Acórdão nº 100/12.4JABRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 29 de Setembro de 2013

Magistrado ResponsávelANA TEIXEIRA
Data da Resolução29 de Setembro de 2013
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO 1. No processo comum (tribunal coletivo) n.º 100/12.4 JABRG, do Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães, o arguido José M...

foi condenado nos seguintes termos [fls. ]: «(…) IV. DECISÃO Pelo exposto, acordam e decidem os juízes que constituem este tribunal coletivo em: 4) Condenar o arguido JOSÉ M... como autor de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º nº1 do DL 15/93 de 22 de Janeiro, enquanto reincidente nos termos dos artigos 75º e 76º do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos e 4 (quatro) de prisão.

Custas a cargo do arguido José M... fixando-se em quatro (4) U.C. a taxa de justiça.

Notifique.

(…)» 2. Inconformado, o arguido recorre, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões [fls. ]: «(…) CONCLUSÕES: 1. O presente recurso tem por objecto o acórdão condenatório, nos termos do qual vem o Arguido, ora Recorrente, condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, enquanto reincidente, na pena de 6 anos e 4 meses de prisão.

  1. O Recorrente não pode conformar-se com tal decisão, que considera, para além de injusta, desproporcionada, diante da prova produzida em julgamento.

  2. Antes, porém, entende o Recorrente que se verifica que a gravação dos depoimentos prestados em audiência, sobretudo no que diz respeito ao dia 24 de Abril de 2013, foi levada a cabo de forma deficiente, designadamente os depoimentos das testemunhas arroladas pela defesa (cfr.

    , a título de exemplo, gravação áudio do depoimento da testemunha Alexandra P..., do dia 24/04/2013, 16:23:22), cujo teor é, salvo melhor opinião, inaudível.

  3. Assim, o ora Recorrente vê-se impedido de, de forma cabal, reapreciar o teor dos depoimentos prestados por duas testemunhas por si arroladas, Alexandra P... e João M...

    , que considera úteis para a boa decisão da causa, não fazendo sentido levar a cabo o exercício teórico de passar a citar na motivação excertos de tais depoimentos que, no seu entender, impunham que se decidisse de forma diversa, relativamente a determinados pontos da matéria de facto.

  4. Termos em que, e por motivos de economia processual (uma vez que não se reveste de utilidade em sede de recurso, pelo menos para o Recorrente, a reinquirição das demais testemunhas), se argúi ao abrigo do art.° 120.0 do CPP a nulidade prevista no art.° 363.0 do mesmo diploma legal, devendo em consonância ser ordenada a repetição dos depoimentos das testemunhas Alexandra P... e João M....

    · 6. Admitindo todavia que a referida deficiência não existe, e que é ao invés unicamente a cópia disponibilizada ao Recorrente que se mostra inaudível, cumpre pois, nos termos e para os efeitos do disposto no art.° 412.°, n." 3 do CPP, expor o motivo pelo qual, no entender do Recorrente, se mostram incorretamente julgados os pontos 9, 10, 11,28 e 29 da matéria de facto dada como provada.

  5. Assim, e desde logo, se a única coisa que ficou provada é que o Recorrente recebeu uma encomenda em Outubro, não se compreende como se pode ter considerado, no caso concreto, que o dinheiro apreendido a José M... correspondia ao resultado de transações anteriores (de produtos estupefacientes), como decorre do ponto 10 dos factos provados.

  6. Com efeito, que transacções anteriores terão sido essas, quando tiveram as mesmas lugar, com quem se relacionou o Recorrente e que quantias por si foram vendidas? E, mais importante, com base em que elementos teve o Tribunal a quo conhecimento que tal efetivamente ocorreu, se no objeto do processo nada se refere quanto a isso? 9. Certo sendo que nem mesmo quanto à encomenda recebida em 1 de Outubro de 2012 se pode supor, e muito menos afirmar, que o Recorrente havia já vendido parte da mesma, como forma de justificação da origem ilícita do referido dinheiro.

  7. De facto, o produto foi apreendido pela Polícia Judiciária na sua totalidade, ainda no interior de duas latas, conforme se retira do auto de busca e apreensão a fls.

    714 e 715.

  8. Sendo que, se dúvidas houvesse, o depoimento prestado pelo inspetor Nuno Mata dissipa-as por completo (cfr. gravaçãoáudio do dia 16/0412013, 15:59:47, cfr. a partir do minuto 04:25 e ss.

    ), ao esclarecer que as duas latas estavam "hermeticamente fechadas, Pareciam caixas que tinham vindo de fábrica, completamente fechadas.

    E não era um fechado de colar, era um fechado com máquina mesmo".

  9. E, submetido a revista pessoal, o Recorrente não levava consigo qualquer estupefaciente (cfr. fls 717).

  10. Por conseguinte, de duas, uma: ou se prova que antes de 1 de Outubro de 2012 o Recorrente esteve na posse de estupefacientes, vendendo-os a terceiros (demonstrando-se a quantidade e identificando-se os compradores), ou então não há motivo absolutamente nenhum para, à luz das regras da experiência comum, considerar provado que, encontrando-se o Recorrente com numerário, ainda que avultado, lhe adveio o mesmo de vendas anteriores, porquanto inexistentes.

