Acórdão nº 272/15.6T9CTX.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 14 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelFERNANDO PINA
Data da Resolução14 de Julho de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA: I. RELATÓRIO A – Nos presentes autos de Processo Comum Colectivo, que com o nº 272/15.6T9CTX, correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo Central Criminal de Santarém – Juiz 3, o Ministério Público deduziu acusação e posteriormente foram pronunciados entre outros, o arguido: - (…) Imputando-lhe a prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido, no artigo 21º, n ° 1, do Decreto-Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-A, anexa àquele diploma.

O arguido (...) apresentou contestação e, arrolou testemunhas.

Realizado o julgamento, veio a ser proferido pertinente Acórdão, no qual se decidiu: Condenar o arguido (...), pela prática, em autoria material de um crime de tráfico de estupefaciente previsto e punido pelo artigo 21°, n° 1, do Decreto-Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-A anexa ao referido diploma legal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Suspender a execução da pena de prisão do arguido (...), ao abrigo do disposto nos artigos 50º e 53º, todos do Código Penal, por idêntico período ao da sua condenação, acompanhada de regime de prova.

Inconformado com este Acórdão condenatório, o arguido (...), do mesmo interpôs recurso, extraindo da respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões: I. O presente recurso tem como objecto a matéria de facto e de direito do acórdão proferido nos presentes autos, o qual condenou o arguido em um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º do DL 15/93 de 22-01, na pena de quatro anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova.

  1. O tribunal a quo deu, designadamente, como provado que (…).

  2. A aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, e, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, conforme consagra o art. 40º, do CP.

  3. Conforme já se referiu, o artigo 127º, do CPP, dispõe que, “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. A livre convicção é um meio de descoberta da verdade, e, assim, uma conclusão livre apenas subordinada à razão e à lógica. Todavia, é certo que a livre apreciação de provas (princípio de enforma o processo penal, salvaguardadas as excepções legais) não se pode confundir com apreciação arbitrária de provas. Do que se trata é de uma apreciação que, liberta de um rígido sistema de prova cegal, se realiza de acordo com critérios lógicos e objectivos, dessa forma determinando uma convicção racional, objectivável e motivável.

  4. As declarações do co-arguido (...) foram, segundo o douto acórdão, um meio probatório essencial para a decisão em audiência de julgamento. As declarações de um arguido são um meio de prova legal cuja admissibilidade se inscreve no art. 125º do CPP. Questão diversa é a da credibilidade desses depoimentos. As declarações do arguido são uma manifestação do seu direito de defesa e são por isso um direito disponível. O arguido não tem qualquer dever de colaborar na descoberta da verdade nem na reconstrução histórica dos factos. Assim como não tem obrigação de prestar declarações e, mesmo que decida prestá-las, nada o obriga à verdade. O arguido não está sob juramento. Pelo que entendemos que o tribunal a quo esteve mal quando se alicerçou nas declarações deste arguido.

  5. Todas as testemunhas de acusação foram peremptórias: ou não conhecem o arguido recorrente ou conhecem, mas não o associam ao crime de que vem acusado.

  6. Os depoimentos das testemunhas de defesa corroboram a versão uma da outra. São espontâneas, com um discurso fluído. Coerentes. Contrariamente ao que o tribunal a quo entendeu. Entendeu o tribunal a quo que as testemunhas não tinham conhecimento dos factos em discussão, todavia, com o devido respeito perguntamos nós: que factos? Os que conhecem do contacto que têm com o recorrente ou os que o tribunal entendeu construir e descredibilizar quem não os confirme? Não se vislumbra qualquer contradição ou incoerência conforme alega o acórdão recorrido.

    A prova produzida pelas declarações destas testemunhas é sustentada por outros meios de prova, desde logo, pelos recibos de vencimento que foram juntos aos autos e que provam que o recorrente trabalhava para o seu irmão. Sustentada pelo relatório social que confirma que o recorrente trabalha na Junta de Freguesia, facto que foi comprovado pelo contacto directo com a referida junta de freguesia conforme consta do mesmo relatório social. Sustentada pela declaração médica junta aos autos que atesta que o recorrente faz o programa de metadona, a qual é levantada no Centro de Saúde periodicamente.

