Acórdão n.º 545/2006, de 06 de Novembro de 2006

Acórdáo n.o 545/2006

Processo n.o 414/2006

Acordam na 2.a Secçáo do Tribunal Constitucional:

1- Relatório. - Adelino Pereira Gomes Canto interpôs recurso para o Tribunal da Relaçáo de Coimbra contra o despacho do juiz do Tribunal Judicial de Cantanhede de 12 de Outubro de 2005, que indeferiu requerimento de suspensáo da contagem do prazo de inter-posiçáo de recurso da sentença condenatória (proferida em 19 de Julho de 2005 e depositada na mesma data), entre 15 de Setembro de 2005 e a data da notificaçáo da disponibilizaçáo das cópias das cassetes com a gravaçáo dos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento (cópias pelo recorrente requeridas em 12 de Setembro de 2005, o que fora deferido por despacho do subsequente dia 19).

Na motivaçáo desse recurso, o recorrente suscitou, além do mais, a questáo da inconstitucionalidade da «norma do artigo 411.o, n.o 1, do Código de Processo Penal (CPP), quando interpretada no sentido de determinar a contagem do prazo de interposiçáo do recurso da data do depósito da sentença, e náo da data em que o defensor do arguido é notificado da entrega dos suportes magnéticos da gravaçáo (cassettes) dos depoimentos das testemunhas em sede de julgamento, para efeitos de prova da matéria de facto, mediante a prova gravada, tempestivamente requerida».

Ao recurso foi negado provimento por Acórdáo do Tribunal da Relaçáo de Coimbra de 15 de Março de 2006, com a seguinte fundamentaçáo:

Relativamente a esta questáo, verifica-se que a norma ínsita no n.o 1 do artigo 411.o do Código de Processo Penal define o prazo para a interposiçáo de recurso e determina o momento a partir do qual se conta este prazo.

Por outro lado, adianta-se já, a ausência de uma disposiçáo que possibilite um acréscimo do prazo resulta de uma opçáo legislativa, já que náo contraria o fim visado pelo legislador.

No preâmbulo da Lei n.o 59/98, de 25 de Agosto, refere-se que se procurou uma maior celeridade e eficiência na administraçáo da justiça penal, reduzindo-se ao mínimo a duraçáo dos processos penais.

Ora, a redacçáo do artigo 698.o, n.o 6, do Código de Processo Civil foi introduzida pela revisáo realizada (anteriormente àquela data) pelo Decreto-Lei n.o 180/96, de 25 de Setembro, náo cuidando o legislador de introduzir uma norma equivalente, pelo simples facto de, intencionalmente, dar possibilidade de maior celeridade à justiça penal.Assim que o preceituado no artigo 412.o do Código de Processo Penal refere apenas e táo-só os registos efectuados e apontados pelo recorrente para efeito das especificaçóes que tiver concretizado, e ocorrerá sempre após a interposiçáo do recurso, ou seja, o recorrente, nas suas alegaçóes de recurso, terá apenas de referir os suportes técnicos, os quais sáo indicados nas actas das diligências em que tiver sido produzida a prova gravada, tendo, pois, o recorrente a indicaçáo destes suportes nas referidas actas que constam dos autos.

A forma como se processa a documentaçáo e registo da audiência final e a prova nela produzida está regulamentada no Decreto-Lei n.o 39/95, de 15 de Setembro, sendo, nos termos do artigo 70.o do referido diploma legal, gravadas durante a audiência simultaneamente uma fita magnética destinada ao tribunal e outra destinada às partes, incumbindo ao tribunal que efectuou o registo facultar, no prazo máximo de oito dias após a realizaçáo da respectiva diligência, cópia a cada um dos mandatários ou das partes que a requeiram, devendo estes fornecer ao tribunal as fitas magnéticas necessárias.

Por outro lado, o n.o 6 do artigo 107.o do Código de Processo Penal consagra a possibilidade de prorrogaçáo do prazo para a prática de determinados actos, quando o procedimento se revelar de excepcional complexidade e a requerimento, náo se tendo contemplado tal possibilidade para o caso de o recurso versar sobre a matéria de facto, aquando de pretendida reapreciaçáo das provas gravadas.

Por sua vez, o n.o 6 do artigo 698.o do Código de Processo Civil prevê o acréscimo de 10 dias nos prazos para alegaçóes e contra-alegaçóes quando o recurso tiver por objecto a reapreciaçáo da prova gravada.

