Acórdão nº 1877/08.7TBSTR.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Junho de 2011

Magistrado ResponsávelSALAZAR CASANOVA
Data da Resolução07 de Junho de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA propôs no dia 21-7-2008 acção declarativa de simples apreciação sob a forma ordinária contra herança jacente aberta por óbito de BB, falecido no dia 14-9-2003, BB, CC, DD e Centro Nacional de Pensões deduzindo os seguintes pedidos: - Que seja declarada a titularidade da autora ao direito de receber alimentos a prestar pela herança.

- Que seja declarada a inexistência ou insuficiência de bens da herança.

- Que seja reconhecida a impossibilidade dos filhos e irmão da A. prestarem qualquer pensão alimentícia à sua mãe e irmã.

- Que seja reconhecida a titularidade da A. ao direito de receber as pensões de sobrevivência, por morte do seu companheiro, a cargo do Centro Nacional de Pensões.

  1. A A., divorciada, alegou que viveu em união de facto com EE durante 35 anos e da qual nasceu um filho, ora réu BB, não dispondo nem a herança do falecido companheiro, nem a A., nem filho ou demais filhos da autora ou irmãos da A. de bens que possam satisfazer a sua carência económica e, por isso, tem direito a receber do Centro Nacional de Pensões pensão de sobrevivência nos termos do disposto no artigo 4.º /1 e 8.º/1 do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de Outubro.

  2. Proferido despacho saneador, e com excepção do Centro Nacional de Pensões, os demais réus foram absolvidos da instância por ilegitimidade passiva e, prosseguindo os autos face à matéria controvertida, a acção foi julgada improcedente, considerando-se que os factos provados não revelam que a autora não tinha cônjuge, ex-cônjuge, ascendentes ou irmãos a quem possa, nos termos do artigo 2009.º, alíneas a) e d) do Código Civil, exigir alimentos, não cumprindo, portanto, o ónus de prova dos referidos factos negativos constitutivos do seu direito à pensão de sobrevivência e ao subsídio de morte a que se reportam os artigos 264.º/1 do C.P.C. e 342.º/1 do Código Civil.

  3. Interposto recurso para o Tribunal da Relação, considerou a A., de acordo com os factos provados, que devia entender-se que ocorre impossibilidade dos filhos da recorrente lhe prestarem alimentos e, porque verificados os demais pressupostos, a acção não deveria ter sido julgado improcedente, justificando-se, a entender-se necessária a junção de documento visando demonstrar tal impossibilidade, que o Tribunal determinasse essa junção com base no disposto no artigo 535.º do C.P.C.

  4. O Tribunal da Relação deu provimento ao recurso mas por diversa razão.

  5. Considerou o acórdão da Relação de Évora, ora sob recurso, que remeteu a indicação dos factos provados para a matéria de facto dada por provada na decisão de 1ª instância para os quais também remetemos , que sobre esta questão convém ter presente que actualmente, está em vigor a Lei 23/2010, de 30/8, a qual veio a produzir diversas alterações na figura da “união de facto”, consagrando tal diploma a tese segundo a qual o membro sobrevivo da união de facto pode aceder às prestações por morte do companheiro (apenas com base na prova dessa união de facto) sem que, para o efeito, tenha de fazer prova da necessidade de alimentos.

    Decorre deste diploma que o direito às prestações por morte de beneficiário da Segurança Social foi independentizado da carência ou necessidade de alimentos, pressupondo apenas e tão só a existência de união de facto; parece ter sido claro propósito legislativo pôr termo à controvérsia jurisprudencial sobre a necessidade de alimentos e meios de efectivação da respectiva prova.

    Na ausência de preceito expresso quanto à sua entrada em vigor, a vigência de tal diploma entrou em vigor em 04/9/2010 (art. 2º nº2 da Lei 2/2005 de 24/1/2005).

    Inequivocamente, que a Lei 23/2010 se aplica ao caso de óbitos de beneficiários da Segurança Social ocorridos após a sua entrada em vigor; nesses casos, a lei é clara, reconhece-se o direito, independentemente da necessidade de alimentos.

    Mas quanto aos casos em que o óbito ocorreu antes da entrada e vigor desse diploma? Estamos perante um problema de sucessão de leis ou de aplicação de leis no tempo que, no silêncio do diploma em questão, deve ser resolvido de acordo com os princípios gerais do art. 12º do CCivil.

    Se o nº1 deste enuncia o princípio geral de que a lei só dispõe para o futuro, o nº2 explicita este princípio, distinguindo entre os factos (1ª parte) e as situações jurídicas (2ª parte).

    Assim, quanto aos factos, “quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos”.

    Quanto às situações ou relações jurídicas já constituídas, a lei nova deve aplicar-se imediatamente: “mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhe deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor”.

    Está em causa a protecção de uma situação jurídica, como se depreende logo do art. 1º da Lei 7/2001 - cujo art. 1º na redacção original prescrevia que “a presente lei regula a situação jurídica de duas pessoas, independentemente do sexo, que vivam em união de facto há mais de dois anos” - na redacção da Lei 23/2010 - cujo nº2, depois de no nº1 anunciar que a lei adoptava medidas de protecção das uniões de facto, definia a união de facto como a “situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos”.

    A união entre duas pessoas que durante pelo menos dois anos vivam em condições análogas às dos cônjuges, logo em comunhão de cama, mesa e habitação, foi sendo progressivamente reconhecida pelo Direito, mediante a atribuição um complexo de direitos e deveres aos respectivos membros, visando a protecção destes quer perante o outro membro, quer perante o Estado, quer dos descendentes dessa união.

    Tal complexo forma, portanto, o estatuto pessoal dos membros da união de facto, ou seja, uma situação ou estado jurídico.

    Logo, a lei nova, constituída pela Lei 23/2010, aplica-se às situações jurídicas criadas pelos óbitos ocorridos após a sua entrada em vigor bem como pelos óbitos ocorridos antes, desde logo, porque abstrai do momento do óbito; nada na lei revela que fosse intenção desta restringir a sua aplicação aos óbitos ocorridos depois do início da sua vigência – sublinhado nosso.

    Está em causa, não a constituição, mas o conteúdo da relação ou situação jurídica da união de facto e da sua dissolução por morte de um dos seus membros – sublinhado nosso.

    Entende-se, assim, que por força do nº2 (2ª parte) do art. 12º do Cód. Civil, dispondo directamente sobre o conteúdo da relação jurídica decorrente da união de facto e do óbito de um dos membros, beneficiário da Segurança Social e abstraindo do facto que lhe deu origem, tal Lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.

    Por outras palavras, dir-se-á que o referido diploma legal (Lei 23/2010) - o qual dispõe directamente sobre o conteúdo da figura jurídica da união de facto - tem aqui aplicação imediata, por força do estatuído no art.12º nº2, 2ª parte, do Cód. Civil, e, por via disso, abarca o caso objecto do presente recurso – sublinhado nosso.

    Assim sendo forçoso é concluir que a prova da união de facto por mais de dois anos pode agora ser feita por qualquer meio legalmente admissível (art. 2º-A nº1 da lei nº 7/2001 aditado pelo art. 2º da Lei 23/2010).

  6. Assim, considerando que está provado que a autora viveu em união de facto com o falecido EE há mais de 30 anos, impõe-se concluir que tem aquela direito a receber do réu, Instituto de Segurança Social, I.P., a pensão de sobrevivência por morte do seu companheiro - cf. art.6º nº1 da Lei 7/2001, na redacção que lhe foi dada pela citada Lei n.º 23/2010 e, consequentemente, revogando-se a sentença, julgou-se procedente a apelação.

  7. Foi interposto recurso de revista pelo Instituto de Segurança Social, IP/ Centro Nacional de Pensões que concluiu a sua minuta com as seguintes conclusões: - O artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 322/90 ao remeter para a situação prevista no artigo 2020.º/1 do Código Civil está a equiparar a situação de quem tem direito à pensão de sobrevivência à situação de quem tem direito a alimentos da herança.

    - Isto é, a situação que se exige no artigo 8.º, para ser reconhecido o direito às prestações de Segurança Social é a mesma daquele que tem direito a exigir alimentos da herança, nos termos do artigo 2020.º,nº1 do Código Civil.

    - Na sequência do disposto no artigo 8.º,nº2 do Decreto-Lei n.º 322/90 foi publicado o Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Janeiro que nos seus artigos 3.º e 5.º estabeleceu as condições e processo de prova de atribuição das prestações às pessoas que se encontram na situação prevista no n.º1 do artigo 8.º do Decreto-Lei n. 322/90 ( o mesmo é dizer situação prevista no n.º1 do artigo 2020.º do Código Civil).

    - Daqui resultando que a atribuição das prestações por morte depende de sentença judicial que reconheça o direito a alimentos de herança do requerente ( n.º1 do artigo 3.º do Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Janeiro) desde que na acção intervenha a Segurança Social (artigo 6.º da lei n.º 7/2001), ou do reconhecimento judicial da qualidade do titular das prestações por morte no caso de não ter sentença que lhe reconheça o direito a alimentos por falta ou insuficiência de bens da herança (artigo 3.º/2 do Decreto Regulamentar n.º 1/94 e artigo 6.º da lei n.º 7/2001).

    - Isto é, tanto na situação prevista no n.º 1 do artigo 3.º como na prevista no n.º2 do mesmo artigo do Decreto Regulamentar n.º 1/94 será necessário alegar e provar: a) que o de cujus era pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens; b) factos demonstrativos ou integrados do conceito de união de facto há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges (artigo 2020.º do Código Civil); c) factos demonstrativos da inexistência ou insuficiência de bens da herança ( n.º 2 do...

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