Acórdão nº 7167/21.2T8LRS-A.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-01-26

Data de Julgamento26 Janeiro 2023
Ano2023
Número Acordão7167/21.2T8LRS-A.L1-2
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório:
1. Por petição inicial apresentada em juízo em 13-08-2021, a autora demanda a ré pedindo a condenação da mesma a pagar-lhe a importância global de € 12.371,67, “devida pelas lesões sofridas em consequência do evento de que tratam os autos, a partir da data da cessação da suspensão do abono, acrescido de juros vincendos a partir daquela data até integral pagamento”.
Alegou, em síntese, que:
- No dia 07-10-2020, pelas 17h:40m, na Avenida …, Santo António dos Cavaleiros, deu-se o seguinte acidente de viação: A sinistrada, MS, circulava na referida artéria, conduzindo o veículo de marca Dacia, modelo Logan, com matrícula …-…-…, regressando para sua casa, em Santo António dos Cavaleiros, proveniente do seu local trabalho, na União das Freguesias de Póvoa de Santo Adrião e Olival Basto. No cruzamento/entroncamento entre a Avenida … e a Avenida …, o veículo conduzido pela sinistrada encontrava-se parado, para virar à esquerda, assinalando devidamente a sua intenção de marcha. Porém, o veículo conduzido pela sinistrada foi subitamente embatido na sua traseira pelo veículo de marca Opel, modelo Insígnia, matrícula …-…-….Por força do embate, a sinistrada foi violentamente projetada para a frente;
- A responsabilidade pela produção do referido acidente recai, toda ela, sobre o condutor do veículo de matrícula …-…-…;
- Por força das lesões causadas pelo acidente, a sinistrada teve de ser transportada pelos Bombeiros Voluntários de Loures para o Hospital Beatriz Angelo, em Loures;
- A viatura de matrícula …-…-…, dispunha de seguro válido, com responsabilidade civil para com terceiros emergente da sua circulação transferida para a Liberty Seguros, S.A., apólice n.° …;
- Em 2021-03-19 foi requerida na CGA a reparação do acidente nos termos do disposto no regime de proteção social em matéria de acidentes e doenças profissionais ocorridos no domínio da Administração Pública, previsto no Decreto-Lei n.° 503/99, de 20 de Novembro, uma vez que o servidor do Estado, subscritor da CGA e vítima de acidente em serviço de que resulta diminuição permanente da sua capacidade geral de ganho tem direito a uma pensão vitalícia ou a um capital de remição, calculado em função do grau de desvalorização sofrido no acidente, nos termos do Decreto-Lei n.° 503/99, de 20 de Novembro.
- Na data do acidente, MS era Auxiliar Administrativa e subscritora da CGA com o número …;
- O acidente foi qualificado como tendo ocorrido em serviço pela entidade empregadora de que depende a sinistrada;
- Em 2021-05-06, a sinistrada MS foi presente à junta médica da CGA, a qual deliberou fixar uma incapacidade parcial permanente (IPP) de 15% de acordo com o Capítulo I n°. 1.1.1 alínea b) da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais;
- Segundo o regime imperativo do DL n.° 503/99, o apuramento da IPP decorrente de acidente em serviço/de trabalho é da responsabilidade da Junta Médica Colegial, prevista na alínea a) do n.° 1 no art.° 38.° e, bem assim, no n.° 2 e no n.° 6 daquele diploma, composta por um médico da CGA, um médico com formação específica em medicina legal e um médico da escolha do sinistrado, sendo esse grau de IPP determinado de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, nos termos do n.° 5 do art.° 38.° do Decreto-lei n.° 503/99;
- Por resolução da Direção da CGA de 2019-07-01, foi fixado à sinistrada, em reparação do acidente de 2020-10-07, um capital de remição de € 12.371,67;
- Por força do disposto no artigo 41.°, n.° 1, alínea b), do Decreto-lei n.° 503/99, de 20/11, as prestações por incapacidade permanente resultante de acidente não são cumuláveis com a parcela da remuneração correspondente à percentagem de redução permanente na capacidade geral de ganho do trabalhador, razão pela qual o capital de remição fixado será abonado à sinistrada apenas quando cessar a condição de suspensão daquele pagamento;
- No entanto, tendo em consideração que a reparação do evento qualificado como acidente de trabalho será da responsabilidade da demandada Companhia de Seguros, deve esta ser condenada no pagamento daquela quantia à CGA, que será paga ao sinistrado quando deixar de se verificar a aludida condição de suspensão do abono;
- A CGA tem três anos para deduzir o correspondente pedido contra o terceiro responsável, contados da data em que é proferida decisão definitiva sobre o direito às prestações, sob pena de prescrição, pelo que, a fim de não deixar prescrever o seu direito, previsto no art.° 46.°, n.° 3 do Decreto-Lei n.° 503/99, de 20 de novembro, tem que deduzir já o seu pedido contra o terceiro responsável pelo acidente (ou, no caso, a seguradora respetiva), peticionando o aludido pagamento a partir da data da cessação da suspensão do abono, acrescido de juros vincendos a partir daquela data até integral pagamento.
