Acórdão nº 06A2213 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Setembro de 2006

Magistrado ResponsávelAFONSO CORREIA
Data da Resolução12 de Setembro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça A Caixa Geral de Aposentações intentou acção declarativa de condenação com processo comum e forma sumária contra a Companhia de Seguros AA, P.L.C. e BB, pedindo a condenação da Ré Companhia de Seguros e solidariamente do Réu BB, na parte em que exceder o montante coberto pela apólice, a pagarem à A. a quantia de 10.759.277$00, quantia necessária para suportar o pagamento das pensões atribuídas à mãe do sinistrado ou em alternativa a condenação dos RR no pagamento mensal à A. do valor da pensão paga em cada mês à beneficiária.

Alegou para tanto - em síntese - que: - No dia 23/04/94, cerca das 00H15m, ocorreu um despiste de um veículo automóvel, ao cimo da rampa do túnel de Entrecampos, no sentido sul-norte, ficando tal veículo parcialmente na via; - Os agentes da PSP A... J... L..., J... R... S... e M... G... D..., dirigiram-se ao local, a fim de orientar o trânsito, encontrando-se todos eles em serviço; - J... R... S... e M... G... D... colocaram-se no interior do túnel, em cima do passeio do lado esquerdo, sentido sul-norte, a sinalizarem aos condutores que se aproximavam a necessidade de moderar a velocidade; - O veículo automóvel de matrícula ... surgiu no túnel de Entrecampos, quando o veículo automóvel referido se encontrava a ser removido por um reboque; - O veículo automóvel de matrícula ... ultrapassou outro veículo automóvel, após o que guinou, repentinamente, para a esquerda, subiu o passeio e percorreu-o cerca de 50 metros; - O veículo automóvel de matrícula ... atropelou e arrastou os agentes J... R... S... e M... G... D...; - Na sequência do atropelamento, o agente da PSP J...R... S... faleceu; - Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas, o R. BB conduzia o veículo automóvel de matrícula ... com uma TAS de 0,55 gr/l; - A responsabilidade civil emergente da circulação do veículo automóvel de matrícula ... encontrava-se transferida para a R. seguradora por contrato de seguro titulado pela apólice n° 847.317; - J... S..., falecido na sequência do acidente era subscritor da A. Caixa Geral de Aposentações; - O acidente em causa foi qualificado como ocorrido em serviço e, por despacho de 18/07/96 da Direcção da A. Caixa Geral de Aposentações foi atribuído a M... I... O... R..., mãe de J... S..., pensão denominada "preço de sangue", no momento de 53.400$00 com efeitos desde 01/05/94, paga 14 vezes por ano; - Até 31/05/99 foi paga a M... I... O... R..., 3.855.396$00.

Regularmente citada, a ré Companhia de Seguros AA, P.L.C. contestou, invocando excepção de erro na forma de processo e defendeu- -se por impugnação, concluindo pela improcedência da acção ou a condenação em limite justo e razoável, com rateio entre todos os interessados na relação jurídica substantiva de responsabilidade e com o reconhecimento do direito de regresso contra o Réu BB.

Por despacho de 20/03/03 (cfr. fis. 65) prosseguimento dos autos como acção declarativa de processo sumário.

Regularmente citado, o réu BB não contestou.

Saneado e condensado o processo, procedeu-se a julgamento e decisão da matéria controvertida, após o que foi proferida sentença que condenou a Ré Companhia de Seguros AA, P.L.C. a pagar à Caixa Geral de Aposentações a quantia de € 19.230,63 (Esc. 3.855.396$00) e as quantias abonadas a M... I... O... R..., a título de pensão de preço de sangue, devidas desde 01/06/99 até cessação do pagamento das mesmas, ressalvando-se o direito de regresso da ré Companhia de Seguros AA, P.L.C. sobre o Réu BB relativamente a todas as quantias pagas e a pagar à A.

Inconformada, apelou a Seguradora, pretendendo alteração da decisão sobre a matéria de facto referente aos quesitos 12º e 13º e, em todo o caso, revogação do decidido porque a Caixa, se pagou a pensão, fê-lo em cumprimento de uma obrigação própria e, portanto, sem direito de repercutir essa obrigação sobre terceiros.

A Relação de Lisboa desatendeu a pretensão da Seguradora de alteração da decisão sobre a matéria de facto porque a Recorrente não dera cumprimento ao disposto no art. 690º-A do CPC, mas revogou a decisão recorrida e absolveu a Ré do pedido por entender que estando o CNP vinculado por imperativo legal ao pagamento de uma obrigação própria, não lhe assiste o direito de sub-rogação legal.

Foi a vez de a A. pedir revista para revogação do Acórdão recorrido e repristinação da sentença que teria interpretado correctamente a lei aplicável.

