Acórdão n.º 245/90, de 06 de Setembro de 1990

Acórdão n.º 245/90 Processo n.º 321/88 Acordam no Tribunal Constitucional: I - A questão 1 - O Procurador-Geral da República, ao abrigo do disposto no artigo 281.º, n.º 1, alíneas a) e b), da Constituição (na versão da Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro), veio requerer a declaração da inconstitucionalidade e da ilegalidade, com força obrigatória geral, de todas as normas que integram o Regulamento dos Concursos de Habilitação para o Grau de Chefe de Serviço Hospitalar da Carreira Médica Hospitalar e dos Concursos de Provimento dos Lugares de Chefe de Serviço Hospitalar da Mesma Carreira dos Quadros dos Estabelecimentos Dependentes da Secretaria Regional dos Assuntos Sociais, aprovado por despacho conjunto dos Secretários Regionais dos Assuntos Sociais e da Administração Pública do Governo Regional dos Açores de 3 de Fevereiro de 1987, publicado (sem número e sem data) no Diário da República, 2.' série, de 4 de Março de 1987, e (com a epígrafe 'Despacho Normativo n.º 16/87') no Jornal Oficial da Região Autónoma dos Açores, 1.' série, de 24 de Fevereiro de 1987, quer na sua versão originária, quer na que resultou da alteração da redacção do n.º 19 da secção VI do capítulo I do Regulamento em causa, operada pelo despacho conjunto dos mesmos Secretários Regionais de 7 de Maio de 1987, publicado no Diário da República, 2.' série, de 20 de Maio de 1987, e (com a epígrafe 'Despacho Normativo n.º 74/87') no Jornal Oficial da Região Autónoma dos Açores, 1.' série, de 19 de Maio de 1987, com base no seguinte quadro argumentativo: 1.º Compete às região autónomas legislar, com respeito da Constituição e das leis gerais da República, em matérias de interesse específico para as regiões que não estejam reservadas à competência própria dos órgãos de soberania [artigo 229.º, alínea a), da Constituição] e, bem assim, regulamentar as leis gerais emanadas dos órgãos de soberania que não reservem para estes o respectivo poder regulamentar [artigo 229.º, alínea b), segunda parte da Constituição], sendo óbvio que quanto a esta competência regulamentar valem também os limites e pressupostos gerais da competência legislativa regional, a saber: respeito da Constituição, das leis gerais da República e da reserva de competência dos órgãos de soberania e confinamento da intervenção à matéria de interesse específico regional.

O exercício destas duas atribuições é da exclusiva competência da assembleia regional (artigo 234.º) e deve revestir sempre a forma de decreto legislativo regional [artigo 34.º, n.º 1, referido às alíneas c) e i) do n.º 1 do artigo 32.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores - Lei n.º 39/80, de 5 de Agosto, revista pela Lei n.º 9/87, de 26 de Março].

São leis gerais da República as leis e os decretos-leis cuja razão de ser envolva a sua aplicação sem reservas a todo o território nacional (n.º 4 do artigo 115.º da Constituição).

Segundo pacífica orientação da jurisprudência constitucional, constituem matéria de interesse específico de uma região as que lhe respeitem exclusivamente ou que nela exijam um especial tratamento por aí assumirem especialconfiguração.

Consideram-se matérias reservadas à competência legislativa própria dos órgãos de soberania, quanto à Assembleia da República, as elencadas nos artigos 164.º, 167.º e 168.º da Constituição, e, quanto ao Governo, as indicadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 201.º da Constituição, pese embora as conhecidas divergências existentes a propósito da competência para emitir legislação de desenvolvimento dos princípios ou das bases gerais dos regimes jurídicos contidos em leis que a eles se circunscrevam.

Refira-se, por último, que estes diplomas de desenvolvimento devem invocar expressamente a lei de bases ao abrigo da qual são aprovados (n.º 3 do artigo 201.º da Constituição) e que os regulamentos devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão (n.º 7 do artigo 115.º da Constituição).

  1. O Regulamento em causa é: a) Inconstitucional, porque não versa matéria de interesse específico para a Região, assim violando o artigo 229.º, alíneas a) e b), da Constituição; b) Inconstitucional, porque, visando regulamentar uma lei geral da República, foi emitido por órgão constitucionalmente incompetente, o governo regional, assim violando o artigo 234.º da Constituição; c) Ilegal, por violação, pelo mesmo motivo, do artigo 26.º, n.º 1, alínea d), do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, na redacção originária da Lei n.º 39/80, de 5 de Agosto, ao tempo vigente.

  2. O despacho que aprovou o Regulamento em causa, bem como o despacho que posteriormente alterou um dos seus preceitos, pretenderam expressamente ter sido emitidos 'ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 18.º do Decreto Legislativo Regional n.º 16/83/A, de 28 de Abril'.

