Acórdão nº 5177/12.0TBMTS.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução21 de Janeiro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. A Caixa Geral de Aposentações, IP, instaurou acção de condenação, processada nos termos do processo declarativo experimental, contra AA, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia global de € 93.292,80, necessária para o pagamento do capital actuarial destinado a suportar as pensões devidas pelas lesões sofridas em acidente de trabalho, atribuídas ao seu subscritor nº …48, BB, acrescida de juros vencidos e vincendos.

Alega, para tanto, que, é uma pessoa colectiva de direito público que tem por missão gerir o regime de segurança social público em matéria de pensões de aposentação, de reforma, de sobrevivência, incluindo as previstas no DL nº 503/99, de 20/11, tendo por finalidade reparar lesões decorrentes de acidentes de trabalho de trabalhadores que exerçam funções na administração pública; ora, o subscritor BB, inscrito como inspector da Polícia Judiciária, na sequência de agressão de que foi vítima, perpetrada pelo R., qualificada como acidente de trabalho, ficou com uma incapacidade de 15,45%, pelo que lhe pagou o capital de remição de € 53.447,64; sendo, posteriormente, submetido a junta médica, reconheceu esta que as lesões resultantes da agressão haviam agravado o grau de incapacidade permanente, que passou a ser de 23,9%, o que importou a revisão das prestações, passando a pagar ao sinistrado uma pensão mensal vitalícia no montante de € 372,22 - assistindo-lhe direito de regresso sobre o R., enquanto autor da agressão, a quem solicitou, em 12/4/2012, sem sucesso, o reembolso de € 93.262,80, montante relativo ao capital actuarial necessário para suportar os encargos com o pagamento de pensões ao sinistrado.

O R. contestou, impugnando parcialmente os factos articulados pela A., designadamente que o acidente em causa possa ser qualificado como acidente de trabalho e que o agravamento das sequelas apesentadas pelo sinistrado se deva às lesões decorrentes da agressão, aduzindo ainda que o direito que a A. pretende exercer se situa no âmbito da sub-rogação legal, e não de direito de regresso - sub-rogação que apenas existe quando o sub-rogado cumpriu uma obrigação do lesante, substituindo-se-lhe, tendo como pressuposto que o pagamento foi efectuado no cumprimento de uma obrigação, o que não é o caso, concluindo pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.

Procedeu-se a julgamento, vindo a final a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando o R. a pagar à A. a quantia de € 53.447,64, acrescida de juros de mora à taxa de 4%, desde a citação até integral pagamento, no mais o absolvendo do pedido.