Como se vê da alegação que coroou com estas CONCLUSÕES: 1 - Nas alegações do recurso de apelação que interpôs, a Ré e ora recorrida não alega eventuais vícios de que a douta sentença enferma e que justificasse uma reapreciação da matéria em causa pelo Tribunal superior; 2 - A acção intentada pela ora recorrente C.G.A. fundou-se na responsabilidade civil subjectiva do Réu BB, que conduzia o veículo automóvel com a matrícula ...; 3 - Tendo existido um facto voluntário ilícito, encontram-se preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil, o que gera a obrigação de indemnizar; 4 - O Réu BB omitiu os deveres jurídicos impostos pelo art.º 1.º do Dec.- Lei n.º 124/90, de 14 de Abril, e art.º 5.º n.º 4, do Código da Estrada; 5 - Se o comportamento do Réu BB não tivesse tido lugar, nunca o malogrado agente J... A... R... S... teria sido mortalmente atropelado; 6 - O acidente discutido nos autos constituiu a condição directa e necessária da morte de J... A... R... S... e, tendo o acidente sido qualificado como ocorrido em serviço, implicou a atribuição da pensão de preço de sangue à mãe do falecido, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º do Dec.- Lei n.º 404/82, de 24 de Setembro; 7 - Contrariamente à tese da Ré, a atribuição da pensão de preço de sangue pela C.G.A. não é um encargo normal desta, mas uma pensão atribuída a título excepcional e que não tem subjacente o pagamento de quaisquer quotas ou contribuições; 8 - Tendo o Réu BB, ao tempo do acidente, transferido a sua responsabilidade civil emergente de acidente de viação causado com o referido veículo para a Ré Companhia de Seguros AA, PLC, é a Seguradora obrigada a indemnizar a Autora, sem prejuízo do direito de regresso que possa assistir à Ré sobre o referido condutor, que no momento do acidente conduzia a sua viatura sob influência do álcool; 9 - O carácter indemnizatório da pensão de preço de sangue resulta das situações em que é atribuída (morte em serviço) e do facto de não ter na base qualquer contribuição do trabalhador. Neste sentido, vide o Ac. TC que declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral do art. o 11.º n.º 1, b) [na versão originária, hoje alínea c)] do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), que determina a incidência do IRS sobre as pensões de preço de sangue; 10 - O facto de a pensão poder transmitir-se por morte natural decorre do facto de poder ser atribuída ao sinistrado em vida, não autorizando outro tipo de leituras; 11 - O subsídio por morte ou a pensão de sobrevivência nada têm que ver com indemnização, assentando em regimes contributivos. Não faz, por isso, qualquer sentido chamá-los à colação e muito menos compará-los com a pensão de preço de sangue; 12 - O douto acórdão recorrido, ao ter revogado a sentença da 1.ª instância, deve ser substituído por outro que mantenha na íntegra a decisão anterior de condenar a Ré Companhia de Seguros AA, PLC.

A Recorrida Seguradora respondeu e concluiu assim: 1ª - O recurso não tem quaisquer condições de procedência, pois a recorrente teve a brilhante ideia de se imaginar na América e de fazer um pagamento com dúvidas a uma "suposto" interessado, cumprindo quando muito uma obrigação muito própria e muito sui generis; 2ª - Portanto, o recurso não pode proceder, devendo ser negada a revista e confirmado o douto acórdão recorrido; 3ª - Mas, a não se entender assim, deverá então ser admitida a ampliação do âmbito do recurso, nos termos do disposto no art.° 684.°-A n.º 1 do Código de Processo Civil, para ser reapreciada e discutida a questão da culpa na produção do acidente.

Colhidos os vistos de lei e nada obstando, cumpre decidir a questão submetida à nossa apreciação, a de saber se a Seguradora está obrigada a reembolsar a Caixa Geral de Aposentações das quantias pagas a título de pensão de preço de sangue por morte do seu subscritor agente da PSP - como decidiu a 1ª Instância - ou se, ao contrário e como decidiu a Relação, a C.G.A. cumpriu obrigação sua que não pode repercutir sobre terceiros.

Mas antes hemos de ver estarem assentes os seguintes factos: 1 - O veículo automóvel de matrícula ... era conduzido pelo seu proprietário, o Réu BB, na noite em questão e entrou no referido túnel, no sentido sul-norte.

2 - A responsabilidade civil emergente da circulação do veículo automóvel de matrícula ... encontrava-se transferida para a Ré Companhia de Seguros AA, PLC, por contrato de seguro titulado pela apólice n° 847.317.

3 - O J... S..., falecido na sequência do acidente aqui em causa, era subscritor da A. Caixa Geral de Aposentações.

4 - O acidente indicado foi qualificado como ocorrido em serviço e, por despacho de 18/07/96 da Direcção da Autora Caixa Geral de Aposentações, foi atribuído a M... I... O... R..., mãe de J... S..., pensão denominada "preço de sangue", no montante de 53.400$00, com efeitos desde 01/05/94, paga 14 vezes por ano.

5 - Pelos factos aqui em causa e por decisão judicial proferida no processo n.º 430/94 da 3.ª secção do 6° juízo dos Tribunais Criminais de Lisboa, o R. BB foi condenado na pena de...

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