  7. A prova documental era bastante para o tribunal a quo dar como provados que o recorrente trabalhava para o irmão, que o recorrente trabalha actualmente na Junta de Freguesia, que o recorrente era também consumidor de produto estupefaciente. A prova documental era bastante para justificar as 4 embalagens de metadona encontradas na busca domiciliária à residência do arguido recorrente. Aliás, nada mais para além da metadona, foi encontrado na residência do recorrente. Uma tesoura que o tribunal a quo entendeu que servia para desenvolver a actividade de tráfico, assim como a balança de precisão, que não tinha qualquer vestígio de estupefaciente, até porque, conforme foi explicado nas declarações da testemunha (…) servia para administrar medicação aos pombos, ocupação que o recorrente mantém há muito tempo e que consta dos factos dados como provados (ponto 64).

  8. Contraditório é o acórdão recorrido já que dá como provado no ponto 58. que os arguidos (...) e (…) adquiriam o produto estupefaciente e depois (re)vendiam ao arguido (...), ora recorrente, para depois fundamentar a decisão nas declarações do arguido (...) que diz adquirir o produto estupefaciente ao recorrente (...) e para depois condenar o arguido (...) por um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade e o arguido (...) por um crime de tráfico de estupefacientes. Afinal, quem compra a quem? Quem vende a quem? Contrariamente consta do facto provado 60. que era arguido ora recorrente, mas a al. h) dos factos dados como não provados é o facto de o arguido, ora recorrente ser consumidor. Afinal, é ou não é consumidor? O arguido (...) que vendia aos outros dois arguidos. Dois factos dados como provados e que se contraditam entre eles! X. Assim, tendo por referência as passagens da prova produzida em julgamento, concretamente as que se indicaram supra, bem como a tríade encontrada entre todas que, em nosso entender foi mal construída na fundamentação da douta sentença, concluímos que os pontos 58, 60, 61, 62, 63, 65 e 68, dos factos dados como provados no acórdão recorrido devem ser alterados devendo os mesmos serem considerados como factos não provados.

    Concretamente, o ponto 58 não há qualquer prova de que os arguidos (...) e (…) vendessem produto estupefaciente ao arguido (...); No ponto 60, não há qualquer prova de que o recorrente se dedicava à compra e venda a terceiros de produto estupefaciente.

    Outra contradição no acórdão é o facto de no ponto 60. é dado como provado que o produto estupefaciente era para venda a terceiros bem como para consumo próprio do arguido ora recorrente, mas a al. h) dos factos dados como não provados é o facto de o arguido, ora recorrente ser consumidor. Afinal, é ou não é consumidor? No ponto 61, não há qualquer prova de que o recorrente recebia chamadas ou mensagens de (...), que tinham por finalidade a venda de produto estupefaciente.

    No ponto 62, não há qualquer prova de que o arguido (...) se tenha deslocado rapidamente a casa do arguido ora recorrente quando não tinha produto estupefaciente.

    No ponto 63, não há qualquer prova de que o recorrente recebia chamadas ou mensagens de (…), que tinham por finalidade a venda de produto estupefaciente.

  9. Sendo certo que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, entre outras: o grau de ilicitude do facto, o modo de execução, a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo ou negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, as condições pessoais do agente e a sua situação económica, a conduta anterior ao facto e posterior a este.

  10. Ora, no caso concreto não se retira que relativamente ao arguido, ora recorrente, este tenha sequer cometido qualquer facto que consubstancie o crime de que vem acusado. Por outro lado, não tem antecedentes criminais, está inserido familiar, social e profissionalmente. Tem a guarda do seu filho menor no âmbito de processo de regulação de responsabilidades parentais.

  11. O processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza deveria ser o seu fim. Dados, porém, os limites do conhecimento humano, sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece dúvida a final, malgrado o esforço processual para a superar. Em tal situação, o princípio 16 Augusto Silva Dias (2009), pág. 36 19 político-jurídico da presunção de inocência imporá a absolvição do acusado já que a condenação significaria a consagração de ónus de prova a seu cargo baseado na prévia presunção da sua culpabilidade”.

  12. O tribunal “a quo” procedeu à alteração não substancial dos factos descritos na acusação, alterando a qualificação jurídica dos factos, decidindo absolver os arguidos (...) e (...) do crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º do DL 15/93 de 22-01. Condenou ambos pelo crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo artigo 25º do DL 15/93 de 22-01. Fundamentou a sua alteração no facto dos...

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