  1. Inconformados, apelaram A. e R. tendo a Relação começado por fixar o quadro factual relevante, nos seguintes termos: 1) A CGA é uma pessoa colectiva de direito público que tem por missão gerir o regime de segurança social público em matéria de pensões de aposentação, de reforma, de sobrevivência e outras de natureza especial; 2) Entre as pensões de natureza especial contam-se as previstas no DL 503/99 de 20.11, que tem por finalidade reparar as lesões decorrentes de acidente de trabalho de trabalhadores que exerçam funções na Administração Publica; 3) O Tribunal de Círculo de Matosinhos através de Acórdão proferido em 22.11.2007 condenou o aqui Réu pela prática de um crime de homicídio tentado p.p. pelos arts. 131º do C Penal, ocorrido em 6.09.2006, pelas 13.30 horas na pessoa de BB, conforme acórdão junto a fls. 23 e ss cujo teor se dá aqui por reproduzido; 4) Foi ainda condenado a pagar ao demandante civil BB a título de danos não patrimoniais a quantia de 25.000,00 acrescida de juros de mora até efectivo e integral pagamento; 5) BB é subscritor da CGA, IP, com o número …48, inscrito como inspector da Policia Judiciária, sua entidade empregadora; 6) Em 8.9.2006, aquele BB participou à sua entidade patronal a agressão de que foi vítima no dia 6.9.2006, pelas 13.30 horas, pelo aqui Ré AA, ocorrida na Avª Manuel Pinto Azevedo, …, em ..., dizendo que “o local em causa situa-se junto ao externato da minha filha, onde a tencionava deixar e prosseguir a minha deslocação para o serviço nesta Polícia”; 7) O aqui Réu atingiu o aludido Inspector da Polícia Judiciária com um instrumento corto-perfurante, com tamanho e forma não concretamente apuradas, espetando o dito instrumento no pescoço; 8) BB acabara de almoçar com a filha e fazia tempo para a levar de novo ao externato que aquela frequentava, para regressar ao serviço na PJ, no Porto; 9) Com a conduta descrita o Réu causou em BB, “designadamente ferida na região cervical anterior, com cerca de 7cm, corto-incisa superficial, sem atingimento vascular cervical ou da traqueia, região cervical”; 10) Essa agressão foi qualificada pela Directoria da Polícia Judiciária como acidente de trabalho (em serviço), por despacho proferido em 3.10.2006; 11) Feita a comunicação à CGA, a mesma iniciou o procedimento administrativo para reparação das lesões resultantes de acidente de trabalho; 12) Em 21 de Julho de 2009 foi o sinistrado sujeito a uma Junta Médica da CGA que lhe atribuiu um grau de desvalorização de 15,45%, em consequência das “sequelas de traumatismo laríngeo”, conforme documento de fls. 73, cujo teor se dá aqui por reproduzido; 13) Foi consequentemente fixado e pago ao sinistrado BB, pela CGA a quantia de € 53.447,64 euros, para reparação das lesões emergentes do acidente de trabalho, por resolução datada de 18.1.2010; 14) Por requerimento de 11.10.2010 foi solicitada nova Junta Médica para reavaliação do grau de desvalorização fixado (agravamento); 15) Foi realizada em 17 de Janeiro de 2012 nova Junta Médica da CGA que reconheceu um agravamento do grau de incapacidade permanente do sinistrado para 23,9% em consequência das sequelas do traumatismo laríngeo, conforme documento de fls. 77 que aqui se dá por reproduzido; 16) O agravamento do grau de IPP importou a revisão das prestações, vindo a Direcção da CGA a fixar ao sinistrado o direito a uma pensão mensal vitalícia no montante de € 372,22 euros; 17) Por ofício de 12.4.2012 a CGA solicitou por escrito ao Réu o reembolso do montante relativo ao capital actuarial necessário para suportar os encargos com o pagamento de pensões ao sinistrado no valor global de € 93.262,80 euros; 18) O qual não satisfez o pagamento; 19) No dia 6 de Setembro de 2006, quando eram cerca das 13.30 horas, na Avª Manuel Pinto de Azevedo, na proximidades do edifício com o nº …, BB estava no interior do seu veículo automóvel, de marca Fiat, modelo Stilo, com a matrícula espanhola …BTS, juntamente com a filha CC, então com sete anos de idade, veículo que ali havia acabado de estacionar, à sombra, pois, tendo os dois acabados de almoçar em restaurante situado nas imediações, pretendia fazer tempo para levar a filha novamente ao Externato DD situado nas imediações, frequentado pela filha; 20) O referido BB não se encontrava identificado nem anunciou ser agente de autoridade; 21) A perícia de avaliação do dano corporal em direito penal, realizada em 25.09.2006, no âmbito do processo-crime supra identificado, fixou a consolidação médico- legal das lesões com afectação de trabalho em geral e, 7 dias e profissional em 37 dias, tendo concluído que “do evento resultaram para o examinado as consequências permanentes descritas, as quais, sob o ponto de vista médico-legal se traduzem nas cicatrizes descritas, as quais não desfiguram de modo grave o examinado, nem afectam de modo grave a sua capacidade de trabalho”.

  2. Passando a abordar as questões que constituíam objecto das apelações, começou a Relação por se pronunciar sobre a caracterização do acidente como sendo de serviço, fazendo-o com a seguinte argumentação – que conduziu a que julgasse improcedente a apelação interposta pela A. e procedente a interposta pelo R., revogando a sentença recorrida, que substituiu por outra a absolver o R. do pedido: Caracterizado que foi, pela sentença recorrida, o acidente em causa nos autos como de serviço, por ter entendido que ele ocorreu no trajecto entre o local da refeição e o local de trabalho do funcionário da Polícia Judiciária (PJ) BB, subscritor da A., contra essa caracterização se continua a insurgir o R. que, na contestação, já a questionava.

    Apreciemos então a caracterização do acidente, salientando-se que não assiste razão à A. ao pretender que não pode ser questionada a caracterização como de serviço, por tal tarefa estar acometida exclusivamente à entidade empregadora, no caso à PJ.

    Na verdade, se bem que a caracterização do acidente incumba à entidade empregadora, no caso à Directoria da PJ - artº 7º, nº 7, do DL nº 503/99, de 20/11, diploma que aprovou o regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública -, a qualificação dada por essa entidade não basta, só por si, para o caracterizar como tal no confronto com o R., por se tratar de acto administrativo, que não vincula terceiros, sendo que a qualificação jurídica é a que resultar da subsunção da matéria de facto a apurar pelo Tribunal com garantia do contraditório (cfr., neste sentido, o Ac. da RL de 24/3/2011, Proc. nº 371/1999.L1-6, www.dgsi.pt).

    Daí que, não é pelo facto de estar provado que a Directoria da Polícia Judiciária, na sequência de participação do acidente feita pelo seu funcionário, qualificou a agressão como acidente de trabalho (serviço), em consequência do que a A. efectuou o procedimento administrativo para reparação das lesões, pagando ao sinistrado a quantia de € 53.447,64 e fixando-lhe uma pensão mensal vitalícia de € 372,22 - factos de 6), 10), 12), 13) e 16) -, deva aceitar-se, sem mais tal qualificação, tornando-se necessário que se mostrem provados factos que levem a concluir por essa qualificação, cujo ónus (de alegação e prova) impende sobre a A.

    Através da presente acção, a A. pretende exercer sobre o R., enquanto autor da agressão sobre o seu subscritor BB e cujas lesões determinaram o pagamento das...

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