Este Decreto Legislativo Regional n.º 16/83/A, por seu turno, visou adaptar à Região Autónoma dos Açores o Decreto-Lei n.º 171/82, de 10 de Maio, que estabelecera o regime geral de recrutamento e selecção de pessoal dos quadros dos serviços e organismos da Administração Pública, adaptação prevista no artigo 1.º, n.º 2, deste decreto-lei. Nos termos do artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do Decreto Legislativo Regional n.º 16/83/A - norma idêntica, salvo adaptações impostas pela realidade política regional, ao preceito com o mesmo número do Decreto-Lei n.º 171/82 - as operações de recrutamento e selecção de pessoal e os programas das provas serão estabelecidos, quando não se trate de lugares de ingresso das carreiras comuns à Administração, em regulamento aprovado, mediante despacho conjunto, pelo membro do Governo Regional competente e pelo Secretário Regional da Administração Pública.

Foi, como se disse, com invocação expressa desta norma que foram emitidos os despachos conjuntos que aprovaram e alteraram o Regulamento ora impugnado. Mas tal invocação é incorrecta.

Desde logo, porque o Decreto-Lei n.º 171/82 (a cuja adaptação regional visou o Decreto Legislativo Regional n.º 16/83/A) foi entretanto revogado e substituído pelo Decreto-Lei n.º 44/84, de 3 de Fevereiro, que veio definir o regime geral do recrutamento e selecção de pessoal e do processo dos concursos na função pública. A sua adaptação à Região Autónoma dos Açores, consentida pelo seu artigo 1.º, n.º 2, foi tentada através do Decreto Legislativo Regional n.º 8/87, aprovado na Assembleia Regional dos Açores em 7 de Abril de 1987, o qual, porém, em sede de fiscalização preventiva de constitucionalidade, mereceu pronúncia negativa por parte do Tribunal Constitucional (Acórdão n.º 109/87, publicado no Diário da República, 1.' série, de 2 de Julho de 1987).

Confirmado o diploma, após o veto do Ministro da República, viria a ser publicado como Decreto Legislativo Regional n.º 18/87/A, de 18 de Novembro, mas contra o mesmo - e, bem assim, contra a norma constante do n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 44/84, ao abrigo da qual fora emitido - foi apresentado, pelo procurador-geral da República, pedido de apreciação e declaração, com força obrigatória geral, de inconstitucionalidade, ainda não julgado pelo Tribunal Constitucional.

Porém, enquanto não for declarada, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade do Decreto Legislativo Regional n.º 18/87/A, o mesmo permanece actuante, designadamente nas partes em que revoga o Decreto Legislativo Regional n.º 16/83/A (artigo 54.º, n.º 1) e em que, por declaração de aplicação dos artigos 2.º a 5.º do Decreto-Lei n.º 44/84 (artigo 1.º), possibilita a existência de processo de concurso próprio para o recrutamento e selecção do pessoal médico (artigo 2.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 44/84).

O certo, porém, é que mediante o Regulamento em causa não se regulamentou o Decreto Legislativo Regional n.º 16/83/A - que não se configura como lei materialmente habilitante do questionado Regulamento -, mas antes o Decreto-Lei n.º 310/82, de 3 de Agosto, que estabeleceu o regime dos concursos das carreiras médicas, com saliência para os da carreira médica hospitalar, e foi a disciplina geral destes concursos que o Regulamento ensaiou desenvolver e concretizar.

Ora, o Decreto-Lei n.º 310/82 deve considerar-se lei geral da República, com nítida vocação espacial indiferenciada a todo o território, de que nenhuma porção se aliena, pelo que a sua regulamentação na Região Autónoma dos Açores competia exclusivamente à Assembleia Regional, estando o regulamento respectivo sujeito à forma de decreto legislativo regional e, bem assim, à assinatura e à eventual iniciativa de controlo da constitucionalidade do Ministro da República.

Acresce que o Decreto-Lei n.º 310/82, reservara, no seu artigo 12.º, n.º 7, a regulamentação dos concursos ao Governo da República, pelo Ministro dos Assuntos Sociais (mais tarde, Ministro da Saúde), tornando assim constitucional e estatutariamente indisponível para a Região a mesma regulamentação.

Por último, não se divisa, na matéria do regulamento regional, um interesse específico do arquipélago dos Açores, pelo que assim se inobservou outro limite ao poder regulamentar regional.

Anexou-se ao pedido cópia do parecer n.º 93/87, de 11 de Março de 1988, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, com a menção de que daquele deveria ser considerado parte integrante.

2 - Em obediência ao disposto no artigo 54.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, foi notificado o Presidente do Governo Regional dos Açores a fim de, no caso de assim ser julgado conveniente, se pronunciar sobre o pedido, havendo produzido a resposta que consta dos autos e cujo quadro conclusivo se apresenta do seguinte teor: 1.º É ao Governo Regional, como órgão superior da Administração Regional [alínea d) do artigo 229.º da Constituição], que cabe a gestão dos serviços regionais e a prática de todos os actos relativos aos funcionários regionais [cf.

alíneas c) e d) do artigo 44.º do Estatuto da...

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