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2. A ré contestou invocando, nomeadamente, exceção de inexigibilidade do direito da autora, dizendo que a autora ainda não liquidou à sinistrada o valor do capital de remição que reclama nos presentes autos, nem tampouco sabe quando ou se irá liquidar esta quantia ao Sinistrada, encontrando-se suspenso o pagamento da pensão devida pelo alegado acidente de serviço, em virtude da não acumulação das prestações por incapacidade permanente resultante de acidente com a parcela de remuneração correspondente à percentagem de redução permanente na capacidade geral de ganho do Sinistrado, pelo que, em princípio, o pagamento do capital de remição só será efetuado quanto a Sinistrada deixar de exercer as suas funções profissionais, desconhecendo-se, na presente data, se a autora chegará a liquidar este capital de remição, concluindo que a autora não poderá exercer o direito até que seja efetivamente liquidado o capital de remição, sob pena de vir a ser reembolsada de um montante que nunca venha a despender, obtendo assim um enriquecimento sem causa, não permitido no nosso ordenamento jurídico.
Concluiu no sentido de dever a exceção de inexigibilidade do direito da Autora ser julgada procedente por provada e consequentemente absolvida da instância e pela improcedência da ação, por não provada, com sua absolvição do pedido.
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3. Proporcionado o contraditório à contraparte, a autora pronunciou-se sobre a exceção invocada pela ré, nos termos do requerimento de 21-02-2022, concluindo pela sua improcedência.
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4. Em 20-09-2022 teve lugar audiência prévia, com prolação de despacho saneador, onde foi apreciada a exceção de inexigibilidade, nos termos que se reproduzem:
“(…) Em sede de contestação, veio a ré invocar, a título de excepção peremptória, a “inexigibilidade do direito da autora”
Para o efeito, alega que a autora ainda não pagou à sinistrada o valor do capital de remição cujo reembolso reclama nos presentes autos, encontrando-se tal pagamento suspenso, desconhecendo-se na presente data se o mesmo chegará a ser liquidado, pelo que o pagamento não poderá ser exigível na presente data sob pena de um enriquecimento sem causa.
Em sede de resposta, a autora defende-se alegando que o regime previsto pelo DL n.° 503/99, de 20 de Novembro, não impõe que tenham sido integralmente pagas as prestações devidas ao beneficiário da CGA, bastando que haja decisão definitiva sobre o direito às prestações em causa, tanto mais que a autora dispõe do prazo de 3 anos para demandar o terceiro responsável, a partir da data em que foi proferida decisão definitiva sobre o direito às prestações, sob pena de prescrição do direito.
Cumpre apreciar e decidir, encontrando-se, desde já assente, que a autora ainda não pagou à beneficiária o capital de remição reclamado nesta acção, bem como que já ocorreu decisão definitiva sobre o direito a tais prestações e o valor devido.
O Direito O Decreto-Lei n.º 503/99 de 20 de Novembro “estabelece o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais ocorridos ao serviço de entidades empregadoras públicas” (cfr. artigo l.°), tendo o seu âmbito de aplicação definido no artigo 2.°.
Para efeitos deste diploma, considera-se acidente em serviço: “o acidente de trabalho que se verifique no decurso da prestação de trabalho pelos trabalhadores da Administração Pública.” (cfr. alínea b) do do n.0 1 do artigo 3.°). De acordo com o n.° 1 do artigo 7.°: “acidente em serviço é todo o que ocorre nas circunstâncias em que se verifica o acidente de trabalho, nos termos do regime geral, incluindo o ocorrido no trajecto de ida e de regresso para e do local de trabalho.”.
Os trabalhadores têm direito, além do mais, à reparação em dinheiro, dos danos resultantes de acidentes em serviço, a qual compreende a indemnização em capital ou pensão vitalícia correspondente à redução na capacidade de trabalho ou de ganho, no caso de incapacidade permanente (cfr. n.° 1 e alínea b) do n.° 4 do artigo 4.°).
Nas situações em que se verifique incapacidade permanente (cfr. n.° 5 do artigo 20.° e artigo 21.°), incumbe à Caixa Geral de Aposentações a avaliação e a reparação, nos termos previstos neste diploma (cfr. n.° 3 do artigo 5.°, n.° 1 e 4 do artigo 34.°).
Ora, nos termos do disposto no artigo 46.° do mesmo diploma prevê-se o seguinte: “(…) 3 - Uma vez proferida decisão definitiva sobre o direito às prestações da sua responsabilidade, a Caixa Geral de Aposentações tem direito de regresso contra terceiro responsável, incluindo seguradoras, por forma a dele obter o valor do respectivo capital, sendo o correspondente às pensões determinado por cálculo actuarial”
Ora, a autora alega que estamos perante um acidente de viação e simultaneamente de serviço, pelo que importará observar o imperativo Regime Jurídico dos Acidentes de Serviço e das Doenças Profissionais no âmbito da Administração Pública, previsto no DL n.° 503/99, de 20 de Novembro.
Do aludido quadro legal
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