  11. Termos em que, ao julgar provado que o dinheiro na posse do Recorrente advinha de transacções anteriores de produtos estupefacientes, quando do próprio texto do acórdão resulta claro que não se apurou que as mesmas tivessem ocorrido, verifica-se uma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, para além de uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, que se argúi para os devidos efeitos legais.

  12. Sendo que, caso assim não se entenda, a prova acima enunciada impunha não obstante que, no caso concreto, se tomasse decisão diversa, devendo em face da mesma julgar-se não provado o ponto 10 dos factos provados.

  13. O que significa, face ao exposto, que inexistindo prova de que a quantia em dinheiro apreendida tem alguma ligação à atividade delituosa, deve ser revogada o acórdão na parte em que declara a mesma perdida a favor do Estado, ordenando-se em resultado disso a sua restituição ao Recorrente, nos termos legais.

  14. Do mesmo modo, razão alguma havia para, diante da prova, entender que o Recorrente destinaria os estupefacientes que lhe foram apreendidos para venda ou, mais concretamente, que iria ser ele próprio o vendedor dos estupefacientes que lhe foram apreendidos.

  15. De resto, quanto a esta matéria, pouco mais adianta o Tribunal a quo para além de que "outro destino lhe não daria senão o da venda", aparentando pois presumi-lo.

  16. A verdade, porém, é que mesmo tratando-se de presunções, é sempre exigível que o Tribunal a quo explique convenientemente em que factos concretos as alicerça, em termos que permitam ao Recorrente sindicar, em sede de recurso e, se de facto, à luz das regras da experiência, só podia mesmo ter como finalidade a distribuição da cocaína, e não a qualquer outra.

  17. Ora, compreende o Recorrente que, pelo facto de estarem em causa cerca de 900 gramas de estupefacientes, se possa ter entendido que, dificilmente, poderia estar em causa uma mera finalidade de consumo.

  18. No entanto, não é por se entender que os estupefacientes não teriam como destino o consumo próprio que, automaticamente, se pode concluir que a iria ser o próprio Recorrente o vendedor dos estupefacientes que lhe foram apreendidos, sobretudo quando é consabido que, no crime de tráfico de estupefacientes, se inclui não só a venda, mas também o cultivo, a produção, o fabrico, a extração, a preparação, a oferta, a distribuição, a cessão, o transporte, a importação, a exportação e, finalmente, a simples detenção.

  19. O que faz com que se verifique desde logo, nesta parte, um vício de insuficiência da fundamentação de facto, porquanto olvida o comando expresso no art." 374.

    °, n." 2, incorrendo assim na nulidade insanável prevista no art." 379.° n." 1, a), ambos do CPP.

  20. De resto, o que significa exactamente a afirmação de que o Recorrente "destinava o produto estupefaciente que lhe foi apreendido a ser introduzido, para venda, no mercado português"? Ter-se-á considerado que seria o Recorrente quem, diretamente, iria proceder à venda dos estupefacientes a terceiros? Ou fá-lo-ia indirectamente? E caso fosse ele próprio a vendê-lo, fá-la-ia em pequenas doses, ou venderia todo o produto tal qual o recebera? 24. Com efeito, a referência num caso de tráfico de estupefacientes de que o destino final da droga apreendida ao Recorrente "era a venda", para além redutora e simplista, impossibilita uma correta determinação da medida da pena, desde logo porque coloca, no mesmo saco, o importador, o armazenista, o transportador, o intermediário e, finalmente, o retalhista.

  21. É que colocar a tónica naquilo que, a jusante, se acabará por fazer aos estupefacientes (isto é, se acabarão por ser vendidos mais cedo ou mais tarde), em vez de apreciar, concretamente, o grau de participação que cada um desses intervenientes tem, acaba por coartar a possibilidade de sindicância, em recurso, da qualificação jurídico-penal que dos factos é feita no acórdão.

  22. Certo sendo que, caso não se entenda que tal expressão é ambivalente, e portanto suscetível de induzir em erro, existia prova produzida que impunha que, no caso concreto, se fizesse uma distinção quanto ao papel do Recorrente, no que toca à colocação à venda dos estupefacientes.

  23. Em primeiro lugar, e como acima se faz referência, parece lógico que, encontrando-se as duas latas onde chegou a cocaína hermeticamente fechadas, não será pelo facto de o Recorrente levar consigo quantias que se supõe a existência de circunstâncias concretas de venda.

  24. Em segundo lugar, na busca realizada ao domicílio do Recorrente não foi encontrada nenhuma balança de precisão, fármacos comummente usados como "agentes de corte" da cocaína, ou outros instrumentos que permitissem concluir que, na posse da encomenda, seria ele próprio quem procederia à sua mistura e dosagem individual, para subsequente venda a terceiros.

  25. Em terceiro lugar, não foi presenciado nenhum ato concreto de venda nem intercetada nenhuma conversa telefónica entre o Recorrente e um seu potencial comprador. E, mais concretamente, não ficou provado que o Recorrente destinasse a cocaína em apreço a...

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