Para se saber se é aplicável ao processo penal o disposto no referido artigo 698.o, n.o 6, do Código de Processo Civil, cumpre saber se o facto da náo previsáo pelo legislador no processo penal de tal acréscimo configura ou náo uma lacuna, a qual seria integrada pela forma prevista no artigo 4.o do Código de Processo Penal.

Destarte que a norma do n.o 1 do artigo 411.o do Código de Processo Penal náo carece de qualquer integraçáo, uma vez que define o prazo para a interposiçáo de recurso e determina o momento a partir do qual se conta este prazo.

A náo ser assim, o simples pedido de acesso a cópia dos suportes técnicos de gravaçáo teria sempre a virtualidade de suspender, indefinida e aleatoriamente, o prazo de interposiçáo do recurso até que a mesma fosse colocada à sua (do recorrente) disposiçáo.

E se sobre a questáo - objecto primacial do presente recurso foram proferidos inúmeros acórdáos pelos tribunais superiores, com decisóes em sentido contrário, veio a ser prolatado, pelo Supremo Tribunal de Justiça, um acórdáo de fixaçáo de jurisprudência, no qual se fixou jurisprudência no sentido de 'quando o recorrente impugne a decisáo em matéria de facto e as provas tenham sido gravadas, o recurso deve ser interposto no prazo de 15 dias, fixado no artigo 411.o, n.o 1, do Código de Processo Penal, náo sendo subsidiariamente aplicável em processo penal o disposto no artigo 698.o,n.o 6, do Código de Processo Civil'.

Aí se pode ler, no domínio sindicado, que 'no caso de impugnaçáo da decisáo proferida em matéria de facto, o recorrente deve especificar nas conclusóes os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as provas que impóem decisáo diversa da recorrida e as provas que devem ser renovadas - artigo 412.o, n.o 3, alíneas a), b)e c), do CPP. Quando as provas tenham sido gravadas, dispóe o n.o 4 do artigo 412.o [que]as especificaçóes previstas nas alíneas b)e c)don.o 3 fazem-se por referência aos suportes técnicos, havendo lugar a transcriçáo. Esta disposiçáo, que descreve um iter procedimental para quando seja impugnada a decisáo sobre a matéria de facto, separa inteiramente dois momentos, partindo do pressuposto e da funçáo da gravaçáo da prova e dos respectivos suportes técnicos e da funçáo e finalidade da transcriçáo das provas gravadas.

A gravaçáo da prova, enquanto meio que permite a constituiçáo de uma base para a reapreciaçáo da decisáo em matéria de facto pelo tribunal de recurso, obedece a modos regulamentados de execuçáo constantes dos artigos 3.o a 9.o do Decreto-Lei n.o 39/95, de 15 de Fevereiro. Deste modo, é a tais suportes técnicos (fitas gravadas ou outros) que a lei se refere no artigo 412.o, n.o 4, do CPP, e náo a quaisquer transcriçóes da prova gravada; a especificaçáo das provas que no entender do recorrente impóem decisáo diversa e das provas que devem ser renovadas náo é feita por referência à transcriçáo, mas por referência aos suportes técnicos donde consta a gravaçáo das provas [. . .] Com efeito, como dispóe o artigo 7.o do Decreto-Lei n.o 39/95, de 15 de Fevereiro, o tribunal facultará cópia das gravaçóes, devendo o mandatário, com a solicitaçáo da cópia, fornecer as fitas magnéticas necessárias: a resposta do tribunal, no prazo máximo que a lei impóe (oito dias), harmoniza-se por modo adequado com o exercício do direito ao recurso nos prazos fixados, sendo que, em caso de demora na disponibilidade das cópias, o interessado sempre disporá da faculdade de invocar justo impedimento. No rigor das coisas, os elementos necessários à impugnaçáo da matéria de facto - suportes materiais da prova gravada - podem estar à disposiçáo do recorrente desde o início do prazo para interposiçáo do recurso [. . .] o regime estabelecido em processo penal relativo aos procedimentos da impugnaçáo da decisáo em matéria de facto revela-se coerente, com inteira autonomia, e náo apresenta qualquer espaço vazio; é um sistema que, nos termos descritos, funciona completamente por si, na previsáo, nos procedimentos e nos resultados da sua execuçáo. Apresentando-se como regime completo, que funciona com autonomia, e que permite realizar, por inteiro, e de modo razoável e constitucionalmente capaz (itálico nosso), a funçáo para que foi concebido, náo há espaços náo regulados que necessitem de complemento; náo deixando espaço de regulamentaçáo em aberto que importe preencher, náo existe, pois, lacuna de regulamentaçáo'.

Por tudo quanto ficou expresso, cai pela base a inconstitucionalidade...

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