do CPP, onde se aponta aquele fim, dispondo o art. 291.º, n.º 1, que o juiz de instrução efetua os atos respetivos reputados essenciais à descoberta da verdade, indefere, por ato irrecorrível, os que não interessarem à descoberta da verdade ou servirem apenas para protelar o andamento do processo, e pratica ou ordena oficiosamente aqueles que repute úteis, sem prejuízo da possibilidade de reclamação

  17. - Pelo que o douto tribunal violou o correto entendimento dos artigos 283, 286, 287, 289, 291, 299, 300, 301, 302 e 303 todos do C.P.P

  18. - Por outro lado, toda a prova produzida no debate instrutório e a prova documental constante no processo era prova suficiente para ter pronunciado o arguido pela prática do crime de homicídio por negligência

  19. - O órgão de policia criminal que efetuou as diligências de investigação do acidente concluiu que o arguido, no exercício da sua condução, possuía uma visibilidade numa extensão superior a 120 metros, tendo oportunidade de, quando avistou o peão pela primeira vez, efetuar uma manobra evasiva para evitar o atropelamento, nomeadamente abrandar a marcha, utilizar os meios sonoros (buzinar), travar e/ou guinar o veículo que conduzia, se não o fez é porque, simplesmente, efetuava uma condução reveladora de falta de destreza, desatenta aos demais utentes da via ou possuidor de acuidade visual. Tanto assim é que não moderou a velocidade, não efetuou uma condução defensiva e somente acionou o sistema de travagem do veículo que conduzia após ter ocorrido o atropelamento, precisando de uma distância de 135, 2 para o imobilizar

  20. - Mais refere o documento em causa que, em local onde a faixa de rodagem possui uma visibilidade sem obstruções visuais e largura e com uma...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT