Acórdão nº 02P2122 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Junho de 2002 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelCARMONA DA MOTA
Data da Resolução27 de Junho de 2002
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Arguido/recorrente: A (1) 1. OS FACTOS (2) No dia 30Ago01, pelas 9:45, na Rua do Sol a Chelas, em Lisboa, indivíduos com aspecto de consumidores de produtos estupefacientes abeiravam-se do arguido, entregando dinheiro a um indivíduo de etnia cigana e recebendo daquele pequenas embalagens. O arguido tinha consigo quarenta e quatro embalagens de plástico incolor contendo 6,018 g de heroína e vinte e quatro embalagens de plástico incolor, contendo 5,154 g de cocaína, bem como a quantia de 8500 escudos. O arguido conhecia a natureza e características estupefacientes dos produtos referidos, que detinha na sua posse e que destinava a comercializar na Rua do Sol a Chelas, com a intenção de obter uma contrapartida económica. Agiu livre e voluntariamente, bem sabendo que tal conduta era proibida e punível por lei. O arguido é consumidor de heroína e cocaína há 16 anos. Antes de preso vivia com a mãe e um tio. Tem a 4.ª classe. Sofrera já as seguintes condenações transitadas em julgado: a) por acórdão de 6/10/94, proferido no proc. 21/84 da 1ª Secção da 8ª Vara Criminal de Lisboa, pela prática em 8/8/93, de um crime de homicídio na forma tentada, a pena de 3 anos de prisão; b) por acórdão de 9/1/95 proferido no proc. 186/94 da 3ª secção da 5ª Vara Criminal de Lisboa, pela prática em 31/5/94 de um crime de roubo, na pena de 7 meses de prisão. 2. a condenação Com base nestes factos, a 3.ª Vara Criminal de Lisboa (3), em 18Fev02, condenou A, como autor de um crime de tráfico de estupefacientes (art. 21.º do dec. lei 15/93), na pena de 4 anos e 9 meses de prisão: Da matéria de facto apurada resulta que o arguido incorreu na prática de um crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelo art. 21º n.º 1 do Dec. Lei 15/93 de 22/1, com referência às Tabelas I-A e I-B anexas a esse diploma. Dispõe o art. 21º n.º 1 do citado Dec. Lei que "Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art. 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos". Ora, resultou provado que o arguido tinha na sua posse 44 embalagens com o peso líquido de 6,018 gramas de heroína e 24 embalagens com peso líquido de 5,154 gramas de cocaína, as quais destinava a comercializar, mediante contrapartida económica de montante não apurado. Resultou, ainda, provado que o arguido conhecia as características dos produtos que lhe foram apreendidos. Mostram-se, pois, preenchidos os requisitos objectivos e subjectivos da punibilidade do crime pelo qual o arguido vem acusado. Na determinação da medida concreta da pena a impor ao arguido ter-se-á em conta a sua culpa, as exigências de reprovação e de prevenção do crime, bem como as demais circunstâncias referidas no art. 71º do Cód. Penal, designadamente, que o arguido agiu com dolo directo, o grau de ilicitude do facto é o normal na prática de crimes da natureza dos presentes autos, sendo as necessidades de prevenção geral elevadíssimas, atenta a proliferação de ilícitos criminais deste tipo e as repercussões sociais a nível de saúde pública e ainda de outro tipo de criminalidade associada ao consumo de estupefacientes. Ter-se-á, ainda, em conta que o arguido é também ele consumidor de produtos estupefacientes, tem antecedentes criminais, é de modesta condição sócio-económica. 3. O RECURSO 3.1. Inconformado, o arguido (4) recorreu em 27Fev02 ao STJ, pedindo a sua condenação - como traficante/consumidor (art. 26.º do dec. lei 15/93) - numa pena mais leve: O Decreto-Lei 15/93 de 22 de Janeiro pressupõe uma determinada tipologia de traficantes: os grandes traficantes (art.s 21º e 22º em conjugação com algumas das circunstâncias agravantes do art. 24º); os médios e pequenos traficantes (art. 25º) e os traficantes consumidores (art. 26º). O enquadramento dos elementos de facto com o tipo de crime e, neste caso, com a "qualidade do agente" não pode ser subsumida ao tipo legal do art. 21º do Decreto-Lei 15/93, mas sim ao tipo legal do art. 26º do mesmo diploma legal. Da leitura do acórdão recorrido, não parecem suscitar-se dúvidas quanto à qualificação do arguido como traficante-consumidor, não sendo de modo algum enquadráveis os factos como se de um agente - grande traficante - se tratasse, como foi considerado pelo acórdão que ora se coloca em crise. Existe assim, uma ilegal subsunção da matéria fáctica à tipificação criminal. Um dos princípios basilares do Código Penal reside na compreensão de que toda a pena tem que ter como suporte axiológico normativo uma pena concreta ("nulla poena sine culpa"). O nosso Código Penal "aderiu" à denominada "Teoria da Margem de Liberdade", pela qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo (já adequado à culpa), e um limite máximo (ainda adequado à culpa), intervindo os outros fins das penas (as exigências da prevenção geral e, sobretudo, da prevenção especial) dentro destes limites. Nas palavras do autor do projecto de 1963 "é claro que, em absoluto, a medida da pena é uma certa; simplesmente qual seja exactamente é coisa que não poderá determinar-se, tendo, pois, o aplicador que remeter-se a uma aproximação que, só ela, justifica aquele "spielraum" dentro do qual podem ser decisivas considerações derivadas da prevenção" (Eduardo Correia, BMJ 149-72). A mesma ideia traduzem os art.ºs 71º e 72º do Código Penal, ou seja, a culpa é a culpa do facto sem deixar de se atender à personalidade e às perspectivas de socialização do agente. Na determinação da medida concreta da pena deve o juiz atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente. Como elementos de individualização da pena temos: 1 - A Ilicitude e dentro desta três elementos fundamentais: a) O grau de violação ou perigo de violação do interesse ofendido; b) O número de interesses ofendidos e suas consequências; c) A eficácia dos meios de agressão utilizados. 2 - A Culpa que atende designadamente a sete factores: a) Grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) Grau de intensidade da vontade criminosa; c) Sentimentos manifestados na preparação do crime; d) Motivos determinantes da prática do crime; e) Conduta anterior à prática do crime; f) Conduta posterior à prática do crime; g) Personalidade do agente. Por último há que atender à Influência da Pena sobre o Agente, tendo em consideração as condições pessoais e a situação económica deste. É da aplicação destas regras e elementos que se constrói o percurso que leva à determinação da medida da pena. Assim, quanto à Ilicitude, o ora recorrente é consumidor de heroína e cocaína há 16 anos. Com a sua conduta - entrega de pequenas embalagens de plástico incolor - o recorrente não visava o lucro, pois os proventos por si obtidos tinham por finalidade única e exclusiva a aquisição de produtos estupefacientes para o seu consumo. Ao ora recorrente não foram apreendidos objectos normalmente relacionados com o tráfico, nomeadamente balanças e moinhos, nem lhe foram apreendidos objectos em ouro que denunciam um tráfico de maior gravidade que aproveita as necessidades dos consumidores. Quanto à Culpa, o ora recorrente tem 30 anos de idade, é de modesta condição económica e social, antes de preso vivia com a mãe a quem ajudava na venda ambulante e não se dedicava à venda reiterada de produtos estupefacientes. Quanto à influência da pena sobre o agente, o ora recorrente é consumidor de heroína e cocaína há 16 anos, tem 30 anos de idade e é de modesta condição económica e social. Ao ser aplicada, ao ora recorrente, a pena de quatro anos e nove meses de prisão há uma clara violação do disposto no art. 71º do Código Penal. 3.2. O MP (5), na sua resposta de 19Mar02, manifestou-se pelo improvimento do recurso: O crime de tráfico de estupefacientes, em qualquer das modalidades definidas no art. 21º, n.º 1 do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22/01, é um crime de perigo abstracto ou presumido, pelo que não se exige para a sua consumação a existência de um dano real e efectivo, consumando-se com a simples criação de um perigo ou risco de dano para o .bem protegido - a saúde pública. Tal crime não exige, nos seus elementos tipificadores, que a detenção da droga se destine à venda, bastando a simples detenção ilícita da mesma ou proporcioná-la a outrem ainda que a título gratuito; desde que o estupefaciente não se destine na totalidade ao consumo do próprio agente, o crime de tráfico de estupefacientes está perfectibilizado, e por isso é irrelevante que a droga pertença ou não ao arguido. E irrelevante é também que o agente procure lucro ou outras vantagens, bem como saber a quem foi a droga vendida, por quantas vezes, as quantidades exactas, o preço. Assim, provando-se o mero acto material de detenção da droga, mas não se provando a intenção de consumo da sua totalidade pelo detentor, o acto será considerado como preenchendo o tipo legal do crime de tráfico do art. 21º, n.º 1 do mesmo diploma. Defende o recorrente configurar a respectiva conduta o tipo do crime de tráfico privilegiado do art. 26º do citado diploma legal. Tal só pode acontecer quando se tiver por finalidade exclusiva conseguir droga para consumo pessoal do próprio agente. Ora, esta finalidade exclusiva não se provou, atenta a factualidade dada como provada e não provada no douto Acórdão recorrido, pese embora o arguido tivesse assumido na sua contestação que se encontrava na disposição de proceder à venda de produtos estupefacientes, mas apenas para subsidiar o seu consumo e não para obter lucros. O facto de se ter provado que o recorrente é consumidor de heroína e cocaína há 16 anos, tal circunstância não é inequívoca no sentido de que todo o lucro resultante da venda dos estupefacientes que o arguido...

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